25 de abril de 2021

NEM TUDO É DANO MORAL


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

 É muito comum quando um advogado é procurado por alguém que teve algum direito seu lesado, essa pessoa dizer “(...) e quero danos morais também!” Todavia, as coisas não funcionam bem assim. 

Nas relações civis e trabalhistas há lesões aos direitos que geram o dano moral e, consequentemente o dever de indenização por tal dano. Entretanto, há outras lesões aos diretos que geram somente a obrigação de fazer ou não fazer algo em razão de lei, de norma particular ou de contrato, ou, ainda, a obrigação de indenização por dano material.

  

II – CARACTERIZAÇÃO DANO MORAL

 

Para vermos o que não é dano moral, vamos fazer o caminho inverso, isto é, ver o que caracteriza o dano moral indenizável. Assim, destaco algumas, das tantas definições, que nos dão um norte sobre o assunto:

 

a)   para ROBERTO RUGGIERO[1], o dano moral indenizável é quando “haja perturbação feita pelo ato ilícito nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos, nos afetos de uma pessoa, para produzir uma diminuição do gozo do respectivo direito”;

  

b) para MIGUEL REALE[2], o “(...) dano moral objetivo é aquele que atinge a dimensão moral da pessoa no meio social em que vive, envolvendo sua imagem (...) e o dano moral subjetivo é o que se correlaciona com o mal sofrido pela pessoa em sua subjetividade psíquica”;

 

c) para YUSSEF SAID CAHALI[3], é “(...) tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.”

 

Assim, esclarecido o que é dano moral, passemos a outro aspecto: se o fato se constitui em dano moral indenizável ou mero transtorno normal nas relações sociais e, portanto, não indenizável. A conclusão acerca disso, dá-se através da análise de alguns aspectos, dentre eles:

 

a) a gravidade do fato e a repercussão que isso acarretou aos sentimentos ou à tranquilidade da pessoa que teve seus direitos violados;

 

b) os sentimentos do homem médio – homens e mulheres, deixemos claro –, que é o ponto de corte entre o que é dano moral e o que é um mero transtorno.

 

E essa verificação dá-se através da eficiente e clara narrativa dos fatos e das provas juntadas no processo e que alicerçarão o pedido de indenização. Portanto, se a pessoa que pleitear o dano moral, dependendo da natureza do fato, não conseguir provar que esse lhe causou um abalo significativo, não terá êxito no pedido de dano moral. Um exemplo claro disso vê-se nos casos de acidentes de trânsito apenas com danos materiais: em alguns casos haverá, dependendo de uma série de circunstâncias, o dano moral junto com o dano material; noutros casos, haverá somente o dano material. Ou seja, é absolutamente casuístico. 

Contudo, mesmo não havendo dano moral, há lesões aos direitos, conforme já dito, que se constituem em inexecuções contratuais ou em danos materiais, dentre outros, e que, sem dúvida, merecem a proteção pelo Poder Judiciário.

  

III – CONCLUSÃO

 

Diante das considerações acima, o que se conclui é que no caso de uma situação em que possa haver o dano moral, mais do que nunca o advogado deve ater-se ao artigo 2º, inciso VII do Código de Ética e Disciplina da OAB[4], que estabelece o seguinte: “desaconselhar lides temerárias, a partir de um juízo preliminar de viabilidade jurídica”, ou, nas palavras grande jurista Sobral Pinto: “O primeiro e mais fundamental dever do advogado é ser o juiz inicial da causa que lhe levam para patrocinar. Incumbe-lhe, antes de tudo, examinar minuciosamente a hipótese para ver se ela é realmente defensável em face  dos preceitos da justiça. Só depois de que eu me convenço de que a justiça está com a parte que me procura é que me ponho à sua disposição[5]”. 

 Portanto, a partir do momento em que o advogado fizer essa avaliação, cabe ao profissional em questão explicar de forma clara ao cliente, o motivo que é possível ou não pleitear o dano moral, no sentido de não causar uma expectativa a esse que não se confirmará, bem como não fazer um pedido – impossível de se ter êxito – e que poderá colocar em descrédito todo o restante da ação, caso existam outros pedidos. Dano moral não é “moeda de troca” e não pode ser barganha processual.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] Instituições do Direito Civil, trad. da 6ª ed. italiana, Saraiva, 1973.

[2] O Dano Moral no Direito Brasileiro in Temas de Direito Positivo, p. 23

[3] Dano Moral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 20, 21

[4] Código de Ética e Disciplina da OAB, Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes. Parágrafo único. São deveres do advogado: VII - desaconselhar lides temerárias, a partir de um juízo preliminar de viabilidade jurídica;

[5] Heráclito Fontoura Sobral Pinto, num trecho da carta endereçada ao amigo Augusto Frederico Schimidt.


18 de abril de 2021

A RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR E DO INCORPORADOR POR DEFEITOS NA OBRA


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

O setor da construção civil é um dos mais importantes da economia brasileira, tendo representado entre 2011 a 2014, 6% do PIB nacional, conforme dados do DIEESE[1]. Tal importância, apesar da crise econômica, é notada pela quantidade de novos empreendimentos para os mais diversos públicos, isto é, dos imóveis populares (Minha Casa Minha Vida e, após, Casa Verde e Amarela) até os condomínios de alto padrão, construídos com uma sofisticação e opções de espaços privativos e comuns para atividades de lazer e/ou profissionais, dependendo de sua finalidade. 

Ocorre que ao mesmo tempo em que se tem o aumento da oferta de imóveis, vê-se a queda na qualidade das construções. Aliás, muitas vezes verifica-se que as opções ofertadas nas áreas comuns dos empreendimentos imobiliários são um fator determinante e acabam por “esconder” a baixa qualidade construtiva do imóvel. E isso não é de hoje.

  

II – DA GARANTIA E DA INDENIZAÇÃO POR DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO

 

Em razão dessa baixa qualidade construtiva que começam os problemas de quem compra esses imóveis, pois frequentemente esses são entregues com vários problemas, uns percebidos já de início e outros que são percebidos somente com o decorrer dos anos.

Quando esses defeitos (vícios) na construção – tanto das áreas comuns, como das áreas privativas – começam a aparecer alguns anos depois da aquisição do imóvel, é que as preocupações tomam conta da rotina dos proprietários em razão de um aspecto: a garantia construtiva. 

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 27[2] e o Código Civil, em seu artigo 618[3] determinam a prescrição de cinco (05) anos para a pretensão de reparação pelos danos causados por defeito no produto ou serviço. 

Esse prazo, em se tratando de vícios construtivos, entretanto, se mostra curto, pois quando os defeitos não são aparentes, muitas vezes eles demoram a aparecer, ou seja, demoram mais do que os cinco anos de garantia. E é nesse ponto, também, que as construtoras e incorporadoras se aproveitam. 

Todavia, há ressalvas para esse prazo de cinco anos, podendo estender-se por mais tempo, dependendo das circunstâncias de cada caso. Sobre isso, vale destacar o ensinamento de SERGIO CAVALIERI FILHO:

 

“(...) a responsabilidade do incorporador/construtor perante o consumidor não mais se limita aos vícios que a obra apresentar nos cinco primeiros anos de existência, estendendo-se agora, à luz do Código do Consumidor, por todo de razoável durabilidade do prédio. Acrescente-se que também aqui a responsabilidade do construtor é objetiva, por ser irrelevante que ele tenha ou não conhecimento desse vício. Nesse sentido o texto expresso do art. 23 do Código do Consumidor: ‘A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade’.”[4]

 

Nesse sentido, importante trazer um trecho do Recurso Especial nº 984.106/SC[5], de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça:

(...)

Cumpre ressaltar que, mesmo na hipótese de existência de prazo legal de garantia, causaria estranheza afirmar que o fornecedor estaria sempre e sempre isento de responsabilidade em relação aos vícios que se tornaram evidentes depois desse interregno.

Basta dizer, por exemplo, que, muito embora o construtor responda pela solidez e segurança da obra pelo prazo legal de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 618 do CC/02, não seria admissível que o empreendimento pudesse desabar no sexto ano e por nada respondesse o construtor.

(...)

Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia.

Nesse passo, os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir.

Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia, como é o caso de edifícios de estruturas frágeis que ruínam a partir de certo tempo de uso, mas muito antes do que normalmente se esperaria de um empreendimento imobiliário, de modo a ficar contrariada a própria essência do que seja um ‘bem durável’.

(...)” (Grifado)

 

Já em relação à indenização em razão do vício construtivo o prazo prescricional é de dez (10) anos, conforme entendimento jurisprudencial:

 

CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO CONTRA O CONSTRUTOR. DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO. 1. PRAZO PRESCRICIONAL PARA OBTER, DO CONSTRUTOR, INDENIZAÇÃO POR DEFEITO DA OBRA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 É DE 10 ANOS. 2. VÍCIO CONSTRUTIVO. LAUDO PERICIAL. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA DESTA CORTE. 3. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O prazo prescricional da ação para obter, do construtor, indenização por defeito da obra na vigência do Código Civil de 2002 é de 10 anos. 2. O laudo pericial comprovou cabalmente os defeitos apresentados no edifício, não constatando a alegada falta de manutenção. Portanto, rever o acórdão recorrido enseja o reexame do conjunto probatório dos autos, o que é defeso na instância especial, de acordo com o disposto no enunciado nº 7 da Súmula desta Corte. 3. Em face da ausência de qualquer subsídio capaz de alterar os fundamentos da decisão agravada, subsiste incólume o entendimento nela firmado, não merecendo prosperar o presente recurso. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, AgRg no AREsp 661548 RJ 2015/0029077-0, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26.05.2015). (Grifado)

  

Ou seja, há de ser visto em casos de vícios construtivos, dentre tantos aspectos, três que são fundamentais: a) a natureza do vício; b) a garantia construtiva; c) o direito de indenização.

 

III – CONCLUSÃO

 

Com isso, devem os proprietários de imóveis e/ou dos síndicos ficarem atentos aos danos que surgirem, buscando, sempre, orientação técnica para saberem se esses são decorrentes do desgaste comum, mau uso do bem ou de vícios construtivos, para que, nesse último caso, comece a coleta das provas, no sentido de o mais rápido possível dar-se início aos procedimentos para a busca das soluções e indenizações, quer seja pela via extrajudicial, quer pela via judicial.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br

  

Fonte



[1] https://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2020/estPesq95trabconstrucaocivil/index.html?page=6

[2] Código de Defesa do Consumidor, art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

[3] Código Civil, art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

[4] FILHO, Sergio Cavalieri, Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, 5ª ed., São Paulo, 2004, p. 343/364

[5] STJ, REsp nº 984.106/SC, 4ª Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 04.10.2012.


11 de abril de 2021

HÁ DANO MORAL POR NÃO PAGAMENTO DE VERBAS TRABALHISTAS?


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

 A existência do dano moral em razão do não pagamento de verbas trabalhistas é um tema cada vez mais presente nas ações trabalhistas e, portanto, merecedor de uma análise cada vez mais criteriosa quanto ao seu cabimento ou não. 

Em relação ao não pagamento de verbas trabalhistas, há casos em que se verificam atos atentatórios à dignidade, honra e moral, direitos que são protegidos pela Constituição Federal, acarretando, dessa forma, o dever de o empregador indenizar o empregado pelo dano moral sofrido. Abaixo, dois exemplos:

 

a)   trabalho em condições análogas à escravidão: é o mais óbvio dos casos em que há dano moral por não pagamento de verbas trabalhistas; não somente por isso, mas, principalmente, por todas as condições desumanas envolvidas (trabalho forçado, jornada extenuante e condições degradantes, etc.);

 

b) falta de pagamentos de salários por tempo prolongado ou de forma reiterada: o não recebimento dos salários pelo empregado, por tempo prolongado, sem dúvida, desequilibra suas finanças e coloca em risco seu sustento e quase sempre gera dívidas. Tais problemas não são considerados meros transtornos, pois atingem a dignidade da pessoa humana e, portanto, levam ao direito do empregado ser indenizado pelo dano moral, conforme entendimento jurisprudencial:

 

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Caso em que se adota a Súmula 104 deste Regional: "ATRASO REITERADO NO PAGAMENTO DE SALÁRIOS. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. O atraso reiterado no pagamento dos salários gera presunção de dano moral indenizável ao empregado" cabendo a indenização por danos morais pleiteada. (TRT-4, RO nº 0020101-39.2019.5.04.0751, 3ª Turma, Rel. Desª Carmem Izabel Centena Gonzalez, julgado em 22.02.2021). (Grifado)


Assim, havendo condenação por dano moral, o juiz observará os critérios contidos no artigo 223-G da CLT[1] para estabelecer o valor da indenização, que pode variar entre três (03) a vinte (20) vezes o último salário contratual do empregado, dependendo da gravidade do dano.

Todavia, em outros casos, o atraso ou não pagamento de outras verbas trabalhistas não geram dano moral ao empregador, quais sejam:

 

a)   não recolhimento de FGTS; 

b)  não recolhimento das parcelas previdenciárias; 

c)   não pagamento de verbas como 13º salário, férias mais 1/3, horas extras, adicionais (noturno, de insalubridade e de periculosidade), dentre outros valores decorrentes do contrato; 

d)  atraso ou não pagamento das verbas rescisórias.

 

O atraso ou o não pagamento de tais verbas são considerados pela jurisprudência mero descumprimento contratual por parte do empregador, o que já é corrigido pela condenação em ação trabalhista com a devida atualização monetária – que não é baixa –, e, dependendo do caso, com a incidência de multas previstas em lei. Sobre isso, vale exemplificar com o julgado do Tribunal Superior do Trabalho, abaixo:

 

RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ATRASO NO PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ATO ILÍCITO. O mero inadimplemento de verbas rescisórias não induz afronta aos direitos fundamentais da personalidade do empregado, previstos no art. 5º, X, da Constituição Federal. Para o acolhimento do pedido de pagamento de indenização por dano moral sofrido. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido, no aspecto. (TST, RR nº 911-32.2012.5.03.0018, 1ª Turma, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, DEJT 02.07.2018). (Grifado)


Entretanto, o que se vê em muitas ações trabalhistas são pedidos de dano moral por falta de pagamento de verbas trabalhistas em que não há direito a tal indenização.  Todo o pedido de dano moral há de ser realizado com critério, e, com especial atenção, quando se tratar de atraso ou não pagamento de valores decorrentes da relação laboral, pois o descumprimento contratual só gerará dano moral em casos muito específicos e, excetuando o reiterado atraso de salários - ou seja, o dano moral dependerá de prova das consequências geradas e do abalo moral alegado.

Com isso, é importante, para não se criar uma expectativa que não será confirmada, que tanto o empregador como o empregado tenham a total consciência da efetiva possibilidade, no caso específico da demanda da qual fizerem parte, de haver dano moral, pois pode haver situações que não se enquadram nos requisitos preestabelecidos ou comuns, mas que podem ou não gerar o dano moral indenizável.


Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br

  

Fonte da imagem: <Foto de Lewis Hine, 1920>



[1] CLT, Art. 223-G.  Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I - a natureza do bem jurídico tutelado; II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III - a possibilidade de superação física ou psicológica; IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII - o grau de dolo ou culpa; VIII - a ocorrência de retratação espontânea; IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa.

4 de abril de 2021

AÇÃO REVISIONAL DE FINANCIAMENTO VALE A PENA?


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Com a estabilização da economia iniciada no Governo Itamar Franco, decorrente da criação do Real, em 1º.07.1994, e de toda a sua política econômica, o brasileiro passou a ter uma possibilidade de planejamento orçamentário e um maior poder de compra. Com isso,  camadas da população que antes não tinham acesso a determinados bens e serviços, passaram a consumir, também facilitada pela possibilidade da contratação de empréstimos bancários.  

Ocorre que tudo isso tem um preço e, por vezes, muito alto. E não é força de expressão. É do conhecimento de todos que o Brasil tem uma das maiores taxas de juros do Planeta, o que tornam os financiamentos demasiadamente onerosos e, muitas vezes impossíveis de serem pagos. 

Em razão disso, é frequente os consumidor chegar ao escritório de advocacia, com o contrato de financiamento – que não leu em sua totalidade –, com um carnê que não consegue mais pagar, com o nome nos cadastros de restrição de crédito (SPC e Serasa), sendo réu de uma ação de execução ou de busca e apreensão por causa desses contratos e, pretendendo resolver a sua situação financeira por meio da ação de revisional do contrato de financiamento. 

Todavia, a ação revisional, com fundamento nos altos juros cobrados, não pode ser encarada como a solução dos problemas advindos da inadimplência contratual, pois juros altos não significam juros abusivos. Explico: as taxas de juros das instituições bancárias, conforme consta no site do Banco Central do Brasil[1] demonstram uma média de mercado bastante alta. Assim, se num determinado contrato é aplicada essa média de juros praticada pelo mercado, mesmo que alta, não há abusividade de juros. Para ilustrar tal entendimento, vale destacar um julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

 

AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. CÉDULA DE CRÉDITO. IMPROCEDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE ABUSIVIDADE DA TAXA DE JUROS DO NEGÓCIO. DESCABIMENTO. Não tendo sido apresentada aos autos qualquer documentação que demonstre qual é o percentual estipulado pelo Banco Central, órgão econômico responsável pela divulgação dos respectivos índices, em negócios como o entabulado pelas partes e no período de vigência do respectivo contrato, resta descabido a alegação de juros praticados pela instituição financeira ré acima da média de mercado. Outrossim, não se aplica ao caso a limitação das taxas de juros prevista no Decreto nº 22.623/33 e na Lei nº 1.521/51 – Partes que tinham liberdade para contratarem a taxa de juros que melhor espelhava a relação de crédito. Recurso desprovido nessa parte. REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. FINANCIAMEMTNO DE VEÍCULO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA CONTRA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. DESCABIMENTO. A capitalização de juros, na hipótese, é permitida pela Lei nº 10.931/2004. E não há que se falar na inconstitucionalidade da MP 2.170-36/2001, que continua em vigor por força do art. 2º da EC nº 32, de 11/9/2001. Recurso desprovido nessa parte.” (TJSP, AC nº 1022060-53.2014.8.26.0100, 11ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Walter Fonseca, julgado em 10.08.2017). (Grifado)

 

Mas, então não há como revisar um contrato de financiamento? Claro que há possibilidade de revisão! No contrato de financiamento – que sempre é de adesão, isto é, com cláusulas pré-definidas pela instituição financeira – pode conter cláusulas que determinem taxa de juros muito acima do mercado, tarifas e/ou custos indevidos ou cumulativos e que podem tornar tais cláusulas anuláveis mediante a ação de revisão contratual. 

Entretanto, para que a ação revisional de financiamento possa ser ajuizada e tenha realmente um sentido prático para o consumidor, é fundamental que o advogado analise o contrato para verificar se:

 

a) há alguma ilegalidade neste;

b) qual o provável retorno financeiro que o ajuizamento de tal ação trará em caso de êxito, devendo entrar no cálculo as despesas que o consumidor terá com o processo (custas processuais e honorários advocatícios).


Portanto, tendo em vista que as ações revisionais não são (e não podem ser) a “tábua de salvação” para resolver o endividamento de famílias, já que o êxito não é garantido ou o retorno financeiro pode ser baixo e praticamente não fazer diferença em razão do montante da dívida contratada, é fundamental que o consumidor avalie com extremo cuidado antes de contratar um empréstimo e veja se o compromisso assumido caberá, com boa margem de segurança para que possa incluir qualquer outra despesa até então não prevista, dentro de seu orçamento, pois uma vez inadimplente, as consequências são absolutamente sérias e duradouras. Na dúvida, se não for urgente, não tome o empréstimo.

 

 Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] https://www.bcb.gov.br/estatisticas/txjuros