Alexandre Luso de Carvalho
I – INTRODUÇÃO
Tendo a escravidão no Brasil durado 338 anos, mesmo após a sua abolição – que ocorreu há 133 anos, que para fins históricos é pouco tempo – a nossa sociedade apresentou resquícios do comportamento escravagista, só que a partir de então, entre os patrões e os empregados assalariados, por meio da imposição de um comportamento servil às classes trabalhadoras com menor grau de escolaridade ou menor capacidade de organização. E isso durou décadas.
Tal característica comportamental ficava mais ostensiva ainda nos serviços domésticos. E isso, não se restringia aos negros ou mestiços: os empregados brancos que laboravam em fazendas, os que deixavam a zona rural ou pequenas cidades do interior e migravam para as cidades maiores tinham quase o mesmo tipo de relação, principalmente quando residiam nas casas dos patrões, uma vez que suas jornadas de trabalho iniciavam no momento em que acordavam e só terminavam quando os patrões iam dormir.
Outro fato que se via com muita frequência era a alegação de que a empregada doméstica era tratada “quase como um membro da família”. Todavia, sabemos que isso não é bem verdade, haja vista as notícias de resgastes feitos pelo Ministério Público do Trabalho (ainda hoje) aos empregados domésticos em situação análoga à escravidão[1].
Ou
seja, a situação dos empregados domésticos no Brasil era absolutamente
desfavorável, no que diz respeito à proteção legal aos seus direitos, conforme frisou a Organização Internacional
do Trabalho (OIT):
“No Brasil, o trabalho
doméstico passou por um período longo de invisibilidade e não abordagem por
parte das políticas públicas. Ainda hoje é possível identificar a condição de
vulnerabilidade desta categoria profissional – que se evidencia nos baixos níveis
de rendimento, na alta informalidade, na dificuldade de acesso à educação e à
formação profissional, na persistência do trabalho infantil e adolescente e na exposição
à violência e acidentes de trabalho”[2].
II – A EVOLUÇÃO DAS LEIS DIRECIONADAS À
CLASSE
Apesar da fragilidade de organização dos empregados domésticos e um predominante comportamento de subserviência desses trabalhadores, ainda no início do século XX vê-se o primeiro diploma legal a tratar especificamente do assunto: foi o Decreto nº 16.107/1923[3]. Após, de modo destacado, foi promulgada a Lei nº 5.859/1972 (que dispunha sobre a profissão de empregado doméstico). Entretanto, ainda assim, os empregados domésticos continuaram sendo altamente desfavorecidos em relação às outras classes profissionais.
Somente
a partir do início do século XXI é que se buscou, de fato, tornar mais igualitário
os direitos dos empregados domésticos com as demais classes, com a instituição
dos seguintes dispositivos legais:
a) Decreto nº 3.361/2000: que facultava o recolhimento do FGTS pelo
empregador. Ou seja, dependia da boa vontade do patrão; era como um favor, uma
caridade ao empregado. Na minha opinião era um “meio direito”;
b) Emenda Constitucional nº 72/2013: esse
foi um salto que a classe dos empregados domésticos jamais imaginou, isto é, a
inclusão da proteção aos seus direitos, como trabalhadores, na Constituição Federal (no parágrafo único do artigo 7º);
c) Lei Complementar nº 150/2015: que
dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico e altera uma série de leis sobre
o tema. Esta lei, que trouxe diversas inovações - dentre elas a obrigatoriedade do recolhimento do FGTS - e revogou a Lei nº 5.859/1972;
d) Lei nº 13.467/2017 (Reforma
Trabalhista): alterou vários dispositivos contidos na CLT, incluindo
maiores direitos aos trabalhadores domésticos.
A partir disso, os empregados domésticos passaram a ter os mesmos direitos que muitos trabalhadores de outros setores do mercado.
Importante,
no entanto, destacar que essa evolução nas leis não “caiu no colo” dos empregados domésticos, mas foi consequência de sua conscientização e da maior busca de direitos perante o Poder Judiciário. Foi uma evolução social.
III – A NECESSIDADE DE FORMALIZAÇÃO DA
RELAÇÃO TRABALHISTA
Em
razão dessa evolução legal que estabeleceu mais direitos aos trabalhadores
domésticos (diaristas, faxineiras, jardineiros, motoristas particulares, babás
e cuidadores de idosos e enfermeiros particulares) tornou-se imprescindível a formalização da relação de trabalho e o
controle das rotinas entre empregador e empregado. O roteiro básico é o
seguinte:
a) a ELABORAÇÃO DE CONTRATO
DE TRABALHO: com todo o
detalhamento da prestação de serviços, de acordo com as necessidades do
empregador e com o que estabelecem as leis;
b) a ANOTAÇÃO NA CARTEIRA DE
TRABALHO: constando todas as alterações salariais e contratuais;
c) o CONTROLE DA ROTINA:
consiste no cumprimento eficaz do que está no contrato de trabalho e
principalmente na lei;
d) a DOCUMENTAÇÃO DA ROTINA
E DOS PAGAMENTOS: documentar toda a rotina da prestação
de serviço e pagamentos feitos é parte imprescindível da relação entre empregador
e empregado.
Adotando
tais práticas, não se impedirá de, porventura, o empregado doméstico buscar a Justiça do Trabalho, pleiteando valores, mas certamente diminuir-se-á
os prejuízos de uma ação trabalhista. E isso inclui, saliente-se, os pleitos no qual sabidamente o empregado não tenha direito e, portanto, possibilidade real de êxito. Ou seja, diminui a prática da "aventura jurídica".
IV - CONCLUSÃO
Pelo o que foi exposto, é necessário que o empregador conscientize-se que ele está contratando um trabalhador com os mesmos direitos que os demais e, portanto, a não observância às leis e a informalidade nas rotinas é um comportamento que não encontra mais espaço nas relações trabalhistas e que terá como fim a grande possibilidade de condenações judiciais.
Assim,
é importante, sempre ter-se em mente que apesar de muito pessoal, a relação
entre empregador e empregado doméstico é sobretudo, uma relação profissional.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Portal do Ministério Público do Trabalho:
https://mpt.mp.br/pgt/noticias/empregada-domestica-e-resgatada-de-trabalho-analogo-a-escravidao-em-sao-jose-dos-campos
[2]
ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho domésticono Brasil: rumo ao reconhecimento
institucional. Escritório do Brasil,Brasília, 2010.
[3] Decreto 16.107/1923. Approva o regulamento de locação dos serviços domésticos
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