Alexandre Luso de Carvalho
Um
dos assuntos que tem se destacado na mídia nos últimos meses é a chamada PEC
dos Precatórios e o que ela envolve e reflete na vida da população.
Primeiramente,
vale destacar o que é “PEC” e o que é “Precatório”. Vejamos:
a)
“PEC”
é Proposta de Emenda à Constituição, ou seja, de alteração no texto
constitucional e funciona, basicamente, da seguinte maneira:
a.1. Quem pode apresentar a proposta: o Presidente da
República; 1/3 dos deputados federais ou dos senadores; por mais da metade das
assembleias legislativas, desde que se manifeste pela maioria relativa de seus
integrantes;
a.2. O que não pode ser matéria das PEC’s: a
supressão (extinção) das cláusulas pétreas da Constituição, quais sejam: a
forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a
separação dos poderes e os direitos e garantias individuais;
a.3. Como ocorre a aprovação de uma PEC: a
proposta é discutida e votada em dois turnos, em cada Casa do Congresso (Câmara
dos Deputados e Senado) e será aprovada se alcançar 3/5 dos votos dos deputados
(308 votos) e dos senadores (49 votos).
b) Precatório: o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) conceitua e explica, em seu site:
“Precatórios são requisições de pagamento
expedidas pelo Judiciário para cobrar de municípios, estados ou da União, assim
como de autarquias e fundações, valores devidos após condenação judicial
definitiva.
Os precatórios podem ter natureza alimentar – quando decorrerem de ações
judiciais relacionadas a salários, pensões, aposentadorias ou indenizações – ou
não alimentar, quando tratam de outros temas, como desapropriações e tributos.
Ao receberem os depósitos das entidades devedoras, os Tribunais
responsáveis pelos pagamentos organizam listas, observando as prioridades
previstas na Constituição Federal (débitos de natureza alimentar cujos
titulares tenham 60 anos de idade, sejam portadores de natureza grave ou
pessoas com deficiência) e a ordem cronológica de apresentação dos precatórios.” (Grifado)
A
partir dessas explicações, a próxima pergunta é: em que consiste a PEC dos Precatórios e quais as alterações que esta
promove? Vejamos, de forma resumida:
a)
a PEC dos Precatórios (PEC 23/2021),
foi apresentada pelo Presidente da República, após a tramitação no Senado, e
aprovação no último dia 02.12.2021, recebeu a seguinte ementa final:
“Altera
os arts. 100, 160 e 167 da Constituição Federal e o Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias para estabelecer o novo regime de pagamentos de
precatórios, modificar normas relativas ao Novo Regime Fiscal e autorizar o parcelamento
de débitos previdenciários dos Municípios; e dá outras providências.”
b) alguns
pontos principais aprovados pelo Senado, após discussão e alterações no texto
original:
b.1.
altera
o teto para o pagamento das dívidas de precatórios passando dos atuais 89,1
bilhões de reais para 44,5 bilhões de reais (diminuição de 44,6 bilhões de
reais a serem pagos aos credores). Essa regra vai de 2022 a 2026;
b.2. os 44,6 bilhões de
reais custeará o programa social Auxílio Brasil, que substitui o Bolsa Família;
b.4. altera o índice de
correção nas condenações impostas à Fazenda Pública, passa do IPCA + 6% ao ano
para a Selic, o que reduz os gastos quando a Selic for menor que o IPCA;
b.5. altera a regra fiscal
constitucional que limita a despesa pública ao orçamento do ano anterior
corrigido pela inflação a partir do período dessa correção. Atualmente o
cálculo é julho de um ano até junho do ano seguinte; e com a mudança, passará a
ser feita a correção pela inflação de janeiro a dezembro. Com isso, sobrará
mais 47 bilhões de reais;
Essas
mudanças acarretarão à União uma folga fiscal de 91,6 bilhões de reais para
custear o programa Auxílio Brasil, a saúde, Previdência e assistência social,
tendo sido vedado o uso dessa verba para o reajuste dos servidores públicos
federais e auxílio aos caminhoneiros, como aventado pelo Presidente Jair
Bolsonaro;
Há
de se destacar, também, que foi criado um subteto de 44 bilhões de reais para
pagamentos de precatórios considerados prioritários em 2022, que são:
a) requisições
de Pequeno Valor (RPV), cujo valor é limitado até 60 salários mínimos;
b) precatórios
de natureza alimentar para pessoas com mais de 60 anos e pessoas com
deficiências;
c) precatórios de natureza alimentar (pensão e aposentadoria pelo INSS).
Ainda,
há de mencionar alguns outros pontos alterados pelo Senado:
a) “Artigos 6º e 203, que tratam,
respectivamente, dos direitos sociais e da assistência social, passaram a ser
modificados na versão da PEC aprovada pelos senadores. No artigo 6º foi
incluído um parágrafo único garantindo a ‘todo
brasileiro em situação de vulnerabilidade social’ o direito a ‘uma renda básica familiar, garantida pelo
poder público em programa permanente de transferência de renda’. No artigo
203 foi incluída entre os objetivos da assistência social ‘a redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de
pobreza ou extrema pobreza’”;
b) “Artigo 100, que trata dos
precatórios devidos por União, estados, Distrito Federal e municípios. Esses
dispositivos permitem diversos tipos de negociação para a redução do montante
de precatórios. O credor de precatórios passa a poder, por exemplo, usá-los
para abater dívidas com a União, comprar imóveis públicos, pagar outorga de
serviços públicos ou adquirir participação societária em empresas públicas. O
Senado introduziu nesse artigo um parágrafo obrigando União e entes federativos
a incluir no Orçamento a verba necessária ao pagamento dos precatórios
apresentados até 2 de abril do exercício anterior, a fim de aumentar no futuro
a previsibilidade dos gastos públicos”;
c) “Artigo 160, que trata dos repasses da União a
estados, Distrito Federal e municípios. Foi inserido na Câmara, e mantido no
Senado, um parágrafo permitindo ao governo negociar com estados, Distrito Federal
e municípios uma espécie de ‘encontro de contas’, abatendo dos fundos de
participação eventuais débitos desses entes federativos com a União”;
d) quanto
aos artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (artigos 101,
107, 115 a 118), vale destacar o constante no site do Senado:
“É introduzido um
novo artigo no ADCT, o 107A. É ele que estabelece os critérios para definir o
sub-teto dos precatórios. O dispositivo também explicita que o ‘espaço fiscal’
criado será destinado ao Auxílio Brasil e à ‘seguridade social’, definida na
Constituição (artigo 194) como ‘saúde, Previdência e assistência social’.
Outro artigo
introduzido pelos senadores determina que o espaço fiscal criado em 2022 será
destinado à ‘ampliação de programas sociais de combate à pobreza e à extrema
pobreza’ e à ‘saúde, Previdência e assistência social". O objetivo era
evitar que uma sobra no espaço fiscal fosse usada para outros fins, com
objetivo de ganhar votos em ano eleitoral’.”
Saliente-se que a tramitação, como não poderia deixar de ocorrer, foi caracterizada por grande negociação e modificações no texto original do Presidente da República para que a PEC dos Precatórios seja, também, aprovada na Câmara dos Deputados e, assim, passe a dar esse “respiro” ao Governo Federal, pois, no entendimento do Ministro da Economia Paulo Guedes os precatórios são “um ‘meteoro’ vindo de ‘outros Poderes’”, referindo-se ao Poder Judiciário, uma vez que tais valores devidos são decorrentes de decisões judiciais.
Para
concluir, vemos que esse tempo a mais que os credores dos precatórios levarão
para receber as quantias que lhes são devidas, após as longas tramitações processuais, é
mais um dos tantos prejuízos que o Estado, há anos, impõe ao cidadão, e sem o
menor constrangimento, conforme vê-se na declaração do Ministro da
Economia, que chegou a dizer “devo, não
nego e pagarei assim que puder”. Todavia,
esse adiamento, segundo o Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado, acarretará
após 2026 um montante acumulado que pode chegar a 850 bilhões de reais, o que
pode tornar impossível o pagamento. Ou seja, podemos estar diante de um futuro
calote, que na prática será definitivo aos credores de precatórios, dado ao seu
exorbitante valor.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
alexandre_luso@yahoo.com.br