I
– INTRODUÇÃO
Esse artigo foi publicado em seu texto original no Jornal Semanário[1], de Bento Gonçalves/RS, em 25.01.2020 e postado em minha página do Facebook (Advogado Alexandre Luso de Carvalho[2]) em 06.02.2020, antes da criação deste Blog e antes, principalmente, da pandemia de Coronavírus oficialmente atingir o Brasil e causar as gigantescas repercussões sanitárias, sociais e econômicas, que aumentou o desemprego e acarretou o fechamento de empresas.
Por
isso, entendo ser relevante a republicação do artigo, já que nos deparamos com
um empobrecimento da população e, com isso, a necessidade de o Estado estar
mais presente na promoção da saúde da população, não só no que diz respeito à
Covid-19, em sua política de vacinação e tratamento, mas na assistência às
demais patologias que continuam a acometer a população.
II – DA OBRIGAÇÃO DO ESTADO EM PROMOVER
O ACESSO À SAÚDE E QUANDO ESTE NÃO A CUMPRE
Muitas pessoas ficam sem saber como agir quando necessitam de tratamento médico ou de medicamentos, mas não conseguem nenhum deles pelo SUS (Sistema Único de Saúde), nem pela Farmácia do Estado, nem por qualquer outro órgão de saúde pública.
Quando o Poder Público se recusa a oferecer o tratamento ou não dá prazo para que ele seja realizado, resta ao cidadão buscar o Judiciário, afinal a Constituição Federal em seu artigo 6º[3] e, principalmente, em seu artigo 196[4], determina que o Estado promova o amplo acesso à saúde (“A saúde é direito de todos e dever do Estado [...]”).
Essa determinação constitucional é mais importante que qualquer outro ato do Poder Público e norteia as outras leis a serem aplicadas a cada caso, como, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e as constituições estaduais.
Todavia,
sabemos que essa obrigação de promover a saúde pública, por mais que o modelo
do SUS teoricamente seja exemplo para muitos países, na prática o Sistema
Único de Saúde não funciona como deveria por uma série de fatores. Com isso, os
tratamentos de saúde (clínicos, hospitalares e medicamentosos) não são
dispensados pelo Poder Público no tempo e/ou no modo como são prescritos pelos
médicos.
III – COMO BUSCAR O PODER JUDICIÁRIO
Geralmente, as pessoas pensam que tratamento ou medicamentos gratuitos só se destinam a pessoas de baixa renda. Não é bem assim. Para a obtenção desse direito, é levada em conta a relação entre o custo do tratamento, a condição financeira do paciente e a gravidade da patologia. Por exemplo, se o paciente, sem plano de saúde, tem uma renda mensal de R$4.000,00 e seu tratamento custa R$25.000,00 mensais para continuar vivo ou para ter um controle eficaz de uma doença crônica grave, há real possibilidade de sucesso no pedido judicial. Isso dependerá caso a caso e das provas apresentadas: exames, laudos, receituários médicos atualizados, indicação expressa do tratamento e prova da impossibilidade de arcar com o tratamento. O que é destinado às pessoas de baixa renda, somente, é o atendimento da Defensoria Pública do Estado. Daí a confusão.
Outro
aspecto importante é que, de forma geral, esses tipos de casos apresentam uma
característica em comum: a urgência.
Com isso, ao ajuizar a ação, é requerido ao juiz, com base no artigo 300 do
Código de Processo Civil[5], que liminarmente
– antes de decisão final –, determine que o Estado (Município, Estado e/ou
União) forneça o tratamento ou medicamento, para que o paciente não aguarde até
o final do processo, já que essa espera tornaria a ação sem efeito prático, como
verificamos, por exemplo, em decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO.
PREVIDÊNCIA PÚBLICA. IPE-SAÚDE. PACIENTE PORTADOR DE AUTISMO. REQUISITOS PARA
CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA PREENCHIDOS, CASO CONCRETO. O art. 300 do novo CPC
(correspondente ao antigo verbete do art. 273 do CPC de 1973) dispõe que a
tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do
processo. Atestados médicos que afirmam a necessidade do tratamento postulado. Agravo
provido. Unânime.” (Agravo de Instrumento nº 70074407909, 22ª Câmara Cível Rel.
Des. Francisco José Moesch, Julgado em 26/10/2017)
No
entanto, como foi dito, para que esse pedido de liminar tenha sucesso, é
essencial que o paciente providencie, de antemão, os documentos, provando a
urgência do tratamento e a necessidade que o Poder Público disponibilize o
tratamento em razão de suas condições financeiras ou do valor do tratamento.
IV – DA APLICAÇÃO DESSA REGRA PARA TRATAMENTOS
CONTRA A COVID-19
Em relação às internações hospitalares para tratamento contra a Covid-19, tanto é possível a busca do Poder Judiciário para tal finalidade que há ações ajuizadas nesse sentido, com o mesmo fundamento legal (artigo 196 da Constituição Federal) e jurisprudencial.
Todavia,
é importante registrar que apesar da possibilidade legal há alguns fatores que
podem tornar ações dessa natureza sem um real sentido prático. Quais sejam:
a)
a existência de uma sistemática de atendimento
já implementada;
b) o
sistema de saúde (público e particular) já estar superlotado, que em vários
episódios já colapsou. Ou seja, o Judiciário pode até determinar a internação,
mas se o sistema está esgotado, ter-se-ia que criar vagas imediatas em quartos,
enfermarias e UTI’s, bem como a contratação de profissionais para o
atendimento. E isso, não se mostra plausível, principalmente no Brasil, que
além de poucos recursos, ainda enfrenta a batalha entre o Governo Federal de um
lado e Estados e Municípios de outro, o que só agrava a situação;
c)
há decisões em que se verifica o
indeferimento do pedido de liminar sob o argumento de que isso significaria
passar um paciente na frente de outro no mesmo grau de risco, o que é injusto, conforme
pode ser visto no processo nº 1012926-67.2020.4.01.3900, que tramitou na 1ª
Vara Federal Cível da Seção Judiciário do Pará.
Importante
destacar que não se está, aqui, desestimulando de se ajuizar ações
para que a população busque o Poder Judiciário para que o Estado proporcione o
atendimento para tratamento de Covid-19. Entretanto, o que se está dizendo é
que nesses casos há de ser ter uma situação absolutamente fora do normal dentro
daquilo que as políticas públicas já implementaram quanto ao tratamento
hospitalar e vacinação.
V – CONCLUSÃO
Por
fim, apesar da desconfiança que a população tem do Poder Judiciário quanto à
sua lentidão, em casos de necessidade tratamento médico, inclusive durante a
pandemia, quando os pedidos são bem documentados e fundamentados, as decisões
costumam ser rápidas, devendo, no entanto, haver uma atenção extrema do
advogado até o cumprimento da decisão judicial.
OAB/RS
nº 44.808
[1] https://jornalsemanario.com.br/como-proceder-quando-o-estado-se-recusa-a-fornecer-medicamentos-e-tratamento-medico-ao-cidadao/
[2] https://www.facebook.com/Advogado-Alexandre-Luso-de-Carvalho-102474121332193
[3] Constituição Federal, art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
[4] Constituição Federal, art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
[5] Código de Processo Civil, art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Sempre grata pelos seus artigos! Gosto muito.
ResponderExcluirBom dia, Leni.
ResponderExcluirQue bom que estás gostando dos artigos! Fico muito feliz!
Grande abraço e uma ótima semana!