Alexandre Luso de Carvalho
I – INTRODUÇÃO
Não
é novidade que a relação entre os animais de estimação e os humanos cada vez mais se
estreita, tanto que até a nomenclatura dos então proprietários ou “donos”
passou para tutores. Particularmente, entendo isso como um aspecto benéfico da
evolução dos tempos e dessa bela relação.
Todavia, o estreitamento dessa relação em muitos casos torna-se, sob alguns aspectos, exagerado e perigosamente “humanizado” ao ponto de o tutor não estabelecer os devidos cuidados e limites para com os animais. Ocorre que devido às consequências jurídicas existentes em quase tudo o que fazemos, pode a relação humano/animal vir causar consequências judiciais quando essa repercutir em qualquer coletividade.
Assim,
quando se adota ou adquire um animal, é necessário que se saiba quais os
deveres que se tem para com este e quais os deveres que se tem para com a
sociedade em relação ao animal que está sob a responsabilidade do ser humano
(tutores ou profissionais que trabalham com estes) ou de entidades de proteção.
II – PROTEÇÃO AO BEM-ESTAR DOS ANIMAIS
É
um dever legal inicial do Estado, disposto na Constituição Federal (artigo 225[1]), que
tem a obrigação de estabelecer políticas públicas de proteção à fauna e a flora.
Com
isso, devido à evolução da relação humano/animal e da conscientização da
necessidade de proteção aos animais contra os maus tratos – sentimento esse que
surgiu da própria população – o Estado, cumprindo sua atribuição estabelecida
pela Constituição Federal, legislou sobre o tema, com a imposição de penalidades por tais crimes, conforme se verifica na
Lei nº 9.605/1998, em seu artigo 32, que assim estabelece:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou
mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda[2].
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Cumpre
destacar que os maus tratos podem ser enquadrados quando o tutor/responsável e
também terceiros, independentemente de suas condições socioenômicas, fere,
abandona o animal ou o submete a qualquer atividade que lhe cause sofrimento, bem
como, dentro de suas possibilidades socioeconômicas, deliberadamente deixa o
animal adoecer e/ou não trata de suas doenças, o deixa passar fome, frio e o
expõe a condições e/ou situações que podem comprometer ou comprometem à sua
integridade físico ou à sua vida.
III – CUIDADOS COM OS ANIMAIS EM RELAÇÃO A
TERCEIROS
Nesse
caso, observar as regras públicas e privadas de convívio entre animais e
humanos é algo essencial, pois caso contrário, as consequências atingirão a
terceiros, o que gerará consequências jurídicas e, não raro, judiciais, conforme já mencionado. Vejamos
alguns exemplos clássicos e até frequentes:
a) em passeio por via
pública (ruas, parques e praças) ou em locais privados, mas com trânsito de
pessoas (áreas comuns de condomínios, shoppings, etc.) quando acompanhado de
seu tutor e/ou responsável, independentemente do porte e temperamento do cão e este
não é conduzido com a devida guia – e quando for o caso, também, com a
focinheira – e causa lesão a terceiros, quer por ataque (mordida), quer por acidente,
como, por exemplo, correndo, mesmo que brincando, derrubar um idoso, causando-lhe uma fratura;
b) o cão que está
passeando com o tutor sem guia e ataca outro cão, ferindo ou matando o outro animal que
pode estar na guia ou fora dela, também; ou, ainda, o cão que está sem guia ataca
outro cão é ferido ou morto por este;
c) cães de guarda que por
uma falha de segurança na casa (muro baixo ou portão com defeito) consegue
escapar e morde quem passa na rua, causando lesão ou até a morte do transeunte.
Nesses
casos, o tutor e/ou responsável poderá ser responsabilizado nas esferas:
a) criminal, que
dependerá do fato e de seus desdobramentos. Exemplo: lesão corporal culposa
(Código Penal, artigo 129[3]),
podendo ser agravada em razão do grau da lesão ou de suas consequências;
homicídio culposo (Código Penal, artigo 121[4]) e até o
próprio ilícito de maus tratos aos animais (Lei nº 9.605/1998, artigo 32). Vale
destacar, o julgado que ilustra o entendimento, já antigo e
pacificado sobre tal responsabilização criminal:
"LESÃO CORPORAL CULPOSA. TRANSEUNTE MORDIDO POR CÃO EM VIA
PÚBLICA. NEGLIGÊNCIA DO DONO, NÃO O
MANTENDO PRESO NAS LINDES DE SUA PROPRIEDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA." (TJSC, ACR nº 410681 SC
1988.041068-1, 2ª Câmara Criminal, Rel. Desª Thereza Tang, julgado em
14.12.1990). (Grifado)
b) civil, na
qual poderá ser condenado a indenizar a vítima, com fundamentação nos artigos
186, 927 e 936 do Código Civil[5], de
acordo com o que determinam os Tribunais do País:
“APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL.
REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. ATAQUE DE CACHORRO. FATO DO
ANIMAL. ARTIGO 936 DO CÓDIGO CIVIL. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. DANOS MORAIS
CARACTERIZADOS POR VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE FÍSICA DA AUTORA. DEVER DE INDENIZAR,
COM A MANUTENÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. DANO ESTÉTICO CARACTERIZADO. QUANTUM
QUE COMPORTA MAJORAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA NO PONTO. A responsabilidade
decorrente do fato do animal é objetiva e está consubstanciada no art. 936, do
Código Civil, apenas podendo ser elidida se comprova a culpa da vítima ou força
maior. De acordo com o que dispõe o art. 373 do Novo Código de Processo
Civil, incumbe à parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do
seu direito (inciso I) e, à parte ré, o ônus da prova quanto à existência de
fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora (inciso
II). Hipótese em que as alegações da inicial, no sentido de que o
cachorro que teria mordido a autora seria de
propriedade dos réus, restaram suficientemente comprovadas. É devida a
indenização por danos morais, por violação à integridade física da autora, no
interior de sua residência (pátio). Quantum indenizatório mantido (R$
7.000,00), afigurando-se justo e razoável, considerando as características compensatória,
pedagógica e punitiva da indenização. Danos estéticos que merecem majoração
para o valor de R$ 10.000,00, em face da cicatriz deixada em razão da
mordida do animal no rosto da criança. Honorários advocatícios
sucumbenciais fixados na origem mantidos no patamar de 15% sobre o valor da
condenação. RECURSO
DOS RÉUS DESPROVIDO E RECURSO ADESIVO DA AUTORA PARCIAL PROVIDO.” (TJRS, AC nº 70078468634, 9ª
Câmara Cível, Rel. Des. Eduardo Kraemer, Julgado em 24.10.2018)
Cumpre
destacar, especificamente no caso do cão, o fato deste ser adestrado ou de seu
tutor/responsável dizer ter controle sobre o animal, não é argumento válido para
a sua defesa, tendo em vista que por vezes qualquer cachorro
pode apresentar um comportamento que fuja desse controle – afinal, é um animal
– e é em razão da existência dessa imprevisibilidade comportamental em algum
momento, é que seu condutor não pode negligenciar os cuidados de segurança ao
transitar em via pública ou em áreas privadas, mas de uso comum, como shoppings
e condomínios.
IV – CUIDADOS DOS ANIMAIS EM RELAÇÃO À SAÚDE PÚBLICA
A
responsabilidade legal dos tutores/responsáveis em relação à saúde pública, ou
seja, em relação à saúde de terceiros e da coletividade passa pelos seguintes cuidados e ações:
a) manutenção da higiene
do animal e do local em que este vive;
b) cuidados para com a vacinação e controle de zoonoses;
c) recolhimento dos dejetos desses em vias públicas ou em áreas privadas de uso comum, conforme normas estabelecidas pelos Estados, Municípios ou entes particulares.
Com
tais cuidados, os tutores/responsáveis, além de garantirem o bem-estar de seus
animais, colaborarão com o bem-estar e a saúde de terceiros, além de se
resguardarem das penalidades impostas pelas autoridades públicas, bem como pelas
penalidades impostas pelos entes privados, naquilo que lhes couberem, como, por
exemplo, multa estabelecida em convenção ou regulamento
interno de condomínio.
V – CONCLUSÃO
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Constituição Federal: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público: (...) VII - proteger a
fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco
sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
[2] Parágrafo incluído
pela Lei nº 14.064/2020
[3] Código Penal. Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de
outrem:
[4] Código Penal. Art. 121. Matar alguém:
[5] Código Civil. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
Gostei da foto, Alexandre. Atualmente, muitos têm animais, notadamente cães e gatos. E muitos, também, desconhecem seus deveres e responsabilidades. Muito oportuna sua abordagem. Abraço.
ResponderExcluirBoa noite, Marilene!
ResponderExcluirA foto é da Nina, a cachorrinha que adotamos em 2020. É um figura! Exatamente como disseste: "muitos, também, desconhece seus deveres e responsabilidades"; e essas vão além de alimentar, cuidar da saúde e gastar "fortunas" em lojas do ramo - não que não possam -, mas as responsabilidades se expandem para o convívio social.
Abraço!