Alexandre Luso de Carvalho
I – INTRODUÇÃO
Nos
últimos tempos, dois temas assumiram em nossas vidas, senão um protagonismo,
uma relevância indiscutível:
a) a polarização político-ideológica que divide o país de forma insana e com argumentos, muitas vezes, incoerentes, ilógicos e até ridículos da esquerda e da direita;
b) a pandemia de
Covid-19, que restringe a vida profissional e social de todos, e tem, em
diversos momentos a intervenção dos órgãos de Estado para o cumprimento das
determinações das autoridades sanitárias;
Em razão disso, mas não só disso, o que temos visto é um tensionamento crescente nas relações sociais que, também repercute no modo como a população vêm se relacionado com as autoridades. E, na minha opinião, vem se relacionando muito mal.
Esse mau (ou péssimo) relacionamento da população, quer seja por motivos exclusivamente político-ideológicos, quer por motivos devidos à pandemia gerou um aumento de casos, ou pelo menos um aumento de notícias de desacato, não importando de quais dos três Poderes pertençam e quais cargos os servidores ocupem. E, frise-se, o desacato parte tanto da esquerda, com acusações de as autoridades serem “fascistas”, como da direita, que acusa as autoridades de serem “inimigos da pátria”. Tudo isso, é claro, de acordo com os fatos e as conveniências pessoais de cada grupo.
Todavia,
esse desacato gera, obviamente, consequências jurídicas nas esferas criminal e
cível.
II – CONSEQUÊNCIAS NA ESFERA CRIMINAL
O
desacato ao funcionário público é ilícito previsto no artigo 331 do Código
Penal, que assim estabelece:
Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da
função ou em razão dela:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Importante, aqui, frisar um aspecto importante: o desacato ao funcionário público ocorre no exercício da função, isto é, durante o período de trabalho ou em razão da função, que não necessariamente ocorre durante o horário de trabalho, mas a ofensa é exclusivamente ou principalmente em razão do cargo.
Em
razão da pena ser de detenção de seis meses a dois anos, ou multa, o processo
tramita nos Juizados Especiais Criminais, nos quais são aplicadas a transação
penal e a suspensão condicional do processo, que se constituem no seguinte:
a)
TRANSAÇÃO PENAL: em
resumo, é um acordo entre o Ministério Público e o autor do fato (do crime)
para que esse se submeta a determinada medida, sem a admissão de culpa, para
evitar a instauração de processo penal, com risco de condenação, aplicação de
penas mais severas e perda da primariedade. É possível nos delitos de menor
potencial ofensivo, desde que não tenha ocorrido as hipóteses do parágrafo 2º,
do artigo 76 da Lei nº 9.099/95:
“I - ter sido o autor da
infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por
sentença definitiva;
II - ter sido o agente
beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena
restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os
antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos
e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.”
b) SUSPENSÃO
CONDICIONAL DO PROCESSO:
também aplicada para crimes de menor potencial ofensivo (com pena de até um
ano), ocorre quando o Ministério Público, ao oferecer a denúncia tem a
faculdade de propor a suspensão do processo por dois a quatro anos, desde que o
acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido processado por outro
crime.
II – CONSEQUÊNCIAS NA ESFERA CÍVEL
Quanto as consequências cíveis no desacato ao funcionário público, dependendo do teor das ofensas, ensejam punições que, geralmente, ocorrem por meio da imposição do pagamento de indenização por dano moral do ofensor ao ofendido, conforme estabelecem o Código Civil[1] (artigos 186 e 187 combinados com os artigos 927 e 944) e Constituição Federal[2] (artigo 5º, incisos V e X).
Sobre
o dano moral, para a sua caracterização, importante transcrever a lição do
grande jurista WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO[3]:
“(...)
existe delito civil, consistente na violação de um direito subjetivo privado e
que induz responsabilidade civil.
(...)
Por outras
palavras, o direito à indenização surge
sempre que o prejuízo resulte da atuação do agente, voluntária ou não. Quando
existe intenção deliberada de ofender, ou de causar prejuízo a outrem, há dolo,
isto é, o pleno conhecimento do mal e o direto propósito de o praticar. Se
não houve esse intento deliberado, proposital, mas o prejuízo veio a surgir,
por imprudência ou negligência, existe culpa (stricto sensu)”. (Grifado)
Assim,
a partir desse e de outros entendimentos doutrinários, bem como da própria
legislação, os Tribunais do País têm condenado quem desacata os funcionários
públicos no exercício da função ou em razão desta, uma vez que as ofensas
proferidas são caracterizadas como dano moral.
III - CONCLUSÃO
Com isso, verifica-se que nada justifica o ato de ofender um funcionário público, apoiar e/ou replicar essas ofensas – o que ocorre muito em tempos de redes sociais –, nem mesmo nos casos de, porventura, esses extrapolarem os limites legais de suas atuações, lembrando que quando houver qualquer ilegalidade cometida por servidores públicos há meios legais (administrativos e judiciais) para punir tais funcionários.
Portanto, o desacato servidores públicos, além de indiscutível desrespeito
para com a Administração Pública que esses representam, é um ilícito que, sem
dúvida, é punido nas esferas penal e civil e que, além de grandes transtornos,
causam prejuízos financeiros aos ofensores.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Código Civil, art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
[2] Constituição Federal, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[3] Curso de Direito Civil – Parte Geral, 5ª edição, Editora Saraiva, 1967, São Paulo, p. 286/287.
Nada sabia sobre a legislação que protege o funcionário público, que frequentemente é vítima de impropérios relacionados com assuntos dos quais é totalmente isento de culpa, muitas vezes completamente alheios às funções que desempenha...
ResponderExcluirGostei de o ler, Alexandre.
Saúde, força e paz. Beijos.
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Boa noite, cara Majo Dutra!
ResponderExcluirQue bom que o artigo serviu para esclarecer aspectos sobre o desacato ao funcionário público. De fato, por vezes, é uma relação tumultuada e que acaba levando à situações que aparentemente seriam de simples soluções, mas que muita vezes fogem ao controle.
Grande abraço!
Estou gostando de seu artigo.
ResponderExcluirObrigado sempre.
Bom dia, Orleni Rodrigues.
ResponderExcluirFico contente que estejas gostando do artigo. Agradeço a atenção pela leitura.
Abraço!