26 de setembro de 2021

ALGUNS ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE AS FAKE NEWS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Há tempo a propagação de notícias falsas pela internet encontrou campo fértil em razão da ampliação das plataformas de redes sociais, da criação de outras e, principalmente, pelo maior acesso da população à tal meio de comunicação. Só para ter-se uma ideia, já em 2018, o Brasil era o 3º colocado no Mundo com maior exposição às fake news, conforme matéria da Forbes[1]. Tal realidade ganhou mais corpo com a polarização política e o advento da pandemia de Covid-19. 

Todavia, a internet já não é mais uma “terra de ninguém”. Isso é fato. A liberdade de uso e de expressão nas redes sociais e nos demais meios de comunicação é relativa, uma vez que esbarra em princípios legais já estabelecidos pela Constituição Federal, Código Civil e Código Penal e demais leis correlatas, bem como na própria lei específica (Lei nº12.965/2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil – é o “marco civil da internet).

 

II – OS ILÍCITOS NA PROPAGAÇÃO DE NOTÍCIAS FALSAS

 

A limitação ao direito de postagem não surgiu de mero entendimento dos tribunais ou da vontade dos legisladores, mas de uma necessidade acarretada pelo mau uso da internet e em especial das redes sociais, em razão do grande e perigoso aumento das propagações de fake news sobre quase todos os assuntos que fazem parte de nosso cotidiano, bem como sobre pessoas, sejam públicas (políticos, atletas, artistas, grandes empresários, etc.) ou não. 

 Ocorre que a produção, publicação e divulgação de fake news, seja via internet, seja qualquer outro meio de comunicação, constitui ilícito penal, que assim são tipificados no CÓDIGO PENAL:

 

Calúnia 

Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: 

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. 

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

 

Difamação 

Art. 139. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: 

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

 

Injúria 

Art. 140.  Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: 

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

 

Incitação ao crime

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime: 

Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

 

Denunciação caluniosa 

Art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente:  

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa. 

§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.

§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

 

Em relação, especificamente ao momento sanitário que vivemos (a pandemia de Covid-19), quem produzir e/ou espalhar notícias falsas incorrerá, também, no disposto na LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS, em seu artigo 41:

 

Art. 41. Provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto: 

Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

 

 Já em relação ao CÓDIGO ELEITORAL, as notícias falsas disseminadas pela internet constituem crime previsto no artigo 326-A, que assim dispõe:

 

Art. 326-A.  Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral: 

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. 

§ 1º  A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto. 

§ 2º  A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. 

§ 3º  Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído

 

No que diz respeito ao CÓDIGO CIVIL, dependendo do caso, há possibilidade de ações indenizatórias, em razão dos seguintes dispositivos:

 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

Frise-se que as condenações existentes pela publicação, postagem e divulgação de notícias falsas podem ser, dependendo do caso, cumulativas, agravando ainda mais a situação de quem cometer tais ilícitos.


III – MEDIDAS DE COMBATE ÀS FAKE NEWS

 

Em razão da profusão dessas falsas notícias, que tomaram uma proporção de agressão à democracia, ao Estado Democrático de Direito, à saúde pública, às instituições, às empresas e aos direitos individuais do cidadão é que o Poder Legislativo agiu no sentido de:

 

a)   instalar, em setembro de 2019, a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News por requerimento do Deputado Federal Alexandre Leite (DEM/SP), que contou com o apoio de 276 deputados federais e 48 senadores;

 

b) elaborar o Projeto de Lei nº 2.630/2020, de autoria do Senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE), que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet consta uma série de dispositivos que regulam as informações por meio da internet, combate as informações falsas e impõem sanções em tais casos;

 

c) no Projeto de Lei nº 2.108/2021, que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN) – com texto de origem no Projeto de Lei 2.462/1991, do promotor e ex-deputado federal Hélio Bicudo e que no Senado recebeu três emendas pelo Relator, Senador Rogério Carvalho (PT/SE) – e que foi sancionado (aprovado) pelo Presidente da República, sob o número de Lei 14.197/2021. Todavia, justamente os dispositivos que impediam as fake news durante o processo eleitoral e puniam quem as produzissem e divulgassem foram vetados por Jair Bolsonaro, o que é considerado um desserviço ao combate à disseminação de notícias falsas.

 

d) o veto e devolução pelo Presidente do Senado, da Medida Provisória nº 1.068/2021, que limitava a moderação e remoção de conteúdos publicados nas redes sociais, dentre eles os que contém “notícias” sabidamente falsas.

 

Cumpre destacar que além do Poder Legislativo, dentro de sua área de atuação, o combate às notícias falsas encontra, também, no Poder Judiciário outro importante aliado, conforme pode ser visto em várias decisões condenatórias, nas mais diversas atividades, como exemplificado abaixo:

 

ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA. INSERÇÕES. TV. UTILIZAÇÃO DE NOTÍCIA FALSA. FAKE NEWS. CARATERIZAÇÃO. PEDIDO LIMINAR. CONCEDIDO. 1. Divulgação de fatos sabidamente inverídicos, enseja suspensão de veiculação de vídeo combatido. 2, Existência de notícia comprovadamente falsa, que degrada o candidato representante. 3. Deferimento do pedido liminar. (TRE/PE, RP 060290094 Recife/PE, Rel. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho, julgadoem 04.10.2018).

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL. PONDERAÇÃO ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS DA PERSONALIDADE. NOTÍCIA FALSA. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA. 1. Incorre em ato ilícito a veiculação de notícia falsa e para a qual o jornal tinha o dever e também condições de checar a informação, haja vista que outro jornal já havia publicado cinco dias antes a informação verdadeira de inexistência de sabotagem no Cindacta IV. 2. No Estado Democrático de Direito, não se concebe o exercício absoluto e irrestrito da liberdade de imprensa. Embora máximo em nosso ordenamento, a liberdade é ponderada pelo critério de ser verdadeira, conforme parâmetros definidos no julgamento da Reclamação nº 18.638/CE do Supremo Tribunal Federal. Recurso conhecido e desprovido. (TJAM, AC nº 0213584-87.2008.8.04.0001, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Cláudio César Ramalheira Roessing, julgado em 12.12.2019).

 

Além de alguns setores do Poder Público estarem realizando medidas de combate às fake news, a imprensa, órgãos de classe, associações e outros setores da sociedade também têm lutado sistematicamente contra as notícias falsas, por meio de campanhas educativas - para a população verificar se o que chega às suas redes sociais é falso ou verdadeiro antes de sua retransmissão -, o que se mostra uma reação salutar diante de quem comete esses atos ilegais.

 

IV – CONCLUSÃO

 

Assim, se população deseja que evoluamos como sociedade, a informação veiculada de maneira séria faz parte desse processo e não as fake news. Não são as notícias falsas que colocarão o Brasil “no rumo certo”. O que ajudará o País a evoluir é a verdade. 

Portanto, numa era em que, como em outro artigo já disse, os dedos são mais rápidos que o cérebro e, por causa disso, as postagens são inconsequentes, devemos parar e analisar se aquela notícia pode ser falsa ou não e verificarmos a sua fonte. Ajudar a endireitar o Brasil não pode passar pelo cometimento de ilícitos.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] https://forbes.com.br/listas/2018/06/12-paises-com-maior-exposicao-a-fake-news/#foto3


19 de setembro de 2021

AS OFENSAS RACIAIS NO AMBIENTE DE TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I - INTRODUÇÃO

 

O Brasil é um país racista. Isso é fato. Dizer o contrário é ir contra todas as notícias veiculadas na mídia, bem como na própria quantidade de julgamentos sobre tal questão em todos os ambientes da sociedade. 

E como não poderia deixar ocorrer, esse racismo infelizmente faz parte da rotina dos ambientes de trabalho, não só na rejeição à contratação de pessoas negras, principalmente, mas também na contratação para cargos inferiores, no pagamentos de salários mais baixos que dos brancos para o mesmo cargo, na maior dificuldade nas promoções e, ainda, quanto ao tratamento diário dirigido à essas pessoas por colegas de trabalho e/ou superiores hierárquicos.

 

II - DOS ILÍCITOS COMETIDOS

 

Muitas vezes o tratamento racista do qual são alvos os negros e negras, em sua esmagadora maioria, mas também indígenas, orientais e etnias que tradicionalmente são objeto de discriminação, ocorre cotidianamente por meio de piadas, trotes, supostas brincadeiras, injúrias raciais e racismo, cujos conceitos, resumidamente, são os seguintes[1]:

 

a)   crime de injúria racial: “(...) consiste em ofender a honra de alguém, valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem (...)”;

 

b)  crime de racismo: “(...) implica numa conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos.” Um exemplo de crime de racismo é impedir o acesso a estabelecimento comercial em razão da raça ou etnia.


Tal comportamento é condenável pelo Poder Judiciário não só pelo fato de ser absolutamente reprovável sob o ponto de vista moral, mas por ferir os seguintes dispositivos legais:

 

a)  Constituição Federal:

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
(...)

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

(...)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
 

b) Código Penal:

 
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
(...)
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa.

 

c)   Lei nº 7.716/1989 (define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor):

 
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
(...)
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

 

d) Código Civil:
 
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
 
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

Entretanto, apesar dessa legislação, o que se observa é que a prática do racismo, por suas mais diferentes manifestações, continua nos setores público e privado sem que, em muitos casos, seja coibida de modo efetivo. 

Ocorre, que em razão dessa omissão ou melhor dizendo, dessa conivência, o racismo, além de atingir a vítima, traz repercussões jurídicas para:

 

a)   a pessoa que pratica o ilícito: seja superior hierárquico ou não, essas consequências vêm por meio da ação penal pelo crime de racismo ou injúria racial e por ações indenizatórias, na esfera cível e administrativa, se for servidor público;

 

b)  as pessoas jurídicas do setor privado (empresas, entidades associativas, condomínios, etc.): as repercussões ocorrem por meio de condenações na esfera trabalhista, sendo as empregadoras obrigadas a indenizarem os empregados ou ex-empregados pelos danos morais sofridos, desde que devidamente provados pela vítima; 

 

c)   os entes estatais: nas seguintes esferas:

 

c.1. trabalhista (nos casos do de funcionários contratados pelo regime da CLT);

 

c.2. administrativa em relação a quem comete o ato, conforme já dito, e ao gestor público, pela omissão;

 

c.3. cível, no sentido de condenar o ente público por danos morais a serem pagos à vítima de atos racistas.

 

Cumpre destacar que nos últimos anos, em razão de um trabalho de conscientização de setores da sociedade civil organizada e de autoridades, os empregados vítimas de racismo têm, de modo absolutamente legítimo e salutar, saído de uma postura passiva, buscando a punição, dentro da lei, de quem comete injúrias e/ou crimes de naturezas raciais. E esse comportamento tende cada vez a tornar-se mais forte e definitivo, o que é um avanço social. 

Com isso, por parte do empregador, para evitar as condenações por dano moral, cabe elaborar e colocar em prática rotinas de combate aos atos racistas e quando esses ocorrerem, que haja uma rigorosa punição a quem os comete, uma vez que não é aceita pelos Tribunais uma “encenação de punição”, isto é, a aplicação de sanções brandas para tais atos.

 

III – CONCLUSÃO

 

Portanto, para concluir, é importante que empregador e empregado mantenham comportamentos de combate ao racismo, dentro do que lhes compete – um não aceitando e não se submetendo ao racismo e o outro com ações preventivas e punitivas quando esses ilícitos ocorrerem.

Com tais comportamentos, sem dúvida, ter-se-á um ambiente de trabalho mais saudável e humano e, sem dúvida, uma contribuição à evolução da sociedade como um todo. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


Fonte da imagem



[1] Fonte: https://www.cnj.jus.br/conheca-a-diferenca-entre-racismo-e-injuria-racial/

12 de setembro de 2021

CUIDADO: PODE NÃO SER “MIMIMI”, MAS UM ILÍCITO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Uma das características de qualquer sociedade é a constante transformação comportamental nos mais variados aspectos. Dentre essas mudanças ocorridas, uma delas diz respeito à forma de relacionar-se com as pessoas, com os grupos sociais, étnicos ou raciais, com os grupos políticos, com os segmentos profissionais, religiosos, dentre outros; sendo estabelecidos novos conceitos e limites no tratamento, bem como a não aceitação de certas piadas, “brincadeiras” ou antigas formas de tratamento. 

Obviamente, quando há mudanças no comportamento social, há uma divisão entre quem defende esse novo momento e outra parcela que se opõe a essa transformação, que no Brasil, atualmente costuma-se dizer que esse novo modo de se relacionar, esse novo cuidado no tratamento é “muito mimimi” ou “coisa de gente mimizenta”. 

Apesar dessa resistência à mudança de comportamento, o sistema jurídico brasileiro (legislação, doutrina e jurisprudência) tem adotado uma postura ainda mais firme sobre atos discriminatórios que ocorrem por meio de ofensas e/ou por meio de supostas “brincadeiras” ou piadas. E essa postura, aliás, que se verifica nos julgamentos pelo Poder Judiciário, sejam em ações trabalhistas, cíveis e penais. Um exemplo disso é o julgado do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26/DF[1], que equiparou as ofensas aos homossexuais, transgêneros e demais membros da comunidade LGBTI + aos crimes raciais.

É claro que para a configuração do ilícito de discriminação há de levar-se em conta uma série de aspectos, como, por exemplo, o local, o contexto do que é dito, o grau de relacionamento entre as pessoas, dentre outros. Um exemplo disso são os shows de stand up comedy: não se pode tomar como ofensa as piadas num show de humor e tampouco cerceá-las, pois além de realmente ser um exagero, seria como se voltássemos aos tempos da censura. Entretanto, há uma linha tênue entre essa liberdade artística e a ofensa. E essa avaliação, assim como todas as outras, é feita caso a caso, em razão de sua subjetividade e das provas existentes, o que é fundamental. 

Com isso, é fundamental atentar-se que quando se fazem “brincadeiras” ou se exteriorizam opiniões que podem configurar uma discriminação e, portanto, uma ofensa à personalidade, – direito protegido pela Constituição Federal –, considerar isso um “mimimi” é arriscar-se a ser processado, tendo em vista a mudança de entendimento sobre tal comportamento e suas repercussões jurídicas (trabalhistas, cíveis e criminais). Portanto, na dúvida, pense muito antes de dizer algo que possa soar discriminatório; se persistir a dúvida, mantenha-se em silêncio; silêncio esse que muitas vezes vale ouro, pois não gera estragos para quem fala e quem escuta.

 

 Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] STF, ADO 26/DF, Plenário, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 13.06.2019.

5 de setembro de 2021

A PENSÃO PREVIDENCIÁRIA POR MORTE PARA O FILHO MAIOR INCAPAZ


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Uma preocupação comum aos pais com filhos incapazes diz respeito ao futuro destes quando os responsáveis por seus sustentos (geralmente os genitores) falecerem. Obviamente a legislação previdenciária, tanto a que regula o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) como as legislações de servidores públicos municipais, estaduais e federais estabelecem o direito ao pensionamento em tais casos, tendo por base o texto da Lei nº 8.213/91[1] que assim estabelece:

 

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: 

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;

 

Ao ler os dispositivos legais – tanto a Lei nº 8.213/91 como as leis específicas dos servidores públicos – o primeiro pensamento que se tem é que para ter direito à pensão por morte é imprescindível que o filho maior já tenha que ser considerado incapaz por ação de interdição à época do falecimento do segurado à qual é dependente. Não é bem assim. 

Apesar de ser menos frequente que o caso clássico – filho maior já reconhecido como incapaz quando do falecimento do segurado – há situações em que a incapacidade do filho já existia, mas só é reconhecida após o falecimento do segurado. Vejamos dois exemplos:

 

a) pais que cuidavam do filho que sempre foi incapaz, mas nunca o interditaram;

 

b) filho maior que somente após a vida adulta desenvolveu a incapacidade, mas que não houve tempo hábil para a ação de interdição antes do falecimento do segurado.

 

Nos casos acima, o não reconhecimento da incapacidade do filho maior – entenda-se por reconhecimento judicial por meio de ação de interdição – anterior ao falecimento do segurado pode não ser impeditivo para a concessão do benefício previdenciário. E há entendimento de vários Tribunais nesse sentido. Todavia, em casos assim, obter a pensão por morte torna ou caminho muito mais espinhoso e aumenta o risco de não se obter êxito, pois dependerá:

 

a) de uma série de provas absolutamente robustas acerca da incapacidade do filho e de sua dependência econômica anteriores ao óbito;

 

b) do entendimento do julgador e do Tribunal que, sabidamente variam, salientando que há jurisprudência nos dois sentidos (favorável e desfavorável à concessão de benefício).

 

Com isso, apesar de ser um tema bastante delicado e doloroso aos pais e, não raro encontrar resistência do próprio filho, é fundamental que se promova a interdição, pois, nesse caso, o entendimento jurisprudencial é praticamente unânime no sentido de o filho maior, já reconhecidamente incapaz pela ação de interdição à época do falecimento ter direito à pensão por morte, mesmo que tenha desenvolvido a incapacidade durante a vida adulta.

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] Lei nº 8.213/1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.