Não é incomum o paciente e/ou seus familiares quando em atendimentos hospitalares de urgência/emergência se depararem com uma situação: a exigência, pelo hospital, de caução ou garantia de pagamento se o paciente não tem plano de saúde ou se tem, está em período de carência ou, ainda, não há cobertura para determinado atendimento.
Ocorre que a exigência de qualquer garantia para internação hospitalar de urgência/emergência é crime, conforme determina o Código Penal, em seu artigo 135-A:
Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória
ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários
administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar
emergencial: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Ainda,
sobre tal ilegalidade de garantia para atendimento, além do dispositivo penal, verifica-se
o aspecto civil, estabelecido no Código Civil, em seu artigo 156:
Art. 156. Configura-se o estado de perigo
quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família,
de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente
onerosa.
Entretanto, mesmo absolutamente cientes da expressa proibição legal da exigência de garantias, muitos hospitais tentam mascarar essa prática, alegando que não se trata de caução ou garantia, mas “adiantamento de despesas” ou alguma expressão semelhante. Todavia, trata-se de exigência de garantia de pagamento, pois em caso de o paciente recusar a realizar tal pagamento, o hospital não prestará o atendimento e tampouco a internação em razão dessa urgência/emergência. Isso é fato notório.
Importante abordar que essa exigência de garantia pelo hospital ocorre, também, em caso de o paciente estar em período de carência do plano de saúde ou se o contrato prevê somente a cobertura parcial para atendimentos em caso de urgência/emergência. Todavia, é ilegal da mesma forma, conforme se verifica pela Resolução nº 44 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em seu artigo 1º, que assim estabelece:
Art. 1º. Fica vedada, em qualquer situação,
a exigência, por parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados,
cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde e
Seguradoras Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer natureza,
nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou
anteriormente à prestação do serviço.
Portanto, o que se verifica é que envolvendo ou não a cobertura de planos de saúde, existe a abusividade e ilegalidade da exigência de caução ou garantias de pagamento nos atendimentos de urgência/emergência. E isso é expresso em nossa legislação e reconhecido pela jurisprudência.
Por fim, destaquem-se dois aspectos fundamentais:
a) as relações entre paciente e hospital/operadora de planos de saúde são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, o que implica no respeito aos princípios de proteção ao consumidor – parte mais frágil da relação –, frisando dentre tais princípios, a inversão do ônus da prova, ou seja, quem oferece os serviços é obrigado a provar estar agindo em conformidade com a lei;
b) apesar da inversão do ônus da prova, o consumidor (paciente) por meio de seus familiares, responsáveis ou acompanhantes podem, em caso de exigência de garantia, até acionar a autoridade policial em razão do crime previsto no artigo 135-A do Código Penal, dependendo da situação, mas, principalmente, devem juntar a maior e melhor quantidade de provas acerca dessa ilegal cobrança para que o advogado tenha os subsídios mínimos e iniciais necessários para os pleitos perante o Poder Judiciário.
Alexandre Luso de Carvalho
OAB/RS nº 44.808
alexandre_luso@yahoo.com.br
Alexandre, meu amigo,
ResponderExcluirEu o li e achei conforme!
Realmente, é erro enorme
Que à hora do um perigo
Se aceite por castigo
Extorsão; vivenciada
Por mim, qual se fosse nada
Sabendo e, pois, conluiar.
Não dou mais "sorte ao azar:
Encaro e topo a parada"!
Excelente matéria, Alexandre! Pouca gente sabe disso! Eu sabia por pertencer a uma irmandade católica com trezentos anos de existência que provém o Imperial Hospital de Caridade de Florianópolis, onde não usam tal tipo de prática, mas eu baixei em uma Clínica em Curitiba que a administração exigiu um cheque preenchido com importância alta. Parabéns por elucidação tão importante ao leigo! E muitas vezes, até a quem é do ramo. Abraço cordial! Laerte.
Caríssimo, Laerte, como vai?
ExcluirMuito obrigado pela leitura. Infelizmente essa prática é comum e, mesmo com cartazes nas próprias emergências no qual há tal explicação, a prática ainda é corriqueira, pois se aproveita do desespero das pessoas em razão da emergência.
Assim, se coibirmos em seu nascedouro essa prática, certamente isso mudará.
Grande abraço!
Gostei demais de sua abordagem, Alexandre. Não importa se se trata de emergência, os hospitais não prestam atendimento sem que paciente ou familiares deixem um cheque ou qualquer outra forma de garantia para pagamento dos serviços que serão prestados. Na aflição do momento, ninguém corre atrás de seus direitos. Penso que essa matéria deveria ser mais divulgada, face aos inúmeros abusos constantemente cometidos. Há algum tempo, sofri um acidente de carro e, mesmo tendo plano de saúde, o hospital pediu a minha irmã que deixasse um cheque caução, até que a documentação fosse apresentada. Sabendo que eu teria cobertura, ela atendeu o pedido, pois estava muito nervosa. E é procuradora federal, acredita??? Parabéns pela postagem!
ResponderExcluirBom dia, Marilene. Como estás?
ResponderExcluirO brasileiro, em geral, pouco conhece seus direitos, infelizmente. Isso se deve a uma cultura educacional que não faz muita questão de que a população tenha uma consciência maior da sua cidadania.
Quanto a tal prática, essa ocorre em razão do desespero, pois pouquíssima gente tem o discernimento e até o "sangue frio" para saber lidar numa situação dessa.
Muito obrigado pela leitura.
Abraço!