A
facilidade de crédito que o brasileiro passou a usufruir com a relativa
estabilidade econômica que o país alcançou nas últimas décadas tem um preço
alto e que muitas vezes deixa o devedor sem fôlego para cumprir com o
compromisso assumido, ficando inadimplente.
Essa inadimplência tem como consequência o ajuizamento de ação de cobrança cumulada com busca e apreensão de veículo, por parte da instituição financeira. Com isso, para reaver o bem, o devedor tem que realizar o pagamento das parcelas devidas, custas e honorários e outros valores que o contrato vier a estabelecer, conforme estabelece a legislação[1].
Ocorre que a relação do devedor (que contratou o financiamento) com o credor (instituição financeira) é regida, também, pelo Código de Defesa do Consumidor. Isso obriga o Banco a adotar procedimentos que obedeçam aos princípios de proteção aos direitos do consumidor contra as práticas abusivas na contratação, bem como na cobrança de eventual dívida, até porque a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é objetiva, isto é, a responsabilização pelo dano ao consumidor independe de verificação de culpa.
Entretanto, em diversos casos, o que se vê é que as instituições financeiras não tomam o devido cuidado com seus procedimentos ou não fazem questão de tomar tais cuidados, pois isso, sem dúvida, é lucrativo. Exemplos disso é quando:
a) são inseridos na
cobrança valores já pagos pelo devedor, acarretando a busca e apreensão do veículo por uma
dívida que inexiste ou que é menor do que a alegada não ação judicial;
b) após o pagamento da dívida, ocorre a demora injustificada na devolução do bem;
c) ocorre a continuidade da cobrança e manutenção do nome do então devedor em cadastros de restrição de crédito, mesmo após ter sido quitada a dívida.
Havendo
isso, certamente estar-se-á diante de práticas abusivas por parte da
instituição financeira e, portanto, diante de algumas situações e medidas a
serem tomadas pelo consumidor – que dependem caso a caso –, quais sejam:
a) EM CASO DA BUSCA E
APREENSÃO DO VEÍCULO SEM QUE HAJA QUALQUER DÍVIDA, o
consumidor deverá apresentar defesa, por meio de advogado, no sentido de ter o
direito de permanecer com o veículo sem o pagamento de nenhum valor, conforme
entendimento jurisprudencial[2];
b) EM CASO DE O VALOR ESTAR INCORRETO (PARA MAIOR), há o direito do Banco na busca e apreensão do bem, já que existe débito, mas, também há o direito de o consumidor de contestar o valor cobrado. Nesse caso, aliás, o consumidor pode requerer em dobro o valor cobrado a maior – a chamada repetição de indébito –, conforme estabelece o parágrafo único, do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor[3];
c) SE O BANCO NÃO ENTREGAR O BEM, MANTIVER O NOME NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO E CONTINUAR A COBRANÇA DA DÍVIDA, deve o consumidor buscar os meios judiciais para que o Banco proceda com tal obrigação e até, dependendo do caso, pleitear penalidades e/ou indenizações, dependendo do dano causado.
Portanto, nessa relação contratual é extremamente importante o consumidor estar atento:
a) ao modo de cobrança das parcelas do financiamento (boleto ou débito em conta) e se estas estão sendo devidamente registradas pela instituição financeira, principalmente se o pagamento ocorrer por débito em conta;
b) no caso de ocorrer a inadimplência, com o consequente direito à cobrança cumulada com a busca e apreensão do veículo, por parte do Banco, conferir se o valor cobrado corresponde realmente à dívida, uma vez que tal informação é fundamental para a defesa no processo e, até para o pleito de devolução em dobro do valor cobrado.
Assim, mesmo o consumidor estando inadimplente, saliente-se, não
pode ocorrer abuso por parte do Banco na busca de um direito seu. Caso isso
ocorra, é importante que se corrija a situação e, até, se busque a devida
reparação.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Vide Decreto-lei
nº 911/1969, que estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá
outras providências.
[2] TJRS, Apelação Cível,
nº 70068662832, 14ª Câmara Cível, Rel. Desª Miriam A. Fernandes, julgado em
30.03.2017.
[3] CDC, Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Alexandre, você sempre escolhe temas relevantes para suas postagens. Uma pequena desatenção do consumidor, como o controle do que já pagou e do valor da dívida cobrada, pode levá-lo a desastrosas consequências. Gostei muito de sua abordagem. Abraço.
ResponderExcluirBom dia, Marilene.
ResponderExcluirMuito obrigado pela leitura e pelo elogio, primeiramente.
Realmente, o descuido do consumidor é uma brecha, quase uma "avenida", para abuso nas relações de consumo. Infelizmente, no Brasil, o consumidor nunca pode relaxar.
Grande abraço!