12 de outubro de 2020

QUANDO A BUSCA E APREENSÃO DE VEÍCULO SE TORNA ABUSIVA


 Alexandre Luso de Carvalho


A facilidade de crédito que o brasileiro passou a usufruir com a relativa estabilidade econômica que o país alcançou nas últimas décadas tem um preço alto e que muitas vezes deixa o devedor sem fôlego para cumprir com o compromisso assumido, ficando inadimplente.

Essa inadimplência tem como consequência o ajuizamento de ação de cobrança cumulada com busca e apreensão de veículo, por parte da instituição financeira. Com isso, para reaver o bem, o devedor tem que realizar o pagamento das parcelas devidas, custas e honorários e outros valores que o contrato vier a estabelecer, conforme estabelece a legislação[1].

Ocorre que a relação do devedor (que contratou o financiamento) com o credor (instituição financeira) é regida, também, pelo Código de Defesa do Consumidor. Isso obriga o Banco a adotar procedimentos que obedeçam aos princípios de proteção aos direitos do consumidor contra as práticas abusivas na contratação, bem como na cobrança de eventual dívida, até porque a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é objetiva, isto é, a responsabilização pelo dano ao consumidor independe de verificação de culpa.

Entretanto, em diversos casos, o que se vê é que as instituições financeiras não tomam o devido cuidado com seus procedimentos ou não fazem questão de tomar tais cuidados, pois isso, sem dúvida, é lucrativo. Exemplos disso é quando:


a) são inseridos na cobrança valores já pagos pelo devedor, acarretando a busca e apreensão do veículo por uma dívida que inexiste ou que é menor do que a alegada não ação judicial;

b) após o pagamento da dívida, ocorre a demora injustificada na devolução do bem;

c) ocorre a continuidade da cobrança e manutenção do nome do então devedor em cadastros de restrição de crédito, mesmo após ter sido quitada a dívida.

 

Havendo isso, certamente estar-se-á diante de práticas abusivas por parte da instituição financeira e, portanto, diante de algumas situações e medidas a serem tomadas pelo consumidor – que dependem caso a caso –, quais sejam:

 

a) EM CASO DA BUSCA E APREENSÃO DO VEÍCULO SEM QUE HAJA QUALQUER DÍVIDA, o consumidor deverá apresentar defesa, por meio de advogado, no sentido de ter o direito de permanecer com o veículo sem o pagamento de nenhum valor, conforme entendimento jurisprudencial[2];

b) EM CASO DE O VALOR ESTAR INCORRETO (PARA MAIOR), há o direito do Banco na busca e apreensão do bem, já que existe débito, mas, também há o direito de o consumidor de contestar o valor cobrado. Nesse caso, aliás, o consumidor pode requerer em dobro o valor cobrado a maior – a chamada repetição de indébito –, conforme estabelece o parágrafo único, do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor[3];

c) SE O BANCO NÃO ENTREGAR O BEM, MANTIVER O NOME NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO E CONTINUAR A COBRANÇA DA DÍVIDA, deve o consumidor buscar os meios judiciais para que o Banco proceda com tal obrigação e até, dependendo do caso,  pleitear penalidades e/ou indenizações, dependendo do dano causado.


Portanto, nessa relação contratual é extremamente importante o consumidor estar atento:


a) ao modo de cobrança das parcelas do financiamento (boleto ou débito em conta) e se estas estão sendo devidamente registradas pela instituição financeira, principalmente se o pagamento ocorrer por débito em conta;

b) no caso de ocorrer a inadimplência, com o consequente direito à cobrança cumulada com a busca e apreensão do veículo, por parte do Banco, conferir se o valor cobrado corresponde realmente à dívida, uma vez que tal informação é fundamental para a defesa no processo e, até para o pleito de devolução em dobro do valor cobrado.

 

Assim, mesmo o consumidor estando inadimplente, saliente-se, não pode ocorrer abuso por parte do Banco na busca de um direito seu. Caso isso ocorra, é importante que se corrija a situação e, até, se busque a devida reparação.

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] Vide Decreto-lei nº 911/1969, que estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá outras providências.

[2] TJRS, Apelação Cível, nº 70068662832, 14ª Câmara Cível, Rel. Desª Miriam A. Fernandes, julgado em 30.03.2017.

[3] CDC, Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.


2 comentários:

  1. Alexandre, você sempre escolhe temas relevantes para suas postagens. Uma pequena desatenção do consumidor, como o controle do que já pagou e do valor da dívida cobrada, pode levá-lo a desastrosas consequências. Gostei muito de sua abordagem. Abraço.

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  2. Bom dia, Marilene.

    Muito obrigado pela leitura e pelo elogio, primeiramente.

    Realmente, o descuido do consumidor é uma brecha, quase uma "avenida", para abuso nas relações de consumo. Infelizmente, no Brasil, o consumidor nunca pode relaxar.

    Grande abraço!

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