Alexandre Luso de Carvalho
Em muitas situações da vida em sociedade, quando ocorrem problemas nas relações entre particulares (interpessoais ou entre pessoas físicas e jurídicas), nas relações de consumo e nas relações entre pessoas ou empresas para com o Estado (município, estados e União), uma das primeiras providências que uma das partes pensa em fazer é uma ocorrência policial ou boletim de ocorrência (o famoso B.O) junto à policial civil, seja online ou de forma presencial.
Todavia,
tal procedimento, vale destacar, não consiste, por si só, na garantia de que o
problema de quem registra um determinado fato será resolvido ou que, em
possível ação judicial essa pessoa terá alguma vantagem probatória para uma vitória no processo. Isso porque:
a) a ocorrência policial é um documento de narrativa unilateral, isto é,
consta somente a versão do comunicante (de quem faz o registro) e, portanto,
não significa que os fatos narrados são verdadeiros ou que possam ser provados;
b) nem todo o fato que é comunicado no
boletim de ocorrência consiste em crime ou qualquer outra ilicitude, ou seja,
por vezes constará “fato atípico”.
Com isso, os boletins de ocorrência devem estar acompanhados das provas dos fatos (documentais ou testemunhais) a serem apresentadas no momento da comunicação ou posteriormente (não muito depois) para que se instaure o devido inquérito para que, então, a autoridade policial verifique se houve cometimento de crime para enviar ou não tal inquérito ao Poder Judiciário.
Importante
frisar que os aspectos ditos acima, apresentam algumas exceções. Dentre elas, podem ser mencionadas:
a) nos casos de violência doméstica: seja contra a
mulher (regida pela Lei Maria da Penha[1]), seja contra
o idoso (regido pelo Estatuto do Idoso[2]) ou contra
o menor (regido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente[3]), o que
se busca é a proteção imediata da vítima em razão da notícia do risco de
agressão ou deste já ter ocorrido, levando a autoridade policial e judicial a
prescindirem, num primeiro momento, da prova do ilícito para que sejam tomadas
medidas de proteção. Saliento que num segundo momento, em respeito ao
contraditório e à ampla defesa, provas deverão ser coletadas e a pessoa a quem
se atribui a agressão ou ameaça será ouvida, podendo esta, também, produzir provas em sua
defesa;
b) nos casos de perda de objetos, documentos e cartões
bancários: nessas situações não há necessidade de provas, até porque seria
impossível. E fazer a ocorrência policial é fundamental para bloquear cartões
bancários, bem como prevenir-se que os documentos sejam indevidamente
utilizados e, também, permitir que a segunda via destes sejam providenciadas;
c) nos casos de desaparecimento de pessoas: não
é necessário qualquer tipo de prova, num primeiro momento, até para que se inicie de pronto a investigação acerca dos últimos locais em
que a pessoa desaparecida esteve ou passou;
Para fins de ações penais privadas (crimes contra a honra) e casos de natureza civil ou de família, a ocorrência policial toma um caráter secundário, pode se dizer, ou seja, é um documento com caráter quase que informativo, tendo em vista que há necessidade de impulsionamento da pessoa prejudicada perante o Poder Judiciário, além da produção de provas.
Por fim, cumpre deixar claro é que não se está desestimulando as pessoas que busquem a polícia para realizar o boletim de ocorrência sobre determinado fato. O que se está dizendo é que muitas vezes, para a finalidade que elas esperam não haverá resultado prático; e para a finalidade para a qual a ocorrência é o primeiro passo, em muitos casos, a informação contida nela não basta para o que se busca, sendo necessária a produção de provas, sendo algumas buscadas pela investigação policial e outras fornecidas pela vítima, seus familiares e amigos.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808