4 de outubro de 2020

A OFERTA DE PRODUTOS, SERVIÇOS E O SEU CUMPRIMENTO

 


Alexandre Luso de Carvalho


I – QUANDO HÁ A OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR A OFERTA


 É do conhecimento da maioria dos consumidores que o fornecedor de produtos e serviços é obrigado a cumprir a oferta realizada, conforme estabelecido no Código de Defesa do Consumidor (artigos 30 e 35):

 

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

 (...)

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

 

Essa obrigação de cumprir o ofertado, chamada de princípio da vinculação – que prevalece, inclusive, sobre as cláusulas do contrato –, é uma proteção ao consumidor contra a publicidade enganosa e contra as práticas abusivas, conforme amplo entendimento jurisprudencial, já há muito tempo consolidado, conforme verifica-se ilustrativamente, abaixo:

 

"OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONSUMIDOR. OFERTA EM SITE DE COMPRA COLETIVA. VINCULAÇÃO. Impedimento de aquisição de mais duas unidades. Agir abusivo. Ausência de informação nesse sentido. obrigação de cumprimento da oferta veiculada, atinente aos dois aparelhos suplementares, cuja negociação virtual foi obstada. Inteligência do disposto no artigo 30 do código de defesa do consumidor. Fixação de multa. Possibilidade. Garantia da efetividade do julgado. Redução, de ofício, do teto máximo a ser alcançado pelas astreintes. Recurso improvido." (TJRS, Recurso Cível nº 71004182523, 2ª Turma Recursal Cível, Relatora Juíza Fernanda Carravetta Vilande, julgado em 30-01-2013)

  

Porém, para fazer vale tal direito, nunca é demais salientar, o consumidor deve guardar a oferta realizada, no sentido de facilitar a prova do que alega nesse sentido.

 

 II – QUANDO NÃO HÁ OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR A OFERTA


 Entretanto, o princípio da vinculação não é absoluto tampouco tem sua aplicação automática, pois depende da análise caso a caso. Explico: tendo em vista que as relações de consumo são promovidas, obviamente, por pessoas, sempre há a possibilidade de falhas que, dependendo de sua natureza e/ou de sua proporção escusam a obrigatoriedade da vinculação da oferta à venda.

 Assim, quando é verificada a anormalidade numa oferta de produto ou serviço a ponto desta acarretar um inegável e considerável prejuízo ao fornecedor de produtos ou serviços, pode-se concluir que não houve “oferta” caracterizada por má-fé, mas equívoco, um ERRO GROSSEIRO. Exemplo: um produto com preço de mercado de R$100,00 é anunciado por R$10,00. Ninguém dá um desconto de 90%, ou seja, o mais provável é que ocorreu um erro grosseiro no cadastramento ou na oferta do produto – isso ocorre principalmente em e-commerce – e, portanto, a obrigatoriedade da vinculação é desconsiderada. Sobre isso, cumpre destacar, mais uma vez, o que entendem os Tribunais:

 

"RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AQUISIÇÃO DE COMPUTADOR VIA INTERNET. DIVULGAÇÃO DE PREÇO IRRISÓRIO. CANCELAMENTO DE COMPRA E ESTORNO DOS VALORES. ERRO GROSSEIRO. Relativização do princípio da vinculação do fornecedor à oferta. Boa-fé contratual. Afastada a obrigação de cumprimento da oferta. Sentença reformada para julgar improcedente a ação. Recurso provido." (TJRS, Recurso Cível nº 71007110042, 1ª Turma Recursal Cível, Relator Juiz Roberto Carvalho Fraga, julgado em 26.09.2017)

 

Todavia, é fundamental salientar que, em razão da inversão do ônus da prova estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor, cabe ao fornecedor de produtos e/ou serviços demonstrar de modo inequívoco que ocorreu o erro grosseiro na “oferta”. Caso não consiga realizar tal prova, certamente terá que cumprir o que estava ofertado.

Importante destacar que tal entendimento quanto à relativização e/ou desconsideração da vinculação da venda à oferta realizada se deve, também, à busca da igualdade e justiça nas relações de consumo e que, portanto, não contempla o ganho ilícito por nenhuma das partes (fornecedor e consumidor).


III - CONCLUSÃO

 

  Com isso, a partir da análise dos dois enfoques, o que se pode concluir é que a vinculação à oferta deve pautar-se:

 a) por parte do fornecedor de produtos e/ou serviços: pelo cuidado redobrado ao divulgar a oferta ou cadastro do produto no sistema, evitando tais equívocos, bem como sempre resguardar-se com as provas dos valores de mercado e outros elementos no sentido de provar um eventual erro grosseiro, o que lhe facilitará na desobrigação da obrigação de vinculação;

b) por parte consumidor: pelo bom senso, pela capacidade de discernimento e, principalmente, pela boa-fé ao analisar se realmente o produto ofertado muito abaixo do valor de mercado se trata de oferta ou erro humano (escusável) e, com isso, não buscar o Poder Judiciário para aproveitar-se da situação; até porque se o fornecedor de produtos e serviços provar que houve um equívoco, a demanda judicial, provavelmente, não terá êxito.


Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


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2 comentários:

  1. Muito bom o conteúdo de sua postagem, Alexandre. Foi claro e objetivo. Parabéns!

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  2. Bom dia, Marilene!

    Que bom que gostaste do artigo. É um dos vários aspecto do Código de Defesa do Consumidor no qual vemos aquelas falsas certezas.

    Abraço!

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