31 de outubro de 2021

O QUE FAZER QUANDO O ESTADO NÃO PRESTA OS SERVIÇOS AOS QUAIS ESTÁ OBRIGADO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Em seu discurso de posse, na condição de 35º Presidente dos Estados Unidos, em 20.01.1961, John Fitzgerald Kennedy, disse “Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país”. É uma frase que resume muito bem sobre o dever do cidadão para com o seu país. 

Ocorre que a relação cidadão/país é feita de obrigações recíprocas, ou seja, as do cidadão ao país e aos do país para com o cidadão (de forma coletiva ou individual), por meio do Estado e seus entes.

 

II – DOS DEVERES DO ESTADO PARA COM O CIDADÃO

 

A Constituição Federal de 1988 é expressa em diversos de seus dispositivos acerca dos deveres do Estado para com o cidadão. E aqui, leia-se “Estado”, como todos os entes que o compõem: Municípios, Estados e União e cada um dos orgãos a estes subordinados. 

Todavia, historicamente o Estado se mostra incapaz de promover os direitos básicos e fundamentais da população (saúde, educação, segurança) e outros direitos que fazem parte das obrigações estatais (infraestrutura, prestação jurisdicional adequada, assistência social e serviços); direitos esses, aliás que são uma contrapartida dos impostos pagos pela população, diga-se. Dois exemplos disso é o não cumprimento pelo Estado do disposto já no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, que se constitui em um de seus fundamentos, qual seja, “a dignidade da pessoa humana” e no artigo 3º, inciso III, que é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. 

Ou seja, tudo o que o Estado deve fazer e não faz está disposto na Constituição Federal, de modo mais amplo – e que estabelece as diretrizes – e, de modo mais individualizado e detalhado nas leis específicas.

 

III – MEDIDAS A SEREM TOMADAS QUANDO O ESTADO DESCUMPRE SUAS OBRIGAÇÕES

 

Diante da ineficiência do Estado em cumprir suas obrigações para com o povo, a primeira solução que se pensa é a mudança de seus dirigentes por meio do voto. Sem dúvida isso está correto. Mas, essa é a parte política dessa solução. 

No entanto, em muitos casos, não há tempo para aguardar uma mudança política. Nesse caso, o próprio Estado (Poder Público) oferece meios de o cidadão promover essas soluções, seja de modo coletivo, seja de modo individual. Vejamos:


a)   para o Poder Público FAZER: quando o cidadão, de modo individual ou coletivo, busca a prestação de um serviço pelo ente estatal. Exemplos: fornecimento de medicamentos e/ou tratamento médico; vagas em creches e escolas, instalação de sinalização de trânsito em locais de muitos acidentes, etc. Aqui, o procedimento correto é:

 

PRIMEIRO PASSO: buscar a via administrativa (extrajudicial) junto ao órgão estatal competente, documentando a situação e o pedido. Se o pedido for atendido de modo satisfatório – levando em conta o tempo que previsto para a solução –, o problema está resolvido. Caso o tempo para resolução seja demasiado longo (ou não tenha prazo), bem como ocorra a recusa do requerimento, é importante documentar esse pedido e a recusa. Aqui, excetuam-se os casos de extrema urgência como, por exemplo, internações médicas em situações de risco de vida, cujo o pedido judicial pode ser feito diretamente;

 

SEGUNDO PASSO: em caso de recusa do pedido administrativo ou de uma solução sem prazo definido ou com um prazo demasiado longo, o segundo passo é a busca do Poder Judiciário para que ele determine que o Estado preste o serviço a qual constitucionalmente está obrigado a fazê-lo.

 

b)  para o Poder Público INDENIZAR: esse é o caso de o Estado indenizar por algo já ocorrido e que acarretou uma lesão a um cidadão. Isso pode ser decorrente de:

 

b.1. AÇÃO: aquilo que o agente público ou o Estado, em sua estrutura FEZ e que causou lesão ao direito do cidadão. Exemplo: abordagem policial indevida por erro no banco de dados. Dependendo do caso e seus desdobramentos pode gerar o dever indenizar, conforme julgado abaixo: 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA PREJUDICADA. MÉRITO. ERRO DE AGENTE POLICIAL AO ANOTAR VEÍCULO COMO FURTADO/ROUBADO, OCASIONANDO ABORDAGEM POLICIAL INDEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTES. Preliminar prejudicada pelo julgamento do agravo de instrumento nº 70081516205, o qual afastou o alegado cerceamento de defesa, em decisão já transitada em julgado, que torna descabida a rediscussão da matéria, diante da preclusão consumativa. Mérito. A Administração Pública responde objetivamente pelos danos advindos dos atos comissivos realizados pelos agentes públicos no desempenho de suas funções. Caso em que restou demonstrado que a abordagem policial somente ocorreu em razão de o veículo estar assinalado como “furtado/roubado” no banco de dados do sistema policial, resultado do registro indevido da situação de furto/roubo do veículo, por parte da escrivã de polícia. Por mais que a vida em sociedade demande parcela de renúncias por parte do cidadão individualmente considerado, é dever do Estado proceder com o maior cuidado possível ao alimentar o banco de dados da segurança pública. Houve lesão a ser ressarcida pelos danos extrapatrimoniais in re ipsa. Recurso provido. (TJRS, AC nº 70082458746, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Marlene Marlei de Souza, Julgado em 05.11.2020)

  

b.2. OMISSÃO: que é aquilo que o Estado como um todo ou por meio de seus agentes DEIXOU DE FAZER OU NÃO FEZ NO TEMPO ADEQUADO, acarretando lesão ao direito do cidadão. Um exemplo disso, vimos em notícia veiculada nessa semana: 

JUSTIÇA CONDENA ESTADO DO PARANÁ POR NEGLIGÊNCIA DA PM E DETERMINA INDENIZAÇÃO DE R$80 MIL À FAMÍLIA DE VÍTIMA DE FEMINICÍDIO. Polícia recebeu pelo menos nove ligações dos vizinhos denunciando agressões contra a vítima. Equipe policial chegou ao local após quase duas horas e encontrou mulher morta” (fonte: site g1 Paraná[1])

 

Frise-se: tanto nos casos, de pedidos na esfera administrativa, como nos casos a serem analisados na esfera judicial, há de se atentar acerca da necessidade de os pedidos serem corretamente fundamentados e serem acompanhados de provas.

 

IV - CONCLUSÃO

 

Diante de tudo o que foi dito, há de se ter em mente que o Estado não deve ser “mínimo” e nem “máximo”, mas deve atender às necessidades da população, conforme disposto na Constituição Federal e, principalmente, em razão de sermos um país a cada dia mais empobrecido – basta ver que o Brasil, em 15.12.2020, ocupava o 84º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), entre 189 países, sendo que na América do Sul estava atrás do Chile, Argentina, Uruguai, Peru e Colômbia[2]. 

Assim, tendo essa percepção, cabe ao cidadão ficar atento ao que lhe é direito e exercer a sua cidadania sob os aspectos políticos (por meio do voto) e jurídicos (por meio de pedidos administrativos e judiciais).

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2021/10/27/justica-condena-estado-do-parana-por-negligencia-da-pm-e-determina-indenizacao-de-r-80-mil-a-familia-de-vitima-de-feminicidio.ghtml

[2] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-12/brasil-fica-em-84o-lugar-em-ranking-mundial-do-idh


2 comentários:

  1. Em Portugal, em muitos casos, só funciona a pedido assinado por mais de trinta cidadãos... Os restantes casos só se resolvem com ajuda de um advogado...
    Gostei de ler, Alexandre. O meu abraço.
    ~~~

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    1. Boa tarde, cara Majo Dutra!

      Ou seja, não importa o lado do Atlântico, volta e meia o cidadão é obrigado a buscar o Poder Judiciário para que o Estado preste serviços que deveria fazer de forma automática, como contrapartida dos impostos pagos.

      Grande abraço!

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