28 de novembro de 2021

COMO PROCEDER PARA DIMINUIR OS TRANSTORNOS NUMA REFORMA DE IMÓVEL


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Quando pensamos em reforma de imóveis, logo vem à mente: “INCOMODAÇÃO!!!” E assim mesmo, cheio de pontos de exclamação! Um tormento! Esse sentimento é normal, pois é muito difícil que a reforma acabe no prazo estipulado, que custe o valor orçado e que saia exatamente da forma pensada. 

Ocorre que mesmo com esses transtornos, há momentos em que é imprescindível a realização de reformas em imóveis, tanto pelo fato de sua segura e saudável ocupação, seja pela manutenção para que o bem não se desvalorize. Mas, então o que fazer para evitar tantos incômodos? A seguir seguem algumas dicas.

 

II – DA CONTRATAÇÃO

 

A correta contratação é o primeiro passo para que o processo de reformas tenha menos chance de dar errado. E são medidas básicas a serem feitas. Vejamos o que fazer:

 

a) contratar um engenheiro ou arquiteto: essa primeira medida obviamente dependerá do tamanho da reforma a ser feita. Em reformas que impactem um pouco mais no imóvel é necessária a presença de tais profissionais (um ou outro), que farão o projeto a partir das plantas do imóvel (da casa, do apartamento e do prédio), garantindo a segurança e se responsabilizando legalmente pelo projeto e pelo acompanhamento da execução a partir da ART (Anotação de Responsabilidade Técnica). Para tal contratação, é interessante que se pesquise sobre quem está sendo contratado, inclusive junto ao Poder Judiciário, no sentido de verificar se não há processos civis e/ou criminais em decorrência de sua atividade profissional;

 

b) contratar uma boa empresa ou profissionais com boas referências para a execução da reforma: essa parte é extremamente sensível, pois são esses profissionais que lidarão diretamente com o patrimônio do contratante e, dependendo do caso, conviverão diariamente com esses, caso o imóvel esteja ocupado. Assim, é fundamental pesquisar:

 

b.1. os antecedentes policiais e criminais, junto ao Poder Judiciário e aos órgãos policiais;

 

b.2. junto ao Poder Judiciário se não há processos em razão de sua atividade profissional;

 

c) estabelecer contratos por escrito: em nossa cultura, para esses tipos de serviços, ainda prevalece a informalidade nas contratações e nas relações. Entretanto, entendo ser imprescindível a contratação formal (por escrito), independentemente do tamanho da reforma a ser feita, pois é no contrato que ficará registrado os direitos e deveres de cada parte, bem como as penalidades para quem descumprir o que ficar estabelecido. Saliente-se que no contrato é fundamental que constem de forma clara:

 

c.1. o valor total pelo trabalho;

 

c.2. a forma de pagamento. Aqui, aconselha-se a estabelecer o pagamento por etapa do trabalho realizado e aprovado, seja em relação ao engenheiro/arquiteto, se for contratado para o projeto e acompanhamento da obra; seja em relação ao empreiteiro, que deverá ser pago por etapa da obra entregue (revisada e aprovada pelo engenheiro/arquiteto e pelo contratante), pois estimula que o profissional se dedique plenamente à obra para o qual foi contratado;

 

c.3. as penalidades por descumprimento contratual (para ambas as partes) e por danos causados em razão de eventual má atuação profissional;

 

c.4. as fotos do imóvel no estado em que se encontra antes de iniciarem as obras e durante as várias etapas da obra. 

 

Uma observação a ser feita: na contratação, em se tratando de um contrato bilateral e igualitário, saliente-se, é lícito e justo que os prestadores de serviços, que disponibilizam seus dados quanto aos antecedentes judiciais e criminais, também solicitem informações dos contratantes no que diz respeito às suas condições de bons pagadores (informações do SPC e Serasa, por exemplo), uma vez que também estão suscetíveis a trabalharem e não receberem. E isso não é nada ofensivo. É uma questão profissional. 

Assim, fica evidente a importância de informações pré-contratuais e, após, a elaboração de um bom contrato formal - contendo as especificidades de cada obra - estabelecido pelas partes. Isso, sem dúvida, traz uma carga de comprometimento maior à relação, uma vez que se alguém não cumprir o que foi assinado, sem dúvida ocorrerão repercussões judiciais e financeiras que poderão ser contratuais e extracontratuais.

 

III – DO COMPORTAMENTO DURANTE O ANDAMENTO DA REFORMA

 

Aqui, apresenta-se um outro estágio importante da relação com os prestadores de serviços envolvidos na reforma (engenheiros/arquitetos e empreiteiros/empresas): como o contratante deve portar-se durante o andamento da reforma. 

Conforme abordado, a informalidade nesse tipo de relação é ainda uma característica de quem presta os serviços e de quem contrata esses profissionais. E isso é muito ruim, pois enfraquece o sentido de profissionalismo da contratação.  Assim, é fundamental que:


a) o contrato seja rigorosamente cumprido pelo contratante e pelos contratados nos exatos termos ajustados formalmente. Nenhum milímetro a mais, nenhum milímetro a menos. Não pode haver exceções para nenhuma das partes (por exemplo: não pode ocorrer adiantamento de valores e tampouco atraso no pagamento). Abrir exceções significa enfraquecer o contrato e, consequentemente, a relação profissional;


b) todos os incidentes ocorridos sejam documentados;


c) todos os pagamentos sejam documentados por nota fiscal ou recibo.

 

IV – CONCLUSÃO

 

É importante ficar absolutamente claro que um comportamento estritamente profissional é benéfico para ambas as partes, uma vez que traz segurança para a relação e evita uma infinidade de custos extras e transtornos para ambos, que acabam por serem resolvidos pelo Poder Judiciário, salientando que essa resolução dificilmente trará uma plena satisfação a quem se viu prejudicado. Portanto, a prevenção, também nesse caso, é fundamental.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br

21 de novembro de 2021

A EQUIPARAÇÃO DO CRIME DE INJÚRIA RACIAL AO CRIME DE RACISMO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

A cada mês de novembro vemos o merecido e necessário espaço nos meios de comunicação e a promoção de eventos que mostram e incentivam a luta contra o racismo no Brasil que, ao contrário do que muitos dizem, não é velado, mas é muito explícito, rotineiro e cruel. 

E essa triste rotina de racismo no Brasil é demonstrada por uma série de dados, sendo um deles o número crescente de ações judiciais por injúria racial e crime de racismo. Um exemplo disso é o aumento em 11% de ações por racismo no ambiente de trabalho, conforme notícia veiculada no site Extra Classe[1], em 04 de janeiro de 2021. 

Todavia, esse aumento de ações judiciais por racismo pode ser visto por duas maneiras: sob o ponto de vista do “copo meio vazio”, no qual o comportamento racista além de não ter diminuído, aumentou nos últimos anos; sob o ponto de vista do “copo meio cheio”, na qual a não aceitação do racismo já faz parte de um novo e crescente comportamento social. 

E essa evolução na luta contra o racismo encontrou respaldo importantíssimo, nos últimos tempos, de mais duas instituições:

 

a)   do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), que em sessão plenária de 28.10.2021, no julgamento do Habeas Corpus 154.248/DF[2] decidiu que o crime de injúria racial é espécie do gênero racismo (com o único voto divergente o do Ministro Nunes Marques), ou seja, aproximou mais esses ilícitos, tornando mais severa a pena em casos de injúria racial, que se diferenciam, conforme as definições abaixo[3]:

 

a.1. crime de racismo: “(...) implica numa conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos”, cuja pena é de dois a cinco anos de reclusão, conforme disposto na Lei nº 7.716/1989[4];

 

a.2. crime de injúria racial: “(...) consiste em ofender a honra de alguém, valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem (...)”, com pena de reclusão de um a três anos e multa (Código Penal, artigo 140, parágrafo 3º), ou seja, mais branda que o crime de racismo. 

 

b)  do SENADO FEDERAL, que aprovou em 18.11.2021 o Projeto de Lei nº 4.373/2020, de autoria do Senador Paulo Paim (PT-RS) e relatado pelo Senador Romário (PL-RJ), que tipifica a injúria racial como crime de racismo, aumentando a pena (passando de um a três anos de reclusão e multa para, de dois a cinco anos de reclusão) e tornando-a imprescritível e inafiançável (vide texto aprovado[5]). Restam a votação na Câmara dos Deputados e a sanção (aprovação) do Presidente da República, salientando que em caso de veto presidencial, a Câmara dos Deputados e Senado podem, conforme disposto no artigo 66, parágrafo 4º da Constituição Federal[6], rejeitar tal veto e enviar novamente, ao Presidente para a promulgação da lei.

 

Particularmente, entendo que o Projeto de Lei será aprovado pela Câmara dos Deputados, uma vez que tal equiparação do crime de injúria racial ao crime de racismo é um clamor popular e um entendimento jurídico, já com jurisprudência existente nesse sentido (e cada vez mais consolidada).

Com isso, mais um passo importante foi dado no combate ao racismo no Brasil e que a cada dia encontra mais suportes legais e institucionais. Entretanto há de ser destacado que nada foi “dado de presente”, mas foi conquistado no árduo e incessante trabalho de quem luta contra um dos mais reprováveis sentimentos e modos de agir que um ser humano pode ter para com o outro. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808


alexandre_luso@yahoo.com.br




[2] STF, HC 154.248/DF, Plenário, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 28.10.2021.

[3] Fonte: https://www.cnj.jus.br/conheca-a-diferenca-entre-racismo-e-injuria-racial/

[4] Lei nº 7.716/1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

[5] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8881937&ts=1637330928765&disposition=inline

[6] CF/88, art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. (...) § 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores. 


14 de novembro de 2021

OS DEVERES DE QUEM MORA EM CONDOMÍNIO

 


Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Viver em condomínio pode ser muito bom ou pode ser muito ruim. Isso é óbvio. Ocorre que essa diferença passa inevitavelmente pelo equilíbrio entre direitos e deveres dos moradores (proprietários e locatários), funcionários e demais prestadores de serviços. 

Todavia, esse equilíbrio comportamental encontra um obstáculo na filosofia em que o individual, ou a dita “liberdade individual”, busca sobrepor-se ao bem coletivo, o que acaba por gerar inúmeros problemas.

 

II – REQUISITOS PARA O BOM CONVÍVIO EM CONDOMÍNIO

 

Sendo o condomínio composto por pessoas com personalidades e origens socioculturais diferentes, sem dúvida, o caminho a ser tomado para um convívio mais harmônico entre os moradores depende de quatro fatores básicos:

 

a) a CONSCIENTIZAÇÃO DOS MORADORES acerca do respeito devido à coletividade. O famoso “o meu direito acaba quando começa o direito do outro”;

 

b) uma CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO E REGIMENTO INTERNO – é bom ter, além da Convenção, o Regimento, que é mais fácil de ser atualizado do que a Convenção, pois não necessita de quórum mínimo de 2/3 dos condôminos, conforme estabelece o artigo 1.333 do Código Civil[1] – elaborada conforme as especificidades do condomínio e que deixe extremamente claro:

 

b.1. os direitos do condôminos – sendo a maioria deles extensivo aos moradores não proprietários –, que estão dispostos no artigo 1.335 do Código Civil[2];

 

b.2. os deveres dos moradores, que estão dispostos no artigo 1.336 do Código Civil:

 

b.2.1.contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção” (inciso I);

 

b.2.2.não realizar obras que comprometam a segurança da edificação” (inciso II);

 

b.2.3.não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas” (inciso III);

 

b.2.4.dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e NÃO AS UTILIZAR DE MANEIRA PREJUDICIAL AO SOSSEGO, SALUBRIDADE E SEGURANÇA DOS POSSUIDORES, OU AOS BONS COSTUMES” (inciso IV). Aqui, incluem-se as unidades (apartamentos ou casas) e as áreas comuns (salões, jardins, piscinas, quadras esportivas, playground, garagens, corredores, entrada do condomínio, etc.)

 

b.3. as penalidades para quem comete infrações às normas condominiais, salientando que tais punições devem ser eficazes, cumprindo o caráter inibitório (que impeça o morador de cometer a infração) e pedagógico (que "ensine" ao morador que cometeu a infração que não é uma boa opção para a coletividade e para ele), já que as reparações sobre prejuízos independem da punição aplicada;

 

c) os MEIOS ESTRUTURAIS DE FISCALIZAÇÃO E REGISTRO das atividades nas áreas comuns do condomínio, seja por meio de funcionários autorizados e treinados para proceder essa fiscalização e correto/completo registro, seja por meio de sistema de câmeras;

 

d) uma ADMINISTRAÇÃO (SÍNDICO E SUBSÍNDICO), BEM COMO UM CONSELHO CONSULTIVO E ASSEMBLEIA GERAL ATUANTES e que observem o que foi estabelecido nas normas internas e nas leis.

 

A partir disso, ter-se-á a possibilidade de um condomínio harmônico e sem grandes problemas.

 

III – O QUE FAZER QUANDO HÁ O DESCUMPRIMENTO DE NORMAS CONDOMINIAIS

 

Apesar de todos os dispositivos legais e das normas internas (Convenção de Condomínio e Regimento Interno) que regulam os limites a serem observados pelos moradores, é inevitável a ocorrência de descumprimentos desses regramentos. 

A melhor medida a ser tomada pelo síndico, a meu ver, é a imposição das penalidades dispostas na Convenção e no Regimento Interno, conforme a circunstância, a gravidade da infração e/ou a reincidência do morador, e que geralmente são:

 

a)  a advertência escrita;

 

b) a multa (variando seu valor conforme a gravidade da infração e reincidência), salientando que em casos de reiterado descumprimento das obrigações ou de repetido comportamento antissocial, o morador pode ser penalizado com uma multa de cinco (05) a dez (10) vezes o valor da quota condominial, conforme estabelece o artigo 1.337[3] do Código Civil:

 

c) outras penalidades específicas, conforme as características de cada condomínio, desde que não estejam em desacordo com a legislação e o entendimento jurisprudencial.

 

É importante destacar que quando as medidas extrajudiciais não apresentam um resultado efetivo, é imprescindível que o síndico busque o Poder Judiciário contra o morador infrator para proteger os direitos patrimoniais do condomínio, bem como os direitos da coletividade no que diz respeito aos bons costumes, à segurança, à tranquilidade e à saúde dos moradores. Aliás, entendo que essa medida mais firme a ser adotada pelo síndico não é uma opção, mas sim uma obrigação deste, e quando ele assim o faz, não está sendo intransigente ou tirânico; ele só não está sendo omisso quanto à uma de suas obrigações.

 

IV – CONCLUSÃO

 

Por fim, o que os moradores devem ter sempre em mente é que o arcaico modo de pensar e agir, pautados numa suposta liberdade individual – que é sempre relativa – não tem espaço numa vida em sociedade. Os direitos individuais devem estar em harmonia com o respeito ao patrimônio comum e aos direitos da coletividade. 

Tendo essa consciência, de seus deveres, a vida em condomínio naturalmente apresentar-se-á menos complexa e as soluções para eventuais problemas serão muito menos impactantes para os moradores, seja de forma individual, seja de forma coletiva. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] Código Civil, art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.

[2] Código Civil, art. 1.335. São direitos do condômino: I - usar, fruir e livremente dispor das suas unidades; II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores; III - votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite

[3] Código Civil, art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.


7 de novembro de 2021

O DEVER DE INCLUSÃO ESCOLAR PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Todos vemos, com frequência, notícias veiculadas sobre a necessidade de inclusão de pessoas com deficiências, sejam de natureza física, mental, intelectual ou sensorial em diversos segmentos da sociedade. 

Essa inclusão social está contida, em termos mais amplos, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10.12.1948 (resolução 217 III) e na Constituição Federal de 1988, a partir do momento que estabelecem uma série de direitos sem diferenciarem se são direcionados aos cidadãos com ou sem deficiência.

 

II – O DEVER LEGAL DE EDUCAÇÃO

 

Em nossa Constituição Federal – a chamada “Constituição Cidadã” – está disposto, logo em seu artigo 1º (fundamentos da República Federativa do Brasil), dois direitos que estão absolutamente ligados à educação inclusiva: a cidadania (inciso II) e a dignidade da pessoa humana (inciso III). 

A partir disso, continuando a analisar a Constituição Federal – base das nossas leis – verificamos que a inclusão, apesar de não estar expressa, está inserida noutros dispositivos:

 

a)   construir uma sociedade livre, justa e solidária” (artigo, 3º inciso I);

 

b)  promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (artigo, 3º, inciso IV);

 

c)   São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (artigo 6º);

 

d)   “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (artigo 205);

 

e)    “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (artigo 206, inciso I)”;

 

f)   O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino" (artigo 208, inciso III);

 

A partir desses princípios constitucionais, fica claro o dever do Estado, por meio de políticas públicas – o que inclui a elaboração de leis específicas – de estabelecer a inclusão escolar, que propicia a instrução e a posterior inserção no mercado de trabalho, oportunizando às pessoas com deficiência a exercerem os demais atos da vida civil e da própria cidadania, observando as características de cada um. 

Já a Lei nº 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, também determina expressamente sobre a obrigação do Estado em disponibilizar o acesso à educação às pessoas com deficiência, conforme se vê no artigo 4º, inciso III:

 

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

(...)

III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino;

 

Outro avanço nessa política inclusiva foi a elaboração e publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) que, no tocante aos aspectos educacionais, estabelece, já de início, o seguinte:

 

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.

  

A partir disso, os estabelecimentos de ensino públicos e privados passaram a ser obrigados a adaptarem suas instalações e sua própria didática, no sentido de acolher essa parcela da população, tendo em vista ser proibida a recusa da matrícula ou a cobrança adicional de valores em razão da condição do aluno enquanto pessoa com deficiência, conforme disposto na Lei nº 7.853/1989 (artigo 8º, inciso I) e na mencionada Lei nº 13.146/2015 (artigo 28, parágrafo primeiro), respectivamente transcritos abaixo:

 

Lei nº 7.853/1989 

Art. 8o  Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) 

I - recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

 

Lei nº 13.146/2015 

Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:

(...)

§ 1º Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações.

 

Importante destacar a importância de se observar as legislações municipais e estaduais específicas que, no entanto, não podem ser contrárias ao que estabelecem a Constituição Federal e as leis federais. 

Todavia, o problema que se continua observando é que apesar das leis existentes, ainda vê-se, tanto na rede pública como na rede particular, que essa inclusão, em muitos casos, ainda não é disponibilizada de modo espontâneo, dada à necessidade de tempo e recursos para tal, que:

 

a) por parte do Estado (União, Estados e Municípios) se deve historicamente à falta de estrutura e orçamento para a educação e, em alguns casos, à falta de vontade política para promover essa inclusão. Um exemplo disso é visto nas falas do Ministro da Educação, Milton Ribeiro, quando afirmou que (sic) “alunos com deficiência atrapalham o aprendizado de outras crianças sem a mesma condição”, em participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, em agosto de 2021[1] e, em entrevista ao programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan, quando disse (sic) “O que nós queremos? Nós não queremos o inclusivismo. Criticam essa minha terminologia, mas é essa mesmo que eu continuo a usar. É claro que existe uma deficiência como a Síndrome de Down, que existem alguns graus, que a criança colocada ali no meio, socializa. Mas 12% não têm condições de conviver ali [na sala de aula][2];

 

b)  por parte da rede particular, a adaptação das instalações e a própria didática demandam tempo e recursos que não podem ser cobrados à parte nas mensalidades, o que pode dificultar esse acolhimento, até pela própria estrutura do estabelecimento, dentre outras particularidades; mas que não retira a obrigatoriedade de aceitar a matrícula do aluno.

 

III – CONCLUSÃO

 

Vê-se, pelo o que foi demonstrado, o Brasil conta com uma legislação razoavelmente boa, em relação ao dever de inclusão educacional às pessoas com deficiência. Nota-se, também, que ao longo dos anos as leis vêm evoluindo, no sentido de promover um acolhimento mais amplo e adequado a essa parcela da população, o que é mais um sinal de avanço social. 

Entretanto, a plena inclusão ainda esbarra em problemas estruturais e políticos, mas que tem, não raro, o socorro do Poder Judiciário que analisa cada caso, determinando o cumprimento da Constituição Federal e demais leis específicas.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4947238-ministro-da-educacao-se-desculpa-por-declaracoes-sobre-alunos-com-deficiencia.html

[2] https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/08/24/milton-ribeiro-ministro-da-educacao-fala-criancas-deficiencia.htm