25 de julho de 2021

LIMITES DO CONSELHOS CONSULTIVO E FISCAL CONDOMINIAL


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Um dos temas que muitas vezes causa confusão entre moradores de condomínios, bem como aos síndicos e conselheiros diz respeito às atribuições e limites do Conselho Consultivo, do Conselho Fiscal ou, ainda, do Conselho Consultivo e Fiscal. E, obviamente, tal confusão gera atritos entre a coletividades de moradores e administradores.

Todavia, tal confusão pode ser desfeita a partir da correta interpretação da Lei nº 4.591/64 (lei que dispõe sobre o condomínio em edificações e incorporações imobiliária) e do Código Civil de 2002.

 

II – DEFINIÇÕES DE CADA CONSELHO

 

A melhor maneira de começar a definir os limites de cada Conselho é saber o que estabelece a lei (ou as leis). Assim, vejamos o que dizem os textos legais acerca de cada um desses órgãos do condomínio:

 

a)   Conselho Consultivo: estabelecido na Lei nº 4.591/64 (“Lei de Condomínios”) tem como característica o assessoramento ao síndico, conforme vê-se de forma absolutamente clara em seu artigo 23:

 

Art. 23. Será eleito, na forma prevista na Convenção, um Conselho Consultivo, constituído de três condôminos, com mandatos que não poderão exceder de 2 anos, permitida a reeleição. 

Parágrafo único. Funcionará o Conselho como órgão consultivo do síndico, para assessorá-lo na solução dos problemas que digam respeito ao condomínio, podendo a Convenção definir suas atribuições específicas.

 

b) Conselho Fiscal: está disposto no artigo 1.356 do Código Civil e tem como única atribuição a fiscalização das contas do síndico, com o seguinte texto:

 

Art. 1.356. Poderá haver no condomínio um conselho fiscal, composto de três membros, eleitos pela assembleia, por prazo não superior a dois anos, ao qual compete dar parecer sobre as contas do síndico.

 

Assim, a partir da ciência das atribuições legais do Conselho Consultivo (assessoramento ao síndico) e do Conselho Fiscal (fiscalização de contas) vê-se três aspectos fundamentais:

 

a) a existência de tais Conselhos não é obrigatória;


b) a intromissão por quaisquer desses Conselhos nas funções do síndico significa extrapolar os limites legais, o que não é permitido;

 

c) o síndico, por sua vez, também não pode permitir que esses órgãos interfiram sem suas atribuições, até porque só o síndico e a Assembleia Geral têm poder de decisão sobre os assuntos que dizem respeito ao condomínio.

 

Cumpre destacar um aspecto importante: se em Convenção de Condomínio for estabelecida uma função ao Conselho Consultivo, em especial, que não implique ilegalidade e não interfira no poder de comando do síndico, entendo que não há qualquer óbice nisso. Um exemplo: o Conselho consultivo ter a função julgadora de recursos de notificações e/ou multas. Seria inviável convocar a Assembleia Geral a cada recurso ou acumular recursos – sem poder aplicar as devidas sanções regimentais –, pois deixaria todo o processo excessivamente oneroso, burocrático e lento, o que acabaria por tornar inócua a aplicação de penalidades e incentivaria o descumprimento das regras condominiais.

 

III – ACÚMULO DAS FUNÇÕES CONSULTIVA E FISCAL NUM ÚNICO CONSELHO

 

A existência de um Conselho Consultivo e Fiscal  algo frequente  é, a meu ver, um equívoco quando da elaboração da Convenção de Condomínio, pois suas naturezas são diametralmente opostas: uma é de assessoramento e outra é de fiscalização. 

Portanto, sendo opostas as finalidades dos Conselhos, além de ilógico é incompatível que os mesmos conselheiros assessorem e ao mesmo tempo fiscalizem o síndico; até porque o Conselho Fiscal deve ser um órgão absolutamente independente e distante da Administração (síndico) e de seus projetos – algo que o Conselho Consultivo não precisa ser – para poder emitir o parecer sobre suas contas. 

Assim, o ideal, dependendo do porte do condomínio, é que sejam criados dois conselhos, com funções bem definidas e com membros distintos.

 

IV - CONCLUSÃO

 

Com isso, a partir do momento em que não ocorre a interferência dos Conselhos nas funções do síndico, ver-se-á a uma gestão menos conflituosa e mais otimizada. Entretanto, para isso, é necessário que tudo esteja em acordo com a legislação e claramente definido em Convenção de Condomínio – que deve ser elaborada ou reescrita, sempre seguindo esses princípios – no sentido de evitar a desarmonia e, principalmente, a nulidade de atos do Conselho e do síndico.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


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18 de julho de 2021

COMO DIMINUIR A POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÕES TRABALHISTAS (republicação com atualizações)


 

I – INTRODUÇÃO

 

As leis trabalhistas, pelo Mundo, surgiram para regular as relações laborais, causadora de graves conflitos sociais, como vemos, por exemplo, durante a Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX). Isso, só para citar um período.

No Brasil, o marco da regulamentação das relações de trabalho foi em 1943 com a promulgação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). A partir disso, a procura pela Justiça do Trabalho passou a ser uma rotina dentre os empregados despedidos ou os trabalhadores que buscam vínculo empregatício com as empresas que prestaram serviços. Para ter-se uma ideia, somente em 2016, ano anterior a implementação da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), foram ajuizadas 3,9 milhões de novas ações trabalhistas no País[1]. Esse número, aliás, demonstra um comportamento nada saudável, e que precisava, em alguns aspectos, ser mudado por e para ambas as partes.

 

II – CAUSAS DAS CONDENAÇÕES TRABALHISTAS

 

Durante esses mais de vinte anos de advocacia, tenho visto empresas serem condenadas em ações perante a Justiça do Trabalho pelos seguintes motivos:

 

a)   impossibilidade de a empresa cumprir os excessivos encargos legais (tributos e despesas trabalhistas/previdenciárias), levando ao descumprimento das leis;

 

b)  crises econômicas, o que leva, também, ao descumprimento das leis trabalhistas e previdenciárias;

 

c)   desorganização da empresa quanto às rotinas de seus funcionários (hoje denominados “colaboradores”);

 

d)  deliberado descumprimento das obrigações legais, por parte do empregador, visando o aumento dos lucros da empresa – o que é um lucro irreal.

 

Aliás, por vezes, as condenações devem-se à combinação de todos os motivos elencados acima, fazendo das ações trabalhistas um meio legítimo de os empregados buscarem seus direitos. 

Ocorre, que em muitos pleitos, ex-empregados também buscam verbas que não lhe são devidas, aproveitando-se dos mecanismos processuais e do equivocado protecionismo que muitos magistrados confundem com o espírito social da Justiça do Trabalho, o que acaba por deturpar a sua finalidade. 

Tais pleitos indevidos encontram sucesso, também, por culpa das empresas, pois, a legislação trabalhista não é respeitada e as rotinas de seus empregados não são fiscalizadas e documentadas com o devido rigor. E esse é um problema que cabe exclusivamente ao empregador resolver, mas que muitas vezes não o faz.

  

III – PRÁTICAS A SEREM ADOTADAS PELAS EMPRESAS

  

É impossível impedir que um ex-funcionário promova uma reclamatória trabalhista, pois, é um direito previsto na Constituição Federal. Entretanto, para diminuir os riscos de condenação em ações trabalhistas, o primeiro passo é o seguinte autoquestionamento pelos empresários: ATÉ QUE PONTO A EMPRESA CONTRIBUIU PARA SUA PRÓPRIA CONDENAÇÃO TRABALHISTA? A partir desse autoquestionamento e de uma resposta – que deve ser absolutamente racional, sincera e sem autocomiseração – será possível tornar essa situação mais favorável ao empregador, através de várias medidas preventivas. 

Essas MEDIDAS PREVENTIVAS começam mais pela MUDANÇA DE MENTALIDADE E DE ATITUDE do que por investimentos substanciais a serem feitos, isto é, são rotinas e protocolos trabalhosos a serem adotados. E é aí que me dirijo, especialmente, aos micro, pequenos e médios empresários – que muitas vezes, em empresas familiares, são desatentos e confundem as relações pessoais com as relações profissionais. E isso é o início dos “desastres trabalhistas”, pois, dependendo da empresa, uma ou duas condenações na Justiça do Trabalho ocasionam a sua falência. 

Assim, elenco algumas medidas que devem ser adotadas pelos empregadores:

 

a)   o planejamento na elaboração de documentos e das rotinas de cada área e de cada cargo, levando em conta as suas especificidades;

 

b) a elaboração de contrato de trabalho – com a observância de todas as nuances do cargo, da legislação, da convenção coletiva e da jurisprudência (entendimento dos Tribunais). Isso é indispensável para as empresas de todos os portes, independendo de sua atividade e do número de funcionários;

 

c) a jornada de trabalho deve seguir o que estabelece a lei, devendo ocorrer o seu controle e fiscalização;

 

d) as funções exercidas devem ser aquelas constantes no contrato de trabalho, devendo haver a fiscalização e sua devida remuneração;

 

e) disponibilização dos EPI’s (Equipamento de Proteção Individual) aos funcionários que assim necessitarem e sua devida fiscalização;

 

f) a fiscalização do local em que as atividades são desempenhadas quanto à sua salubridade para que a legislação seja cumprida;

 

g) a fiscalização dos documentos a serem preenchidos e guardados.

 

Veja-se que em quase todos os pontos acima, a ordem é “CUMPRIMENTO DA LEI, CONTROLE E FISCALIZAÇÃO”. Parece óbvio. Mas, sem o prévio planejamento e adoção de rotinas corretas, fica difícil de o empresário cumprir a legislação. 

Assim, observando tais medidas, o risco de condenações cairá sensivelmente, pois, diminuirão as brechas deixadas pelo descumprimento da legislação trabalhista. Aliás, essa mudança de mentalidade e atitude do empresariado é auxiliado pelas alterações processuais promovidas pela Reforma Trabalhista, que passou a coibir com maior contundência as “aventuras judiciais” por parte dos ex-empregados que ajuizavam ações sem as provas devidas quanto ao seu pleito.

 

IV – REPERCUSSÕES DAS MEDIDAS PREVENTIVAS NO PROCESSO TRABALHISTA

 

Como a maioria das ações trabalhistas ainda resulta em condenação dos ex-empregadores, é tradição dizer que a Justiça do Trabalho, devido ao seu caráter social mais apurado, protege os empregados e que “é só entrar com a ação e algum dinheiro se leva”. Todavia, não é bem assim. Em todos os casos, os juízes são obrigados a levar em conta um aspecto processual fundamental: a PROVA. 

Antes da reforma de 2017,  CLT, em seu artigo 818, estabelecia de modo muito singelo que “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer”. Isso deixava brechas para interpretações equivocadas e que necessitavam da adoção subsidiária (auxiliar) do Código de Processo Civil que estabelece, em seu atual artigo 373:

 

Art. 373. O ônus da prova incumbe: 

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; 

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

 

Com a reforma trabalhista de 2017, a incumbência da prova ficou mais clara, pois, o artigo 818 da CLT passou a ter a redação quase idêntica ao Código de Processo Civil:

 

Art. 818.  O ônus da prova incumbe: 

I - ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito; 

II - ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante.

 

Ou seja, resumidamente, o ex-empregado (reclamante) deve provar que tem direito ao que pede e o ex-empregador (reclamado) deve provar porque seu ex-funcionário não tem esse direito ou que este foi devidamente pago pela empresa durante o contrato de trabalho. Assim, ao contrário do que muitos dizem, “não se aplica o in dubio pro operário em se tratando de prova, mas verifica-se quem tem o ônus da prova”, como leciona, ainda o ilustre jurista SERGIO PINTO MARTINS[2]. 

Importante salientar que essas alterações processuais na CLT, dentre outras, levou a um novo comportamento no que diz respeito ao ajuizamento de ações trabalhista, tanto que após a reforma de 2017, verificou-se uma queda em 32%[3] nas demandas perante a Justiça do Trabalho. 

Portanto, o requisito processual referente a análise das provas pelo juiz acerca de vínculo trabalhista (de sua ausência ou existência) e/ou dos direitos e valores a serem pagos em razão do contrato de trabalho sempre esteve presente. Antes de forma subsidiária (auxiliar) do Código de Processo Civil e, com a reforma trabalhista de 2017, de forma ainda mais clara, conforme mencionado acima. Assim, dizer que “não adianta fazer tudo certo que o empregado sempre leva a vantagem” não pode, entretanto, ser desculpa para o descumprimento da lei e a necessidade de ter a documentação organizada para provar o que foi pago ao funcionário. 

Assim, sob o ASPECTO DA PROVA processual, fica a pergunta que merece a reflexão sincera por parte dos empregadores: a condenação ocorreu realmente só por “protecionismo” ao empregado ou a empresa que não conseguiu provar que cumpriu as leis trabalhistas e previdenciárias, tendo, portanto, pago o que era devido ao seu então funcionário? Resposta que deve pautar-se por razão e não pela emoção.

  

V – CONCLUSÃO

 

Para concluir, a partir do que foi abordado, para os empregadores chegarem a essa diminuição dos riscos de condenações trabalhistas, terão que organizar suas rotinas (a começar pela parte preventiva) para conseguirem cumprir as legislações trabalhista e previdenciária no sentido de preservarem a saúde de suas empresas. Com isso, todos sairão ganhando: empregadores, empregados, Poder Judiciário – com a diminuição da sobrecarga de ações – e a sociedade em geral.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br

11 de julho de 2021

O TRABALHO POR QUEM ESTÁ SOB AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

 



Alexandre Luso de Carvalho

 

Não é incomum ver alguém procurando um emprego, mas pedindo que sua Carteira de Trabalho não seja assinada em razão de estar recebendo o auxílio-doença ou ser aposentado por invalidez. Esse tipo de pedido, por vezes, é atendido por quem tem relação mais próxima, mais pessoal com o contratado e que geralmente se constituem nas pequenas empresas, escritórios/consultórios, condomínios de pequeno porte, pequenas ONGS e associações ou, ainda, no âmbito doméstico.

Ocorre que quando atendido esse pedido de contratação está-se diante de uma fraude ao sistema previdenciário, seja contra o INSS, seja contra os institutos de previdências estaduais e municipais, uma vez que tais benefícios (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez) não são concedidos pela doença ou deficiência em si, mas pela incapacidade de trabalho que estas causam. 

Tal tipo de fraude dá-se, basicamente, por dois motivos:

 

a) ser o Brasil um país com 27 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, 12,8% da população[1] e com benefícios previdenciários de valores insuficientes para sustentar uma família, impelindo muitos desses segurados que estão sob os mencionados benefícios a buscarem um meio de complementar a renda, mesmo com o prejuízo de sua já debilitada saúde. É isso ou passar fome. Aqui, saliente-se, não se está justificando a fraude – longe disso –, mas expondo um motivo do ilícito cometido;


b) pelo deliberado intuito de obter ganho indevido.

 

Entretanto, seja por um motivo ou por outro, tal fraude não deixa de configurar o crime de estelionato previdenciário, assim disposto no Código Penal, no artigo 171, parágrafo 3º:

 

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: 

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (...) 

§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

 

Assim, quando descoberta a fraude, o Poder Judiciário entende pela existência do crime de estelionato previdenciário, não importando o motivo e tampouco o valor recebido indevidamente – nesse caso não há crime de bagatela, que é aquele que é tão irrelevante pelo fato em si ou pelo valor, não requer intervenção penal –, levando a respectiva condenação, conforme verifica-se no julgado abaixo:

 

PENAL. CRIME DE ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 171, §3º, DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICÁVEL. SENTENÇA CASSADA. 1. Embora o valor da apropriação não seja de muita monta (R$1.216,53), não há como se aplicar ao caso o princípio da insignificância. As circunstâncias do crime de estelionato não se afeiçoam ao delito de bagatela, comportamento social extremamente repulsivo, de lesão deliberada aos cofres públicos com o único intuito de locupletamento ilícito. 2. Apelação provida. (TRF-1, APR 00018997020064013100, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, julgado em 11.02.2019). (Grifado)

  

Além da condenação criminal, frise-se, o segurado que for descoberto trabalhando estando recebendo o auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, terá o benefício cancelado e será condenado a devolver tais valores com a atualização financeira. 

Portanto, o que se vê e que se deve copiar das grandes empresas e instituições é não contratar quem está usufruindo de algum benefício previdenciário que impossibilite a assinatura da Carteira de Trabalho, pois descoberta a fraude, o contratante também pode ficar em posição delicada perante as autoridades. 

Assim, para concluir, o que parece uma esperteza ou a velha malandragem do brasileiro – e que é vista por muitos como algo sem tanta importância –, na realidade é um crime grave e que constantemente é alvo de fiscalização pelos órgãos previdenciários, policiais e da devida condenação pelo Poder Judiciário, sendo somente uma questão de tempo para a descoberta da fraude e a punição de seus culpados.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/04/08/populacao-abaixo-da-linha-da-pobreza-triplica-e-atinge-27-milhoes-de-brasileiros


4 de julho de 2021

A NOVA LEI PARA OS SUPERENDIVIDADOS


 

Alexandre Luso de Carvalho

  

Ter crédito não é só bom, é necessário também. É importante para os profissionais liberais e autônomos, para os trabalhadores com Carteira de Trabalho assinada, para os servidores públicos e para os aposentados que usam desse expediente (o crédito) para “esticar” até o final do mês a sua remuneração, já que para poucas categorias a correção salarial acompanha a inflação real. 

Todavia, a facilidade de acesso ao crédito pode ter como resultado final a inadimplência, principalmente quando analisamos alguns aspectos que podem levar a essa condição: juros altos, má administração do orçamento de quem toma o crédito, desemprego, retração econômica – asseverada, desde março de 2020 pela pandemia de Covid-19 –, rotineiras práticas abusivas por quem coloca à disposição o crédito, dentre outras causas. Aliás, vale destacar que no Brasil são cerca de 63 milhões de inadimplentes, sendo que destes, 30 milhões são de superendividados, segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC[1]. 

Mas o que é um superendividamento? Segundo o conceito de CLÁUDIA LIMA MARQUES[2] é:

 

“(...) a impossibilidade global de o devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o fisco, oriundas de delitos e de alimentos)”. (Grifado)

 

Com isso, era necessário fazer algo para auxiliar esse número de brasileiros a sair dessa situação, até para que a própria economia ganhe de volta esses consumidores, que se não estão totalmente excluídos do mercado, têm suas possibilidades de consumo muito restritas, o que não é bom para ninguém. 

Assim, após longa tramitação do Projeto de Lei nº 3.515 – que iniciou em 2015 –, no dia 02.07.2021 este foi sancionado pelo Presidente da República e convertido na Lei nº 14.181/2021, que promove alterações no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso, no sentido “aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento”. 

Essas alterações no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso, em resumo, trazem as seguintes novidades:

 

a)   no CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: algumas alterações dizem respeito a princípios de proteção ao consumidor, como educação e prevenção contra o superendividamento; já outras são de aplicação mais concreta, das quais destaco:

 

a.1. a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito” (artigo 6º, inciso XII);

 

a.2. nulidade das cláusulas contratuais de fornecimento de produtos e serviços que:

 

XVII - condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário” (artigo 51);

 

XVIII - estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores;” (artigo 51);

 

a.3. no Título I (Dos Direitos do Consumidor) foi incluído o Capítulo VI-A: “DA PREVENÇÃO E DO TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO”, contendo seis (06) artigos estabelecendo uma série de proteções ao consumidor em relação ao oferecimento de crédito, as informações de custos e taxas e toda uma série de outros aspectos contratuais;

 

a.4. no Título III (Da Defesa do Consumidor em Juízo), foi incluído o Capítulo V: “DA CONCILIAÇÃO NO SUPERENDIVIDAMENTO”, na qual verifica-se uma série de dispositivos no sentido de propiciar, através de mediação feita pelo Poder Judiciário, a repactuação das dívidas do consumidor superendividado;

  

b) no ESTATUTO DO IDOSO: foi alterado o parágrafo 3º do artigo 96, que passou a vigorar com a seguinte redação:

 

Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade: 

Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa. 

§ 3º Não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso. 

 

Sobre essa modificação no Estatuto do Idoso – a não criminalização da negativa de crédito por superendividamento –, a meu ver, é medida acertada, pois protege quem fornece o crédito de mais uma inadimplência, mas principalmente protege o idoso de agravar a sua situação financeira, seja por desorganização sua, seja por uma influência de terceiros, muitas vezes os próprios filhos e/ou netos ou, ainda, pela má-fé de quem oferece produtos e/ou serviços. 

Portanto, vê-se que tais alterações vieram a contribuir de forma significativa na proteção dos direitos dos consumidores e idosos que muitas vezes contratam ou fazem compras a crédito, quase que compelidos pela insistência de quem oferta ou de terceiros, e que acabam por não ter, em razão das dívidas, frequentemente, condições de prover sua própria subsistência e de sua família, o que vai contra qualquer senso de razoabilidade e da observância e promoção da dignidade da pessoa humana, que é um dos princípios que regem a Constituição Federal (artigo, 1º, inciso III[3]).

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] Fonte: https://idec.org.br/idec-na-imprensa/cresce-numero-de-endividados-saiba-organizar-financas#:~:text=Em%20meio%20%C3%A0%20pandemia%20de,vivem%20%C3%A0%20margem%20do%20mercado

[2] MARQUES, Cláudia Lima, Sugestões para uma Lei sobre o Tratamento do Superendividamento de Pessoas Físicas em Contratos de Créditos de Consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord.). Direitos do Consumidor endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: RT, 2006, p. 256.

[3] Constituição Federal, Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;