12 de janeiro de 2021

É LEGAL A INTERVENÇÃO DO ESTADO NOS CONDOMÍNIOS POR CAUSA DA PANDEMIA?


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Nesses tempos de pandemia por Covid-19, quase semanalmente os Estados e/ou municípios publicam decretos determinando o que pode ficar aberto e o que deve ficar fechado. Dentre os objetos desses decretos, estão as áreas comuns dos condomínios residenciais.

 Por causa dessa intervenção do Poder Público nos condomínios, muitas vezes vemos a indignação de parte dos moradores, dizendo: “(...) mas as áreas comuns fazem parte da minha propriedade! E o respeito à propriedade privada? O Estado não pode mandar na minha casa!” Mais uma vez digo: não é bem assim.

 No Direito Administrativo, verifica-se que o domínio ou uso do proprietário sobre seu bem não é absoluto, devendo ser observado o PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE PRIVADO, sobre o qual destaco a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[1]:

 

“O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência.” (Grifado)

 

Ligado a tal princípio, no Direito Constitucional, há algumas limitações ao direito de propriedade, dentre as quais destaco as RESTRIÇÕES, que se relacionam à faculdade de fruição (condicionando o uso do bem), conforme leciona o ilustre jurista José Afonso da Silva[2].

Com isso, quando há interesse público, é cabível ao Poder Público intervir no uso da propriedade privada, obedecendo aos princípios do Direito Administrativo, dentre as quais saliento:

 

a) Princípio da Legalidade: se refere à Administração Pública só poder agir em conformidade com a lei;

 

b) Princípio da Razoabilidade: na lição do já citado Celso Antônio Bandeira de Mello “Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá que obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.[3]”;

 

c) Princípio da Proporcionalidade: os atos administrativos não podem ultrapassar a finalidade do interesse público a que estão atreladas;

 

Assim, resumidamente, em razão do interesse público, em especial do momento em que vivemos – a necessidade imperiosa da contenção da pandemia de Covid-19 – sobrepor-se aos interesses privados, o Poder Público, seguindo, principalmente, esses princípios acima citados tem o direito/dever de intervir temporariamente no uso da propriedade privada, podendo suspender ou condicionar total ou parcialmente esse uso enquanto entender que há perigo para a coletividade.

 Com isso, vê-se que muitos argumentos indignados de condôminos quando a Administração Pública intervém no uso das áreas comuns dos condomínios se fundam mais (e quase somente) em aspectos político-ideológicos do que em aspectos jurídicos (técnicos), o que pode levar o síndico, se não estiver atento e firme, ao descumprimento da lei e às consequentes penalizações pessoais (do síndico), bem como do próprio condomínio.

 Portanto, para finalizar, é importante que o síndico não ceda às reclamações dos condôminos, quando não fundamentadas juridicamente e, por outro lado, que os moradores entendam o período excepcional em que vivemos e auxiliem no cumprimento das determinações das autoridades.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30ª edição. Malheiros Editores. São Paulo, 2012, p. 99.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14ª edição. Malheiros Editores. São Paulo, 1997. P.271.

[3] Op. Cit. p.111.


3 comentários:

  1. Meus parabéns pelo trabalho. Um forte abraco

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  2. Alexandre, não víamos, com frequência, essa intervenção. O entendimento dela, por parte dos condôminos, nem sempre é fácil. Atualmente, essas disposições legais têm sido aplicadas com maior rigor, por justíssima razão. Muito oportuna sua abordagem. Abraço.

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  3. Bom dia, Marilene. Como estás?

    Realmente, pouco víamos essa intervenção. E, até por isso, talvez, seja mais difícil o entendimento dos condôminos que o Estado tem esse poder/dever.

    Muito obrigado pela leitura e pelo elogio.

    Abraço!

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