29 de maio de 2022

COMO FUNCIONA O PROJETO DE LEI POR INICIATIVA POPULAR


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Quando se fala em elaboração das leis ordinárias[1] e complementares[2], geralmente o pensamento é que essas têm como seu nascedouro somente as casas legislativas (Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmara de vereadores) e os poderes executivos (federal, estaduais e municipais). Todavia, a Constituição Federal e constituições estaduais também outorgam ao Poder Judiciário, ao Ministério Público a capacidade de elaborar leis, bem como à própria população. 

Dentre os legitimados a apresentar projetos de leis, muito importante é a alternativa de sua elaboração direta pela própria população, uma vez que não fica condicionada somente à vontade dos representantes eleitos, que na maioria das vezes não desempenham seus mandatos com a fidelidade que deveriam quando de suas candidaturas. 

Com isso, falando mais especificamente de leis federais, quando o assunto é de grande relevância para a população e esta entende ser necessária a elaboração de leis por iniciativa popular, que é regulamentada pela Lei nº 9.709/1998, há de observar-se o seguinte:

 

a)   deve ser apresentado “(...) à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles” (artigo 13, caput);

 

b)  “(...) deverá circunscrever-se a um só assunto (artigo 13, parágrafo 2º);

 

Após a apresentação do projeto de lei à Câmara dos Deputados, esta verificará o cumprimento dos requisitos legais e promoverá a sua tramitação, conforme o estabelecido pelo Regimento Interno, que obedecerá aos seguintes passos[3]:

 

a)   Análise de Conteúdo pelas Comissões Permanentes: nesse momento ocorre o seguinte:

 

a.1. “(...) o projeto é distribuído pelo presidente da Câmara dos Deputados para as comissões temáticas que tratam dos assuntos correlatos a ele, até três no máximo. Essas são chamadas ‘comissões de mérito’, pois analisam o mérito de cada proposta”;

 

a.2. “A Câmara tem 25 comissões permanentes. Em cada comissão, o projeto é analisado por um relator, que recebe e analisa as sugestões (emendas) dos deputados. Ele pode alterar a proposta ou não”;

 

a.3. “Depois de votado o parecer do relator, o projeto segue para a comissão seguinte”;

 

OBSERVAÇÃO: “Se as comissões que analisarão o mérito de determinado projeto forem mais de três, a Câmara dos Deputados cria uma comissão especial para analisar a proposta, para evitar que a tramitação seja muito longa”;

 

b)  Análise de Admissibilidade pelas comissões de Finanças e Tributação (CFT) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), que são as últimas a analisar os projetos, sendo que:

 

b.1. “As propostas que criam gastos ou tratam de finanças públicas passam pela CFT, que avalia se estão adequadas ao Orçamento federal. Todas as propostas passam por último pela CCJC, que avalia se estão de acordo com a Constituição”;

 

b.2. “Essas análises são chamadas de admissibilidade. Se a CFT ou a CCJC considerarem que a proposta não pode ser admitida, por não estar adequada ao Orçamento ou por ser inconstitucional, ela será arquivada. Essas duas comissões também podem analisar o mérito dos projetos, caso tenham sido designadas para isso”;

 

OBSERVAÇÃO: hipótese em que tais projetos não vão ao Plenário. “A maioria dos projetos em tramitação na Câmara só precisa passar pelas comissões. Ou seja, tem tramitação conclusiva nas comissões. Se forem aprovados por todas elas vão direto para o Senado – ou para sanção presidencial, se já tiverem passado pelo Senado. Se forem aprovados por algumas e rejeitados por outras, vão para o Plenário”;

 

c)   Votação no Plenário: nos casos de necessidade de votação no Plenário, há de ser observado:

 

c.1. “O quórum (presença mínima) para votar um projeto de lei ordinária é de maioria absoluta, ou seja, 257 deputados”;

 

c.2. “Para aprovar o projeto, é necessária a maioria simples dos votos, em turno único”;

 

OBSERVAÇÃO: hipóteses em que tais projetos vão ao Plenário: “Precisam ser votados no Plenário, entre outros: projetos de lei complementar; de código; de iniciativa popular; de comissão; projetos aprovados pelo Plenário do Senado; projetos em regime de urgência; e projetos que tramitam em caráter conclusivo, mas que tenham recebido pareceres divergentes nas comissões (pela aprovação e rejeição) ou que tenham sido alvo de recurso para votação em Plenário”;

 

d)  Destaques: Em geral, os deputados aprovam o texto principal do projeto e “destacam” alguns trechos para votação posterior. Esses trechos são chamados destaques. Normalmente, essas votações posteriores servem para confirmar ou retirar alguns trechos do texto da proposta. Também podem ser destacadas emendas, para alterar o texto”;

 

e)   Após a votação no Plenário: vencida essa etapa há duas hipóteses:

 

e.1. “Se tiver iniciado a tramitação na Câmara, o projeto segue para o Senado, onde será analisado e votado. Se for alterado, volta para a Câmara, que analisa apenas as alterações, podendo mantê-las ou recuperar o texto original. Em seguida, vai para sanção ou veto do presidente da República, que tem prazo de 15 dias úteis para sancionar ou vetar o projeto, no todo ou em partes;”

 

e.2. “Se tiver vindo do Senado e for aprovado sem alterações, segue para sanção ou veto do presidente da República. Se for alterado, volta para o Senado, que analisa as mudanças da Câmara, podendo mantê-las ou recuperar o texto original. Em seguida, vai para sanção ou veto do presidente da República, que tem prazo de 15 dias úteis para sancionar ou vetar o projeto, no todo ou em partes”;

 

f)   sobre a Sanção ou o Veto: aqui, destaque-se:

 

f.1. “Se o presidente sancionar (ratificar) o projeto, ele se torna lei e é publicado no Diário Oficial da União.”;

 

f.2. “Se vetar alguns trechos, a parte sancionada vira lei, e os vetos voltam para análise do Congresso Nacional (sessão conjunta da Câmara e do Senado)”;

 

f.3. “Se esses vetos forem mantidos, a lei fica como está”;

 

f.4. “Se forem derrubados, os trechos antes vetados passam a integrar a lei”.

 

Apesar de, para a maioria do público, essa tramitação parecer complexa, demorada e até inócua, vale ressaltar que apesar de poucos projetos de lei de iniciativa popular terem se tornado leis, estes se mostraram relevantes para a nossa sociedade, conforme verifica-se abaixo:

 

a)   Lei nº 8.930/1994 (caso Daniella Perez): incluiu o homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos;

 

b)  Lei nº 9.840/1999 (combate à compra de votos): alterou dispositivos do Código Eleitoral (Lei nº 9.504/1997), coibindo a compra de votos através da penalidade de cassação do mandato;

 

c)   Lei nº 11.124/2005 (Fundo Nacional de Habitação): criou o Fundo Nacional de Habitação para que a população de menor renda tenha acesso à terra urbanizada, no sentido de diminuir o déficit habitacional do país;

 

d)  Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa): lei de iniciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que altera a Lei Complementar nº 64/1990, que estabelece, de acordo com o parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

 

Por fim, o que se deve ter em mente quanto às leis de iniciativa popular, é que essas se constituem num dos mais importantes instrumentos de participação política do cidadão, pois propicia que este não resuma sua atuação somente no momento do voto e pelo acompanhamento da atuação dos políticos que elege, mas pela efetiva e direta elaboração da legislação que entende ser de interesse do país.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] Conceito de Lei Ordinária: Norma jurídica elaborada pelo Poder Legislativo em sua atividade comum e típica, votada mediante processo ordinário e sujeita à sanção ou ao veto presidencial. A lei, quando acompanhada do adjetivo 'ordinária', significa que é comum, habitual. (https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/gestao-na-camara-dos-deputados/responsabilidade-social-e-ambiental/acessibilidade/glossarios/dicionario-de-libras/l/lei-ordinaria).

[2] Conceito de Lei Complementar: A lei complementar fixa normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, conforme a Constituição. O quórum para aprovação de projeto de lei complementar é maioria absoluta das duas Casas do Congresso (41 senadores e 257 deputados). (https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/lei-complementar#:~:text=A%20lei%20complementar%20fixa%20normas,41%20senadores%20e%20257%20deputados).

[3] Fonte: https://www.camara.leg.br/entenda-o-processo-legislativo/


22 de maio de 2022

APROVADO PELO SENADO O AUMENTO DA PENA POR INJÚRIA RACIAL EM EVENTOS ESPORTIVOS E NO HUMOR


 

Alexandre Luso de Carvalho

  

Em artigo postado neste blog em 21.11.2021, intitulado A Equiparação do Crime de Injúria Racial ao Crime de Racismo[1], foi abordado o fato de o Senado Federal ter aprovado o Projeto de Lei nº 4.373/2020, de iniciativa do Senador Paulo Paim (PT-RS), no qual tipifica a injúria racial como crime de racismo, aumentando a pena (passando de um a três anos de reclusão e multa para, de dois a cinco anos de reclusão) e tornando-o imprescritível e imprescindível. 

No mencionado artigo, recapitulando, foi feita uma breve diferenciação conceitual entre os dois crimes. Vejamos:

 

a)   crime de racismo: “(...) implica numa conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos”, cuja pena é de dois a cinco anos de reclusão, conforme disposto na Lei nº 7.716/1989[2];

 

b)  crime de injúria racial: “(...) consiste em ofender a honra de alguém, valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem (...)”, com pena de reclusão de um a três anos e multa (Código Penal, artigo 140, parágrafo 3º), ou seja, mais branda que o crime de racismo.


Ocorre que foi acrescentado ao Projeto de Lei original os seguintes dispositivos (transcritos e grifados):

 

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

(...)

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido através dos meios de comunicação social, publicação em redes sociais, rede mundial de computadores, ou publicação de qualquer natureza:

(...)

§ 2º-A. Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais, destinadas ao público: 

Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e proibição de frequência, por três anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas, culturais, destinadas ao público, conforme o caso. 

§ 2º-B. Sem prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas mesmas penas previstas no caput deste artigo quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas de matriz africana. 

“Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de um terço até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação.”(NR) 

Art. 20-B. Os crimes previstos nos arts. 2º-A e 20 desta Lei terão as penas aumentadas de um terço até a metade, quando praticados por funcionário público, conforme definição prevista no Código Penal, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las.”(NR) 

“Art. 20-C. Na interpretação desta Lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência. ”(NR) 

“Art. 20-D. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a vítima dos crimes de racismo deverá estar acompanhada de advogado ou defensor público.” (NR) 

 

Tal ampliação do Projeto de Lei ainda depende da sanção (aprovação) ou veto (não aprovação) presidencial. Sendo vetado, cumpre destacar, que o Congresso (Câmara dos Deputados e Senado) ainda pode derrubar o veto do Presidente, o que significa que tal Projeto de Lei, de qualquer modo, terá, nessa hipótese, a sua aprovação assegurada e modificará a Lei nº 7.716/1989 (lei que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor). 

Por fim, saliente-se que o Projeto de Lei em questão, ampliando a pena de injúria racial em eventos esportivos - especialmente em estádios de futebol - e de entretenimento (humor especificamente) é absolutamente necessário, já que há alguns anos os racistas sentem-se cada vez mais à vontade para expressar em público esse repugnante sentimento e ainda argumentam que qualquer oposição a isso é somente “mimimi de politicamente correto”. Não é "mimimi", mas sim é a luta da sociedade civil organizada, do Poder Judiciário e de setores da política contra racismo e suas manifestações. Ou seja, quem pensa que “a carne mais barata do mercado é a carne negra[3] não pode ter espaço para contaminar as futuras gerações com pensamentos ou filosofias supremacistas, pois o que buscamos é que o racismo seja somente parte de um passado vergonhoso de nosso País.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] https://alexandrelusodecarvalho.blogspot.com/2021/11/a-equiparacao-do-crime-de-injuria.html

[2] Lei nº 7.716/1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

[3] Música A Carne (Compositores: Seu Jorge / Marcelo Yuka / Ulisses Cappelette): https://www.youtube.com/watch?v=3roWrLfYkoE


1 de maio de 2022

A TRANSMISSÃO DO DIREITO DE AÇÃO POR DANOS MORAIS AOS HERDEIROS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Não raro, no mundo jurídico, vemos a seguinte situação: uma pessoa sofre dano moral e, com isso tem o direito de buscar a devida indenização, mas antes de ajuizar a ação a vítima do dano falece; ou já com o processo em tramitação (já ajuizado) vem a falecer. E daí a pergunta é: o que fazer? Deixa de ajuizar a ação? Pede o arquivamento do processo em razão do óbito? Não é o caso.

Após inúmeros casos decididos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, em 07.12.2020 foi publicada a Súmula nº 642, que determina o seguinte:

 

O direito à indenização por danos morais transmite-se com o falecimento do titular, possuindo os herdeiros da vítima legitimidade ativa para ajuizar ou prosseguir a ação indenizatória.

  

Tal possibilidade do ajuizamento ou prosseguimento da indenização pelos herdeiros – que é uma consequência à lesão de um direito personalíssimo e subjetivo da vítima – dá-se em razão de alguns aspectos, dentre os quais podem ser destacados:

 

a) o direito à indenização, com a expectativa de recebimento de valores a título reparatório, passa a fazer parte do patrimônio da vítima e, portanto, passa a ser transmissível aos seus herdeiros;

 

b) as três funções da indenização:  punitiva (para quem cometeu o ilícito), pedagógica (para quem cometeu o ilícito e para a sociedade, no sentido de que tal prática não pode ser realizada) e reparatória (para a vítima e com a Súmula 642 do STJ para os seus herdeiros).

 

Assim, a partir da Súmula 642, que pacificou o entendimento jurisprudencial, o ajuizamento da ação para a devida reparação pode ser feito pelos herdeiros, pois não houve perda das finalidades do instituto da indenização. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


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