Alexandre Luso de Carvalho
Ter crédito não é só bom, é necessário também. É importante para os profissionais liberais e autônomos, para os trabalhadores com Carteira de Trabalho assinada, para os servidores públicos e para os aposentados que usam desse expediente (o crédito) para “esticar” até o final do mês a sua remuneração, já que para poucas categorias a correção salarial acompanha a inflação real.
Todavia, a facilidade de acesso ao crédito pode ter como resultado final a inadimplência, principalmente quando analisamos alguns aspectos que podem levar a essa condição: juros altos, má administração do orçamento de quem toma o crédito, desemprego, retração econômica – asseverada, desde março de 2020 pela pandemia de Covid-19 –, rotineiras práticas abusivas por quem coloca à disposição o crédito, dentre outras causas. Aliás, vale destacar que no Brasil são cerca de 63 milhões de inadimplentes, sendo que destes, 30 milhões são de superendividados, segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC[1].
Mas
o que é um superendividamento? Segundo o conceito de CLÁUDIA
LIMA MARQUES[2] é:
“(...) a impossibilidade
global de o devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas suas dívidas atuais e futuras de consumo
(excluídas as dívidas com o fisco, oriundas de delitos e de alimentos)”.
(Grifado)
Com isso, era necessário fazer algo para auxiliar esse número de brasileiros a sair dessa situação, até para que a própria economia ganhe de volta esses consumidores, que se não estão totalmente excluídos do mercado, têm suas possibilidades de consumo muito restritas, o que não é bom para ninguém.
Assim, após longa tramitação do Projeto de Lei nº 3.515 – que iniciou em 2015 –, no dia 02.07.2021 este foi sancionado pelo Presidente da República e convertido na Lei nº 14.181/2021, que promove alterações no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso, no sentido “aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento”.
Essas
alterações no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso, em resumo,
trazem as seguintes novidades:
a)
no CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: algumas alterações dizem respeito a princípios de proteção ao consumidor,
como educação e prevenção contra o superendividamento; já outras são de
aplicação mais concreta, das quais destaco:
a.1. “a preservação do mínimo existencial, nos termos da
regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito”
(artigo 6º, inciso XII);
a.2. nulidade das cláusulas
contratuais de fornecimento de produtos e serviços que:
“XVII - condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do
Poder Judiciário” (artigo 51);
“XVIII
- estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações
mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de
seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os
credores;” (artigo 51);
a.3. no Título I (Dos
Direitos do Consumidor) foi incluído o Capítulo VI-A: “DA
PREVENÇÃO E DO TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO”, contendo seis (06)
artigos estabelecendo uma série de proteções ao consumidor em relação ao
oferecimento de crédito, as informações de custos e taxas e toda uma série de
outros aspectos contratuais;
a.4. no Título III (Da
Defesa do Consumidor em Juízo), foi incluído o Capítulo V: “DA
CONCILIAÇÃO NO SUPERENDIVIDAMENTO”, na qual verifica-se uma série de
dispositivos no sentido de propiciar, através de mediação feita pelo Poder
Judiciário, a repactuação das dívidas do consumidor superendividado;
b) no ESTATUTO DO IDOSO: foi
alterado o parágrafo 3º do artigo 96, que passou a vigorar com a seguinte
redação:
Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade:
Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um)
ano e multa.
§ 3º Não constitui crime a negativa de crédito motivada por
superendividamento do idoso.
Sobre essa modificação no Estatuto do Idoso – a não criminalização da negativa de crédito por superendividamento –, a meu ver, é medida acertada, pois protege quem fornece o crédito de mais uma inadimplência, mas principalmente protege o idoso de agravar a sua situação financeira, seja por desorganização sua, seja por uma influência de terceiros, muitas vezes os próprios filhos e/ou netos ou, ainda, pela má-fé de quem oferece produtos e/ou serviços.
Portanto,
vê-se que tais alterações vieram a contribuir de forma significativa na
proteção dos direitos dos consumidores e idosos que muitas vezes contratam ou
fazem compras a crédito, quase que compelidos pela insistência de quem oferta
ou de terceiros, e que acabam por não ter, em razão das dívidas, frequentemente,
condições de prover sua própria subsistência e de sua família, o que vai contra
qualquer senso de razoabilidade e da observância e promoção da dignidade da
pessoa humana, que é um dos princípios que regem a Constituição Federal
(artigo, 1º, inciso III[3]).
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Fonte: https://idec.org.br/idec-na-imprensa/cresce-numero-de-endividados-saiba-organizar-financas#:~:text=Em%20meio%20%C3%A0%20pandemia%20de,vivem%20%C3%A0%20margem%20do%20mercado
[2] MARQUES, Cláudia Lima, Sugestões para uma Lei sobre o Tratamento do Superendividamento de Pessoas Físicas em Contratos de Créditos de Consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord.). Direitos do Consumidor endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: RT, 2006, p. 256.
[3] Constituição Federal, Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;
Nota💯
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