- Alexandre Luso de Carvalho
Devido
a pandemia de Coronavírus, assim como no Mundo inteiro, a obrigatoriedade do
uso de máscara para autoproteção e de terceiros, passou a ser objeto de
determinação das autoridades públicas. Aqui no Brasil, isso ocorreu por meio de
decretos municipais e estaduais.
No
Brasil, somente em 02.07.2020 é que, no âmbito federal, o uso de máscara
tornou-se obrigatório, devido a publicação da Lei nº 14.019, alterando a Lei nº
13.979/2020 (que estabelece as medidas de enfrentamento à pandemia), conforme
verifica-se abaixo:
a) a obrigatoriedade do uso da máscara,
seguindo as orientações médicas, em espaços
públicos (parques, praças, calçadões e, no meu entendimento, também prédios
públicos que estejam funcionando), e locais
privados, mas com o acesso do público (supermercados, shoppings, agências
bancárias, farmácias, etc.), bem como em transportes coletivos, táxis e
veículos por aplicativos;
b) as exceções para o não uso da
máscara, mostrando sensatez e sensibilidade são as seguintes:
b.1. pessoas com transtorno do
espectro autista, com deficiência intelectual, com deficiências sensoriais ou
com quaisquer outras deficiências que as impeçam de fazer o uso adequado de
máscara de proteção facial, desde que comprovadas essas situações por atestado
médico;
b.2. crianças menores de três (03) anos de idade;
c) a preferência de atendimento
nos estabelecimentos de saúde aos profissionais dessa área, da segurança
pública;
d) o auxílio pelas empresas
concessionárias de transporte público na fiscalização e do cumprimento do
uso de máscaras, podendo, inclusive intervir no acesso aos terminais por elas
operados;
e) a determinação aos órgãos e entidades
públicos, bem como às empresas permissionárias e concessionárias para
que adotem medidas preventivas à proliferação de doenças.
Essas
alterações acabaram com algumas dúvidas e impasses até então existentes, devido
às próprias dissonâncias entre o Executivo Federal com Estados e Municípios e
aproximou um pouco os protocolos de segurança sanitária entre esses entes
federativos.
Todavia, o Projeto de Lei
(PL 1562/2020), com o Substitutivo do Senado, que originou a Lei em questão,
foi sancionado pelo Presidente da República com dezessete (17) vetos, sendo
que, provavelmente, o que mais causou
polêmica foi o veto ao inciso III do artigo 3º-A, com a seguinte redação:
Art. 3º-A. É obrigatório manter boca e nariz cobertos por máscara de
proteção individual, conforme a legislação sanitária e na forma de
regulamentação estabelecida pelo Poder Executivo federal, para circulação em
espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em
transportes públicos coletivos, bem como em:
(...)
III –
estabelecimentos comerciais e industriais, templos religiosos, estabelecimentos
de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas. (VETADO)
A justificativa de veto
desse dispositivo legal, está na mensagem de veto nº 374, de 02.07.2020,
conforme transcrição abaixo:
Razões do veto
“A propositura legislativa, ao estabelecer que o
uso de máscaras será obrigatório em demais locais fechados em que haja reunião
de pessoas, incorre em possível violação
de domicílio por abarcar conceito abrangente de locais não abertos ao público,
a teor do art. 5º, XI, da Constituição Federal, o qual dispõe que a casa é
asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento
do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Deste modo, não havendo
a possibilidade de veto de palavras ou trechos, conforme o § 2º do artigo 66 da
Constituição da República, impõe-se o veto do dispositivo.” (Grifado)
Em contraponto à mensagem
de veto, a Secretaria-Geral da Mesa da Câmara dos Deputados (SGM), em matéria
veiculada no site daquela Casa legislativa[1], sobre o
veto ao inciso III do artigo 3º-A, pronunciou-se da seguinte forma:
“No entendimento da Secretaria-Geral da Mesa (SGM) da
Câmara, no entanto, ‘demais locais fechados’ refere-se a espaço privado acessível ao público e nunca a domicílios.
Para a SGM, a garantia constitucional de inviolabilidade de domicílio não
poderia, em nenhuma hipótese, ser afastada por lei ordinária.” (Grifado)
Particularmente, entendo da
mesma forma que a SGM da Câmara dos Deputados, pois o caput do próprio artigo 3º-A deixa claro a que se destina a
obrigatoriedade do uso de máscaras: “espaços
públicos e privados acessíveis ao
público, em vias públicas e em transportes públicos coletivos”. Ou seja, os espaços privados de acesso
público são lojas, shoppings, escolas, templos religiosos, restaurantes, etc. Não residências.
Frise-se: os domicílios só perdem
a sua inviolabilidade em caso de flagrante
delito, conforme determina o artigo 5º, inciso XI[2] da
Constituição Federal. Assim, trazendo esse dispositivo constitucional para o
caso em questão, as residências teriam que ter a sua finalidade desvirtuada.
Exemplos: um domicílio passar a receber cultos religiosos ou uma chácara de
lazer, de uso familiar, virar casa de eventos ou de festas. Em ambos os casos
estar-se-ia diante do descumprimento de restrições/determinações sanitárias, o
que, dependendo do texto legal é um delito com repercussões penais. Portanto,
não vejo sentido jurídico no veto do mencionado dispositivo.
Outros artigos vetados que
me chamaram, particularmente a atenção, foram o 3º-B, 3º-C e 3º-F, com as
seguintes redações:
“Art. 3º-B. Os estabelecimentos
autorizados a funcionar durante a pandemia da Covid-19 são obrigados a fornecer a seus funcionários e colaboradores máscaras
de proteção individual, ainda que de fabricação artesanal, e outros
equipamentos de proteção quando o estabelecimento funcionar com atendimento ao
público.
§ 1º O
descumprimento da obrigação prevista no caput deste artigo acarretará a
imposição de multa de até R$ 300,00 (trezentos reais) por funcionário ou
colaborador, que será aplicada em dobro nos casos de reincidência.
§ 2º O
disposto no § 1º deste artigo será regulamentado por decreto ou por ato
administrativo do Poder Executivo estadual ou municipal, que estabelecerá as autoridades
responsáveis pela fiscalização da obrigação prevista no caput e pelo
recolhimento da multa prevista no § 1º deste artigo.
§ 3º A
obrigação prevista no caput deste artigo também se aplica a órgãos e entidades
públicos.
§ 4º Na
aquisição das máscaras de proteção individual a serem fornecidas em virtude do
disposto no § 3º deste artigo, deve o poder público dar preferência às
produzidas artesanalmente, por costureiras ou outros produtores locais, de
forma individual, associada ou por meio de cooperativas de produtores,
observado sempre o preço de mercado.
Art. 3º-C
As multas previstas no § 1º do art. 3º-A e no § 1º do art. 3º-B desta Lei
somente serão aplicadas na ausência de normas estaduais ou municipais que
estabeleçam multa com hipótese de incidência igual ou semelhante.” “Art. 3º-D
Os recursos advindos das multas previstas no § 1º do art. 3º-A e no § 1º do
art. 3ºB desta Lei deverão ser utilizados obrigatoriamente no enfrentamento da
pandemia da Covid-19 no País. Parágrafo único. Os valores recolhidos deverão
ser informados em portais de transparência ou, na falta destes, em outro meio
de publicidade, para fins de prestação de contas.
(...)
“Art. 3º-F
É obrigatório o uso de máscaras de proteção individual a todos os trabalhadores
dos estabelecimentos prisionais e de cumprimento de medidas socioeducativas,
incluídos os prestadores de serviço, observada a primeira parte do caput do
art. 3º-B desta Lei.”
Com
isso, a lei em questão poderia ser mais abrangente
e, portanto, eficaz, se muitos dos artigos não tivessem sido vetados pelo
Presidente da República, pois, aqui perdeu-se uma excelente oportunidade de:
a)
ampliar a proteção
estabelecida em lei para a população economicamente ativa, dos setores público
e privado, e, não depender de acordos privados, que podem ser feitos ou não;
ou, ainda, de normatização municipal e estadual, que pode ter uma grande
variação, o que não auxilia no combate a uma pandemia, que necessita de uma
série de determinações e ações coordenadas;
b)
NORMATIZAR UMA QUESTÃO
TRABALHISTA, pois, no atual momento a máscara (descartável ou reutilizável) é,
sem dúvida, um EPI (equipamento de proteção individual), independentemente da
característica originária da função e, portanto, incumbe ao empregador fornecer
esse material, conforme determina a Norma Regulamentadora nº 6 (NR-6) e artigo
166 da CLT[3].
Todavia, se alguns empregadores entenderem que não devem fornecer tal
equipamento aos empregados, isso causará uma série de embaraços nas rotinas
trabalhistas e pode ser motivo de inúmeras de ações perante à Justiça do
Trabalho.
Assim, os vetos aqui
tratados, a meu ver, só podem ser explicados por motivos políticos, no sentido
de contemplar um determinado grupo, dado a improbabilidade de “violação de domicílio” e pelos custos que isso acarretaria, tanto para o setor público, como
para o privado, em razão do fornecimento do equipamento e do descumprimento da
obrigação expressa em fornecer a máscara.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[2] Constituição Federal. Art. 5º (...). XI - a casa é asilo inviolável do
indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre,
ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
[3] CLT, art. 166 - A empresa é obrigada a fornecer aos empregados,
gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em
perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem
geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à
saúde dos empregados.
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