19 de março de 2023

O DESVIO DE FUNÇÃO NA RELAÇÃO DE EMPREGO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Nas relações trabalhistas brasileiras vemos que a maioria dos empregadores não observam o que foi contratado, seja por desorganização, seja para auferir maiores lucros ou, ainda, seja pelos encargos dos funcionários e pela carga tributária que pesam de modo implacável sobre as empresas, principalmente. Todavia, tal comportamento, seja pelo motivo que for, se mostra absolutamente danoso, conforme será resumido a seguir. 

Um dos modos de não cumprimento do contrato é o DESVIO DE FUNÇÃO, que ocorre quando o empregado exerce função diferente da qual foi contratado, sem o pagamento do salário correspondente. 

Quando ocorre o desvio de função, naturalmente tal fato gera o direito do empregado ao recebimento das diferenças salariais e seus reflexos enquanto houver tal desvio. 

Todavia, para que fique caracterizado o desvio de função com o direito ao recebimento das diferencias salariais, são necessários alguns requisitos:

 

a)   o empregador tenha pessoal organizado em quadro de carreira organizado com pisos salariais diferenciados para cada função ou que existam normas coletivas com essa diferenciação;

 

b)  que a função desempenhada tenha salário superior para a qual foi contratado;

 

c)  a comprovação de evidente diferença entre a atividade para qual o empregado foi contratado e a que ele desenvolveu em razão do desvio.

 

Importante destacar que quando o desvio de função ocorrer para a execução de tarefas menos qualificadas para o qual o empregado foi contratado, estar-se-á diante do que se denomina rebaixamento, que é ilegal e, portanto, pode ensejar indenização por danos material e moral ao funcionário. 

Outro aspecto que é fundamental quanto ao desvio de função é que cabe ao empregado provar que tal fato ocorre (ou ocorreu), não havendo, nesse caso, a inversão do ônus da prova, comum nos processos trabalhistas. 

Por fim, cabe deixar claro a importância de se cumprir o que está determinado no contrato de trabalho e que se houver a necessidade de o funcionário exercer outra função, que isso seja ajustado e devidamente registrado em aditivo contratual, bem como na Carteira de Trabalho. Digo isso, pois dessa maneira o empregador terá um empregado satisfeito e evitará uma possível condenação judicial, que acarreta um ônus que muitas vezes traz um sério dano financeiro ao empregador. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


Fonte da imagem: imagem livre da internet

5 de março de 2023

O ACÚMULO DE FUNÇÕES NA RELAÇÃO DE TRABALHO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Nas relações de trabalho com vínculo empregatício, não raro vê-se uma situação que gera ao empregado um óbvio sentimento de estar sendo explorado e que pode acarretar ao empregador um considerável problema financeiro em caso de condenação trabalhista: é o acúmulo de funções. 

O acúmulo de funções ocorre quando o empregado é contratado para uma determinada função e em algum momento da relação contratual o empregador o obriga a exercer juntamente com a função para a qual foi contratado outra função que não estava no pacto original e se caracteriza por ser incompatível, frise-se, com aquela para o qual o empregado foi contratado e com a condição pessoal do trabalhador. 

A partir do momento em que se caracteriza o acúmulo de funções, vem a segunda pergunta: qual o valor a ser recebido pelo empregado? A CLT não estabelece um percentual salarial para o acúmulo de função. Assim, costuma-se utilizar o percentual entre 10% a 40% do salário do trabalhador. 

Com isso, o que se indica aos partícipes do contrato de trabalho (empregador e empregado) quando se estiver diante do acúmulo de funções é o seguinte:

 

a)   ao EMPREGADOR: no sentido de cumprir a lei, de cumprir o contrato e de evitar uma posterior condenação judicial, ao qual incidirá juros e correção monetária sobre o valor devido a partir do momento do acúmulo de funções, bem como evitar uma rescisão indireta – que acarreta o pagamento de todos os valores relativos a despedida sem justa causa –, se aconselha a escolher uma das duas opções:

 

a.1. a inserção de tal acúmulo por meio de aditivo contratual, com a concordância do trabalhador, e anotação na Carteira de Trabalho e realizar o devido pagamento; 

a.2. a contratação de funcionários ou prestadores de serviços terceirizados para a respectiva função.

 

b) ao EMPREGADO: diante do acúmulo de funções sem sua concordância e, obviamente sem o aumento salarial devido, este deve juntar provas acerca do fato  é dever do empregado provar tal situação – e no momento devido buscar orientação profissional acerca da atitude a ser tomada e quando isso deve ocorrer. 

 

Por fim, o que se vê sobre o acúmulo de funções é que tal prática, dependendo do caso, não é proibida, todavia, assim como a maioria das situações que ocorrem na relação de trabalho é necessário que se proceda a devida regularização para que nenhuma das partes venha a sofrer, isto é, o empregado durante a relação de trabalho com um direito não respeitado; e o empregador, com uma condenação trabalhista que, dependendo do valor pode acarretar um abalo profundo em suas finanças e até impedir a continuidade de suas atividades. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


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26 de fevereiro de 2023

AS ATRIBUIÇÕES DOS CONSELHOS FISCAIS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Quando se fala em Conselho Fiscal, seja de um condomínio, de uma associação, de uma fundação, de uma igreja ou de qualquer entidade que tenha tal órgão em seu estatuto, o que se verifica muitas vezes é o desconhecimento sobre este quanto: a) a sua natureza ou característica; b) as suas atribuições; c) os seus limites; d) a sua composição e atribuições dos integrantes. Tal desconhecimento, como não poderia deixar de ser, acarreta uma série de problemas para essas entidades e condomínios e, não raro, para os seus membros, de modo individual. 

Assim, cabe alguns rápidos esclarecimentos para que tais confusões sobre os conselhos fiscais sejam esclarecidas. Vejamos:

 

a)   NATUREZA OU CARACTERÍSTICA: 

a.1. o conselho fiscal é um órgão independente da Administração (diretoria, síndico, etc.) e da Assembleia Geral, uma vez que tem a função de fiscalização financeira e patrimonial e, portanto, não pode estar subordinado ou vinculado à Administração; 

a.2. tem autonomia para ter organização e rotinas próprias;

 

b)  ATRIBUIÇÕES:  as atribuições principais de qualquer conselho fiscal são: 

b.1. a fiscalização das contas, emitindo parecer (opinião) à Assembleia Geral acerca da aprovação ou desaprovação das contas da administração durante o mandato; 

b.2. emitir parecer sobre a compra e venda de patrimônio (móvel e imóvel), bem como de investimentos financeiros; 

b.3. dependendo dos casos – em condomínios, principalmente –, liberar um valor específico de sua alçada (previsto na convenção) para reparos e serviços emergenciais, que posteriormente serão referendados pela Assembleia, no momento da prestação de contas;

 

c)   LIMITES: sendo um órgão independente da Administração e da Assembleia Geral, os limites do Conselho Fiscal estão contidos em suas próprias atribuições, ou seja, fiscalizar e emitir pareceres. Assim, qualquer outro ato que este (o Conselho Fiscal) pratique é indevido e, portanto, passível de nulidade (que pode ser declarada pela Assembleia Geral ou pelo Poder Judiciário, inclusive);

 

d)  COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES: o Conselho Fiscal é composto por membros titulares e membros suplentes, cujo número dependerá do estatuto de cada entidade e/ou condomínio (a prática é que sejam 3 titulares e 3 suplentes), bem como as atribuições de cada um de seus membros.

 

Outra confusão na atuação do Conselho Fiscal vê-se quando se está diante do denominado “Conselho Consultivo e Fiscal”, principalmente em condomínios. Veja-se: sendo o Conselho Fiscal um órgão independente, por sua natureza fiscalizatória, este não pode ao mesmo tempo ser um órgão de consultoria (de apoio) à mesma Administração, uma vez que esse apoio significa vinculação aos projetos e ações de quem é fiscalizado. É um hibridismo ilógico. Assim, o correto é a existência de dois conselhos com integrantes distintos: um fiscal (independente) e um consultivo (vinculado à Administração). 

Por fim, quando se entende as reais atribuições do Conselho Fiscal, quais sejam, a de fiscalização e emissão de pareceres (opiniões) acerca de contas e eventuais compra e venda de patrimônio; não possuindo qualquer poder decisório e tampouco a função de apoio à Administração, fica muito mais fácil manter a harmonia deste com os demais órgãos (Diretoria e/ou síndico, no caso de condomínio e Assembleia Geral) e, principalmente, a correção dos atos administrativos.

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808 


alexandre_luso@yahoo.com.br


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12 de fevereiro de 2023

SEUS DIREITOS DURANTE AS VIAGENS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

O Brasil está em plena alta temporada de veraneio e carnaval, o que significa que uma enormidade de pessoas está viajando e viajará. Com isso, toda uma gama de produtos e serviços são oferecidos no mercado para atender esse público. 

Ocorre que, nessas épocas de alta temporadas de viagens, além da sempre bem-vinda movimentação da economia, vem um efeito colateral: casos de lesão aos diretos desses viajantes. E isso ocorre em vários seguimentos que fazem parte de nicho de mercado, quais sejam, as agências de viagens, empresas aéreas, empresas de ônibus, locadoras de veículos, hotéis, sites ou aplicativos de reserva de imóveis, imobiliárias restaurantes, lojas, imobiliárias, além de pessoas físicas, como locadores de imóveis e prestadores de serviços. 

Essas lesões aos direitos das pessoas que viajam podem ter natureza:

 

a) consumerista, ou seja, relacionada às relações de consumo e são preponderantemente regidas pelo Código de Defesa do Consumidor;

 

b) civil, que são regidas pelo Código Civil, lei de locações e outras que não são o Código de Defesa do Consumidor;

 

c) criminal, quando a lesão ao direito extrapola as relações civil e de consumo e, também, se configura crime, com punições determinadas pelo Código Penal e outras leis específicas dessa natureza. Exemplo: estelionato, furto, racismo, constrangimento ilegal, etc. 

 

Independentemente de qual a natureza da lesão ao direito, importante é que se busque a proteção do Estado para que quem cometeu a ilegalidade seja punido (pessoa jurídica ou física) e a vítima possa ser ressarcida, tanto sob o aspecto material, quanto moral (quando couber dano moral). 

Ocorre que muitas pessoas entendem que a busca pelos seus direitos não vale à pena, uma vez que se encontram fora de sua cidade e, portanto, o custo e o tempo perdido não compensam. Entretanto, não é bem assim. Vejamos alguns aspectos importantes:

 

a) nas ações envolvendo relações de consumo as facilidades maiores são para o consumidor, pois:

 

a.1. o foro (a cidade) de tramitação do processo é o do domicílio do consumidor[1]. Por exemplo, se ocorre um problema envolvendo um hotel em Manaus e o hóspede reside em Porto Alegre, a ação será ajuizada na cidade de Porto Alegre;

 

a.2. há inversão do ônus da prova[2], ou seja, cabe ao fornecedor de produtos e prestador de serviços provar que agiu em conformidade com a lei. Entretanto, sempre é fundamental que o consumidor tenha alguma prova que demonstre que a situação por ele narrada corresponde à verdade; 

 

b) nos casos envolvendo ações cíveis e criminais os processos tramitam no foro (cidade) de quem cometeu o ilícito (réu) ou onde ocorreu o fato. Todavia, é fundamental ressaltar que hoje em dia os processos são eletrônicos em sua tramitação (incluindo, muitas vezes, as audiências que são realizadas por videoconferência). Com isso, as ações podem ser ajuizadas pelo advogado de confiança da pessoa que foi lesada sem que esse tenha que deslocar-se à outra cidade ou Estado, o que muitas vezes tornava inviável a busca pela tutela do Poder Judiciário.

 

Assim, para que os viajantes tenham a possibilidade de buscarem seus direitos em caso de serem vítimas de golpes ou da má-prestação de serviços é fundamental que se atentem e guardem por meio virtual ou por meio físico (papel) toda a documentação acerca do que se contrata, isto é, desde o anúncio, passando pela contratação, pela prova do dano sofrido até a reclamação extrajudicial. Sem isso, a possibilidade de reparação desses danos fica mais difícil e, dependendo do caso, impossível. 

No entanto, antes das medidas a serem tomadas quando houver uma lesão ao direito de quem está em viagem, é fundamental, para diminuir a possibilidade desses problemas ocorrerem, a prévia pesquisa de quem se irá contratar. E isso pode ser feito por meio de consultas em sites de reclamações de serviços e produtos, nos sites de busca de processos judiciais ou dos Tribunais de Justiça do Estado de destino ou de contratação (e isso pode ser feito a partir do nome, CNPJ e CPF de quem será contratado) e até, em caso de contrato de locação de imóvel, em avaliação por advogado antes de assiná-lo e fazer qualquer pagamento. 

Por fim, a partir do que foi dito acima, a conclusão é bastante simples sobre o planejamento da viagem: a) pesquisar os prestadores de serviços e fornecedores de produtos antes da contratação; b) mesmo durante a viagem ficar atento aos prestadores de serviço e fornecedores de produtos; c) se problemas ocorrerem, buscar uma orientação para que se busque a devida reparação. A atenção pode ser a diferença entre o sucesso ou o fracasso do passeio. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

  

alexandre_luso@yahoo.com.br


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[1] Código de Defesa do Consumidor, Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor;

[2] Código de Defesa do Consumidor, Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;


5 de fevereiro de 2023

A VENDA DE BENS DURANTE O INVENTÁRIO

 



Alexandre Luso de Carvalho

 

I - INTRODUÇÃO

 

É do conhecimento geral que quando uma pessoa falece e deixa bens (móveis, imóveis e valores), é necessário abrir o inventário para que se faça a transmissão da propriedade para o herdeiro ou herdeiros. 

Todavia, não raro ocorre da necessidade ou possibilidade de vender um ou mais bens do espólio (conjunto de bens deixados pela pessoa falecida) por vários motivos, dentre eles:

 

a) para pagar as custas processuais e o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), quando o herdeiro ou os herdeiros não têm condições de realizá-lo e quando no espólio não há valores para tais pagamentos; 

b) quando é feita uma proposta de compra por valor e/ou condições diferenciadas de um ou mais bens e esta agrade a todos os herdeiros; 

c) por alguma outra necessidade urgente de um ou de outros herdeiros, desde que os demais concordem com a venda; 

d) dívida deixada pelo falecido e que acarretem juros e encargos durante a tramitação do processo; 

e) depreciação e consequente desvalorização do bem ao longo da tramitação do inventário.

 

Para que tal negócio possa ocorrer de modo legal e seguro para ambas as partes, esta deve ser feita por dois meios: o alvará judicial ou a cessão de direitos hereditários, que serão abordados, resumidamente, a seguir. 

 

II – VENDA MEDIANTE ALVARÁ DE AUTORIZAÇÃO

 

Tal possibilidade existe e está prevista no artigo 619, inciso I do Código de Processo Civil[1], salientando que para a venda, é necessária a autorização do juiz, que expedirá alvará judicial, onde constarão as informações do bem (ou bens) à venda, o prazo e o valor mínimo para o negócio, além de outras disposições que o magistrado entender pertinentes. 

Entretanto, sempre é importante reiterar: para ocorrer a venda do bem (ou bens) é imprescindível a concordância de todos os herdeiros; caso contrário a venda não será autorizada, conforme entendimento dos tribunais[2]. 

Importante frisar que sem a autorização judicial a venda de bens é nula e, portanto, não será lavrada a escritura pública, em caso de bem imóvel; se for um veículo, não poderá ser vendido com a transmissão realizada em tabelionato e tampouco com a comunicação de venda realizada pelo DETRAN. 

 

III – CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS

 

Outro modo de “venda” (que não é uma venda) é a cessão de direitos hereditários, disposto no Código Civil entre os artigos 1.793 a 1.795, que consiste na “(...) forma de transferência de direitos recebidos pela abertura da sucessão e que deve ser realizada por escritura pública, mas antes de concluída a partilha, ou até mesmo antes de aberto o inventário. (...)[3], conforme conceituação contida no site da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR), e na qual devem ser observados alguns aspectos essenciais, quais sejam:


a) deve haver a concordância de todos os herdeiros; 

b) é necessário o alvará judicial quando dentre os herdeiros cendentes houver menor de idade ou maior incapaz; 

c) necessita que seja respeitada a cota dos demais herdeiros, não se admitindo a cessão de determinado bem considerado singularmente; 

d) os demais herdeiros têm preferência para serem cessionários; 

e) se o cendente for casado, independente do regime de bens, dependerá da autorização do cônjuge; 

f) pode ser gratuita ou onerosa.

 

Sempre é importante ter-se em mente que a opção pela cessão de direitos, pode tornar-se mais complexa do que a venda por alvará e, portanto, deve ser muito bem pensada no que diz respeito às vantagens e desvantagens.

 

IV – CONCLUSÃO

 

Para finalizar, sempre é fundamental, quando se fala em venda e/ou cessão de bens em inventário, não há espaço para atalhos no sentido de evitar o que determina a lei para "ganhar tempo", sem que tal comportamento venha a cobrar um preço muito alto no futuro, tanto financeiro/patrimonial, como emocional para todos os envolvidos, uma vez que as tramitações processuais de casos de tal natureza costumam ser bastante longas e onerosas. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 




[1] Código de Processo Civil, Art. 619. Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz: I - alienar bens de qualquer espécie.

[2] TJPE, Agravo de Instrumento nº 4300963, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Frederico Ricardo de Almeida Neves, julgado em 15.08.2017

[3] Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR): https://www.anoreg.org.br/site/imported_4525/#:~:text=A%20cess%C3%A3o%20de%20direitos%20heredit%C3%A1rios,antes%20de%20aberto%20o%20invent%C3%A1rio.


20 de novembro de 2022

O DEVER DA FAMÍLIA ASSISTIR AOS SEUS IDOSOS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Quando se fala em pensão de alimentos, automaticamente pensamos no valor pago pelos pais (pai ou mãe) aos filhos ou, não tão comumente, no valor pago pelos avós aos netos. Todavia, essa obrigação de assistência alimentar não se resume a tais casos: os pais e avós também podem pleitear alimentos junto aos filhos e até aos netos. 

O Código Civil é bem claro quanto ao dever de assistência entre parentes:

 

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. 

Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. 

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

 

O dever de assistência alimentar aos idosos (pessoas com idade igual ou superior aos 60 anos), começa pela Constituição Federal, tanto por um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que é a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III[1]), como pelo artigo 229 que expressamente dispõe:

 

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

 

A partir desses princípios constitucionais, mais especificamente, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), já nos artigos 2º, 3º e 4º, estabelece:

 

Art. 2º A pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. 

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. 

Art. 4º Nenhuma pessoa idosa será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

 

Tais dispositivos legais têm seu inegável reconhecimento pelos Tribunais do País, que determinam a assistência aos idosos por meio da pensão de alimentos, seja por um dos descendentes deste ou por vários, como coobrigados, conforme se vê abaixo:

 

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA PELA MÃE EM FACE DE SEUS FILHOS. CHAMAMENTO DE OUTRAS FILHAS PARA INTEGRAR A LIDE. ESTATUTO DO IDOSO. NATUREZA SOLIDÁRIA. INVIABILIDADE. I - A obrigação alimentar, via de regra, é conjunta e, sendo várias pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos. Se intentada a ação contra uma delas, as demais poderão ser chamadas a integrar a lide, conforme estabelece o art. 1.698 do Código Civil. II – Na hipótese de ação de alimentos devidos a idoso, todavia, o art. 12 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) preconiza que a obrigação alimentar é solidária, podendo o alimentando optar entre os prestadores, de modo que é inviável o ingresso de outros coobrigados no processo. III – Negou-se provimento ao recurso. (TJDF, AGI: 20140020134148 DF 0013512-93.2014.8.07.0000, 6ª Turma Cível, Rel. Des. José Divino de Oliveira, julgado em 12.11.2014) 

 

Assim, é importante ficar claro é que além de ser uma obrigação moral – o que já deveria bastar – a assistência ao idoso pela família, é uma obrigação legal. Com isso, não há o que o idoso se constranger em pleitear a pensão de alimentos ou quem tenha tal poder (seu curador ou seu procurador) junto ao familiar ou aos familiares para que sozinho ou em conjunto venham a prover o sustento dos pais ou dos avós. 

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


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[1] Constituição Federal de 1988, Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;


6 de novembro de 2022

O ABUSO NA COBRANÇA DE DÍVIDAS POR TELEFONE


 

Alexandre Luso de Carvalho 

 

Na mesma medida em que o acesso ao crédito e às compras parceladas aumentou, também cresceram os serviços de cobrança realizados diretamente pelas empresas credoras e por empresas terceirizadas. Até aí nenhum problema. Ocorre que a maioria (senão a totalidade) desses serviços e empresas de cobrança utilizam métodos abusivos na abordagem aos devedores, seja por meio de cartas, e-mails e SMS, seja por meio de ligações telefônicas.

Dentre os meios de cobranças, as que ocorrem via ligações telefônicas onde vemos os maiores abusos, uma vez que um devedor, por exemplo, pode receber dezenas de ligações por dia, nos sete dias da semana e a qualquer horário; ou em vários casos a pessoa que recebe a ligação nem sequer é a devedora. Essa abusividade, importante ressaltar, é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme vê-se abaixo:

 

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

(...)

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

(...)

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

(...)

Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:

Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.

 

Todavia, apesar do que estabelece o Código de Defesa do Consumidor, as práticas abusivas na cobrança de dívidas continuam a abarrotar os PROCONs e o Poder Judiciário. Em razão disso, nessa semana (03.11.2022) a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) aprovou o uso do código 0304 antes do número do telefone, identificando as chamadas de serviços de cobrança. Assim, o devedor poderá decidir se atende ou não a ligação, uma vez que saberá sobre o que se trata. 

No entanto, vale destacar que a “Anatel realizará consulta pública, durante 60 dias, para regulamentar o procedimento operacional e após a publicação de ato pela Agência as empresas terão 180 dias para implementar a medida”, conforme consta em nota à imprensa. Ou seja, o consumidor ainda aguardará 240 dias para ter essa medida entrando em vigor. 

Apesar desse importante instrumento que será proporcionado ao consumidor, nunca se pode deixar de ter em mente dois fatos:

 

a)   é direito dos credores cobrar (sem abusividade) e, portanto, esses serviços continuarão;

 

b)  a abusividade na cobrança não desaparecerá. Só será atenuada, pois as empresas provavelmente já estão buscando outras maneiras de “infernizar” a vida dos devedores.

 

Com isso, é fundamental que o consumidor sempre que necessário continue a buscar o PROCON e/ou o Poder Judiciário para proteger-se dessas abusividades. Entretanto, para ter êxito nessa busca pela proteção legal é essencial:

 

a)   fazer a captura da tela do celular (screenshot) com as mensagens de SMS e WhatsApp enviados e/ou números da empresa que ligou, em todas as vezes que isso ocorrer;

 

b)  anotar o nome da empresa de cobrança, da empresa credora, os números de protocolos de ligações de reclamações que o consumidor fizer para essas empresas, anotando, também, a data e horário.

 

Assim, tendo consciência de que não pode ser objeto de abusividade na cobrança de dívida e coletando as provas de que isso acontece, o consumidor devedor poderá restabelecer, ao menos, um mínimo de tranquilidade em sua vida buscando tanto o PROCON como o Poder Judiciário para que as empresas cessem o abuso e, dependendo de cada caso, até indenizem quem está sendo perturbado pela avalanche de ligações. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


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