24 de outubro de 2021

A DISCRIMINAÇÃO NA SELEÇÃO PARA CONTRATAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I - INTRODUÇÃO

 

Quem está procurando colocação ou recolocação no mercado de trabalho enfrenta alguns problemas muito comuns: pouco experiência, muita idade, pouca qualificação, excesso de qualificação – por incrível que pareça –, distância do emprego pretendido, etc. E isso, faz parte do mercado e da livre escolha de quem contrata. 

Todavia, há uma escolha que se mostra bem mais complicada, uma vez que trafega numa linha muito tênue entre a livre escolha do empregador e a discriminação: é quando a escolha ou rejeição ao posto de trabalho estão ligados às características pessoais do candidato.

 

II – A DIFERENÇA ENTRE A NECESSIDADE ESPECÍFICA PARA UM CARGO E A DISCRIMINAÇÃO PARA COM O CANDIDATO

 

Um aspecto que sempre deve ser observado no processo seletivo de  contratação está na diferenciação entre o que é a escolha do candidato para uma função que exige características específicas e o que é discriminação. Tomemos como exemplo a categoria dos comissários de bordo da aviação civil:

 

a)   O QUE NÃO É DISCRIMINAÇÃO:


a.1. Quanto às características físicas: escolher um candidato, em razão das dimensões do local em que desempenharão a atividade laboral (aeronave), sendo exigidas aos homens uma altura mínima de 1,65m e máxima de 1,85m; às mulheres uma altura mínima de 1,58m e máxima de 1,80m, bem como não poderem ser obesos, por motivos óbvios; 

a.2. Quanto à apresentação: a exigência de os funcionários estarem sempre alinhados, com o uniforme da empresa, cabelos presos para mulheres e curtos para homens – já que lidam com alimentos, também –, uma vez que isso faz parte das normas de postura que o futuro empregador necessita e exige que seus funcionários tenham;

 

b)  O QUE É DISCRIMINAÇÃO: rejeitar contratar alguém em razão da raça ou etnia, nacionalidade, preferência sexual, religião, gênero (homem ou mulher) condição socioeconômica ou atributos estéticos.

 

No caso de discriminação ao candidato à vaga de emprego estar-se-á desrespeitando o que estabelece a Constituição Federal, em seus artigos 5º, incisos XLI e XLII; e 7º, inciso XXXII, que assim dispõem:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(...)

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; 

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

(...)

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

  

Além da Constituição Federal, a Lei nº 9.029/1995 (que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho) estabelece o seguinte:

 

Art. 1o  É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

 

Como não poderia deixar de ocorrer, a CLT também estabelece a proibição de discriminação na contratação, conforme se vê no artigo 373-A, inciso I:

 

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;

  

Assim, a partir de constatada e comprovada a discriminação, o Poder Judiciário entende ser devida a indenização por dano moral, individual e coletivo, conforme vê-se, ilustrativamente, pelo julgado abaixo:

 

DISCRIMINAÇÃO DE SEXO DA CONTRATAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. Para efeito de dano moral coletivo, o ilícito e seus consectários hão de ser dotados de tal gravidade que impliquem na imediata repulsa social, ultrapassando, portanto, aquela reação decorrente da mera inobservância de determinada norma trabalhista. Destarte, evidenciada a discriminação na contratação por razão de sexo, há submissão da coletividade (grupo, categoria ou classe de pessoas) a uma situação capaz de ensejar a indenização por dano moral coletivo. (TRT-17, RO nº 0001144-61.2015.5.17.00009, 1ª Turma, Rel. Des. José Luiz Serafini, julgado em 29.05.2018).

  

Portanto, o que deve ficar claro é a necessidade de uma correta leitura da situação, tanto por quem está oferecendo a vaga, como pelo candidato, nos seguintes aspectos:

 

a) quem oferece a vaga: deve ser absolutamente claro no anúncio da vaga e na orientação de quem seleciona, no sentido de conduzir o processo e realizar a escolha de acordo com as necessidades específicas para a função, mas sempre observando a lei para que não se cometa qualquer discriminação pessoal ao candidato;

 

b) quem se candidata à vaga: ter a lucidez para diferenciar o que é a necessidade específica para uma função e o que é um ato discriminatório, pois nem toda a recusa é discriminação, mas pode ser decorrente de sua inaptidão técnica ou até física para o cargo, conforme exemplicado.

 

III - CONCLUSÃO

 

Por fim, é importante destacar que os integrantes do mercado de trabalho (empregadores e candidatos ao emprego) sabedores de tais características do processo seletivo, devem observar os requisitos estritamente técnicos para o preenchimento da vaga, pois com tal comportamento diminuir-se-á uma parte das tensões sociais que acabam por resultar inúmeros processos judiciais e prejuízo para todos.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


Fonte da imagem

2 comentários:

  1. Um pouco a leste do tema de hoje, quero aplaudi-lo pelo excelente trabalho que faz, elucidando e aconselhando os cidadãos a fim de evitarem situações que envolvem a atuação da lei.
    Bom e repousante fim de semana. Beijos
    ~~~~~~
    ~~~~~

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia, caríssima Majo Dutra!

      Muito obrigado pelo elogio! Fico muito feliz que estejas gostando das postagens e, principalmente, que elas são úteis de alguma forma.

      Grande abraço!

      Excluir