Alexandre Luso de Carvalho
I – INTRODUÇÃO
Todos vemos, com frequência, notícias veiculadas sobre a necessidade de inclusão de pessoas com deficiências, sejam de natureza física, mental, intelectual ou sensorial em diversos segmentos da sociedade.
Essa
inclusão social está contida, em termos mais amplos, na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em
10.12.1948 (resolução 217 III) e na Constituição Federal de 1988, a
partir do momento que estabelecem uma série de direitos sem diferenciarem se
são direcionados aos cidadãos com ou sem deficiência.
II – O DEVER LEGAL DE EDUCAÇÃO
Em nossa Constituição Federal – a chamada “Constituição Cidadã” – está disposto, logo em seu artigo 1º (fundamentos da República Federativa do Brasil), dois direitos que estão absolutamente ligados à educação inclusiva: a cidadania (inciso II) e a dignidade da pessoa humana (inciso III).
A
partir disso, continuando a analisar a Constituição Federal – base das nossas
leis – verificamos que a inclusão, apesar de não estar expressa, está inserida
noutros dispositivos:
a)
“construir uma sociedade livre, justa e solidária”
(artigo, 3º inciso I);
b) “promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.” (artigo, 3º,
inciso IV);
c)
“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação,
o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição” (artigo 6º);
d) “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(artigo 205);
e)
“O ensino será ministrado com base nos
seguintes princípios: igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola” (artigo 206, inciso I)”;
f) “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino" (artigo 208, inciso III);
A partir desses princípios constitucionais, fica claro o dever do Estado, por meio de políticas públicas – o que inclui a elaboração de leis específicas – de estabelecer a inclusão escolar, que propicia a instrução e a posterior inserção no mercado de trabalho, oportunizando às pessoas com deficiência a exercerem os demais atos da vida civil e da própria cidadania, observando as características de cada um.
Já
a Lei nº 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
também determina expressamente sobre a obrigação do Estado em disponibilizar o
acesso à educação às pessoas com deficiência, conforme se vê no artigo 4º,
inciso III:
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública
será efetivado mediante a garantia de:
(...)
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades,
preferencialmente na rede regular de ensino;
Outro
avanço nessa política inclusiva foi a elaboração e publicação do Estatuto da
Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) que, no tocante aos aspectos
educacionais, estabelece, já de início, o seguinte:
Art. 27. A educação
constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional
inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a
alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades
físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características,
interesses e necessidades de aprendizagem.
Parágrafo único. É dever do
Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de
qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de
violência, negligência e discriminação.
A
partir disso, os estabelecimentos de ensino públicos e privados passaram a ser obrigados a adaptarem suas instalações e sua própria didática, no sentido de
acolher essa parcela da população, tendo em vista ser proibida a recusa da
matrícula ou a cobrança adicional de valores em razão da condição do aluno enquanto
pessoa com deficiência, conforme disposto na Lei nº 7.853/1989 (artigo 8º,
inciso I) e na mencionada Lei nº 13.146/2015 (artigo 28, parágrafo primeiro),
respectivamente transcritos abaixo:
Lei nº 7.853/1989
Art. 8o Constitui crime punível com reclusão
de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa: (Redação dada pela Lei nº
13.146, de 2015)
I - recusar, cobrar valores
adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de
aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou
privado, em razão de sua deficiência; (Redação dada pela Lei nº
13.146, de 2015)
Lei nº 13.146/2015
Art. 28. Incumbe ao
poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar,
acompanhar e avaliar:
(...)
§ 1º Às instituições
privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente
o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV,
XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores
adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no
cumprimento dessas determinações.
Importante destacar a importância de se observar as legislações municipais e estaduais específicas que, no entanto, não podem ser contrárias ao que estabelecem a Constituição Federal e as leis federais.
Todavia, o problema que se continua observando é que apesar das leis existentes, ainda vê-se, tanto na
rede pública como na rede particular, que essa inclusão, em muitos casos, ainda não
é disponibilizada de modo espontâneo, dada à necessidade de tempo e recursos
para tal, que:
a) por parte do Estado
(União, Estados e Municípios) se deve historicamente à falta de estrutura e
orçamento para a educação e, em alguns casos, à falta de vontade política para promover
essa inclusão. Um exemplo disso é visto nas falas do Ministro da Educação, Milton Ribeiro, quando afirmou que (sic) “alunos com deficiência
atrapalham o aprendizado de outras crianças sem a mesma condição”, em participação no programa Roda Viva, da
TV Cultura, em agosto de 2021[1] e,
em entrevista ao programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan, quando disse (sic) “O
que nós queremos? Nós não queremos o inclusivismo. Criticam essa minha
terminologia, mas é essa mesmo que eu continuo a usar. É claro que existe uma
deficiência como a Síndrome de Down, que existem alguns graus, que a criança
colocada ali no meio, socializa. Mas 12% não têm condições de conviver ali [na
sala de aula]”[2];
b) por
parte da rede particular, a adaptação das instalações e a
própria didática demandam tempo e recursos que não podem ser cobrados à parte nas
mensalidades, o que pode dificultar esse acolhimento, até pela própria estrutura do estabelecimento, dentre outras particularidades; mas que não retira a obrigatoriedade de aceitar a matrícula do aluno.
III – CONCLUSÃO
Vê-se, pelo o que foi demonstrado, o Brasil conta com uma legislação razoavelmente boa, em relação ao dever de inclusão educacional às pessoas com deficiência. Nota-se, também, que ao longo dos anos as leis vêm evoluindo, no sentido de promover um acolhimento mais amplo e adequado a essa parcela da população, o que é mais um sinal de avanço social.
Entretanto,
a plena inclusão ainda esbarra em problemas estruturais e políticos, mas que
tem, não raro, o socorro do Poder Judiciário que analisa cada caso, determinando
o cumprimento da Constituição Federal e demais leis específicas.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4947238-ministro-da-educacao-se-desculpa-por-declaracoes-sobre-alunos-com-deficiencia.html
[2] https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/08/24/milton-ribeiro-ministro-da-educacao-fala-criancas-deficiencia.htm
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