7 de novembro de 2021

O DEVER DE INCLUSÃO ESCOLAR PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Todos vemos, com frequência, notícias veiculadas sobre a necessidade de inclusão de pessoas com deficiências, sejam de natureza física, mental, intelectual ou sensorial em diversos segmentos da sociedade. 

Essa inclusão social está contida, em termos mais amplos, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10.12.1948 (resolução 217 III) e na Constituição Federal de 1988, a partir do momento que estabelecem uma série de direitos sem diferenciarem se são direcionados aos cidadãos com ou sem deficiência.

 

II – O DEVER LEGAL DE EDUCAÇÃO

 

Em nossa Constituição Federal – a chamada “Constituição Cidadã” – está disposto, logo em seu artigo 1º (fundamentos da República Federativa do Brasil), dois direitos que estão absolutamente ligados à educação inclusiva: a cidadania (inciso II) e a dignidade da pessoa humana (inciso III). 

A partir disso, continuando a analisar a Constituição Federal – base das nossas leis – verificamos que a inclusão, apesar de não estar expressa, está inserida noutros dispositivos:

 

a)   construir uma sociedade livre, justa e solidária” (artigo, 3º inciso I);

 

b)  promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (artigo, 3º, inciso IV);

 

c)   São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (artigo 6º);

 

d)   “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (artigo 205);

 

e)    “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (artigo 206, inciso I)”;

 

f)   O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino" (artigo 208, inciso III);

 

A partir desses princípios constitucionais, fica claro o dever do Estado, por meio de políticas públicas – o que inclui a elaboração de leis específicas – de estabelecer a inclusão escolar, que propicia a instrução e a posterior inserção no mercado de trabalho, oportunizando às pessoas com deficiência a exercerem os demais atos da vida civil e da própria cidadania, observando as características de cada um. 

Já a Lei nº 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, também determina expressamente sobre a obrigação do Estado em disponibilizar o acesso à educação às pessoas com deficiência, conforme se vê no artigo 4º, inciso III:

 

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

(...)

III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino;

 

Outro avanço nessa política inclusiva foi a elaboração e publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) que, no tocante aos aspectos educacionais, estabelece, já de início, o seguinte:

 

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.

  

A partir disso, os estabelecimentos de ensino públicos e privados passaram a ser obrigados a adaptarem suas instalações e sua própria didática, no sentido de acolher essa parcela da população, tendo em vista ser proibida a recusa da matrícula ou a cobrança adicional de valores em razão da condição do aluno enquanto pessoa com deficiência, conforme disposto na Lei nº 7.853/1989 (artigo 8º, inciso I) e na mencionada Lei nº 13.146/2015 (artigo 28, parágrafo primeiro), respectivamente transcritos abaixo:

 

Lei nº 7.853/1989 

Art. 8o  Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) 

I - recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

 

Lei nº 13.146/2015 

Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:

(...)

§ 1º Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações.

 

Importante destacar a importância de se observar as legislações municipais e estaduais específicas que, no entanto, não podem ser contrárias ao que estabelecem a Constituição Federal e as leis federais. 

Todavia, o problema que se continua observando é que apesar das leis existentes, ainda vê-se, tanto na rede pública como na rede particular, que essa inclusão, em muitos casos, ainda não é disponibilizada de modo espontâneo, dada à necessidade de tempo e recursos para tal, que:

 

a) por parte do Estado (União, Estados e Municípios) se deve historicamente à falta de estrutura e orçamento para a educação e, em alguns casos, à falta de vontade política para promover essa inclusão. Um exemplo disso é visto nas falas do Ministro da Educação, Milton Ribeiro, quando afirmou que (sic) “alunos com deficiência atrapalham o aprendizado de outras crianças sem a mesma condição”, em participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, em agosto de 2021[1] e, em entrevista ao programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan, quando disse (sic) “O que nós queremos? Nós não queremos o inclusivismo. Criticam essa minha terminologia, mas é essa mesmo que eu continuo a usar. É claro que existe uma deficiência como a Síndrome de Down, que existem alguns graus, que a criança colocada ali no meio, socializa. Mas 12% não têm condições de conviver ali [na sala de aula][2];

 

b)  por parte da rede particular, a adaptação das instalações e a própria didática demandam tempo e recursos que não podem ser cobrados à parte nas mensalidades, o que pode dificultar esse acolhimento, até pela própria estrutura do estabelecimento, dentre outras particularidades; mas que não retira a obrigatoriedade de aceitar a matrícula do aluno.

 

III – CONCLUSÃO

 

Vê-se, pelo o que foi demonstrado, o Brasil conta com uma legislação razoavelmente boa, em relação ao dever de inclusão educacional às pessoas com deficiência. Nota-se, também, que ao longo dos anos as leis vêm evoluindo, no sentido de promover um acolhimento mais amplo e adequado a essa parcela da população, o que é mais um sinal de avanço social. 

Entretanto, a plena inclusão ainda esbarra em problemas estruturais e políticos, mas que tem, não raro, o socorro do Poder Judiciário que analisa cada caso, determinando o cumprimento da Constituição Federal e demais leis específicas.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4947238-ministro-da-educacao-se-desculpa-por-declaracoes-sobre-alunos-com-deficiencia.html

[2] https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/08/24/milton-ribeiro-ministro-da-educacao-fala-criancas-deficiencia.htm

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