28 de fevereiro de 2021

ALGUNS ASPECTOS SOBRE OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS (PEQUENAS CAUSAS)


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Em 1995 foi publicada a Lei nº. 9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais – popularmente chamados de “Pequenas Causas” – para casos de valor econômico reduzido, baixa complexidade jurídica e para os crimes de baixo potencial ofensivo. Com isso, visava-se “desafogar” o que chamamos de “Justiça Comum”, que se ateria aos processos mais complexos e de maior vulto econômico. 

Sem dúvida, a criação dos Juizados Especiais foi uma inovação que diminuiu a sobrecarga nas varas comuns do Poder Judiciário e tornou ao cidadão mais fácil e menos oneroso o acesso à Justiça. Ocorre que ainda há um nível de desconhecimento sobre o seu funcionamento que geram equívocos ou até mesmo “mitos” sobre o popularmente conhecido Juizado de “Pequenas Causas”.

 

II – FUNCIONAMENTO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

 

No que diz respeito aos Juizados Especiais Cíveis, o ajuizamento das ações, obviamente cumprem a finalidade de julgamento de causas de menor valor e menor complexidade, tendo ainda algumas características importantes de serem destacadas:

 

a)   Limites de valores das causas para o ajuizamento nos Juizados Especiais Cíveis:

 

a.1. causas de até vinte (20) salários mínimos para ajuizar sem a necessidade de advogado; 

a.2. causas de até quarenta (40) salários mínimos, mas para o ajuizamento destas há necessidade de o pedido ser feito por meio de advogado;

 

b) causas de baixa complexidade jurídica;

 

c) não há pagamento de custas processuais nos seguintes casos:

 

c.1. quando do ajuizamento da ação (custas iniciais); 

c.2. quando é concedido o benefício da Assistência Judiciária Gratuita ao autor da ação ou ao réu, em razão destes comprovadamente serem pessoas de poucos recursos; 

c.3. quando não há recurso da sentença de Primeiro Grau;

 

d) ocorrência de duas audiências (uma audiência de conciliação e, caso não haja acordo, a designação de audiência de instrução e julgamento, para ouvir depoimentos pessoais das partes e das testemunhas);

 

e) não há prova pericial por parte do Juízo;

 

f) há menos recursos a serem interpostos;

 

g) impossibilidade de citação por edital, excetuando nos casos de execução[1];


h) podem ser autores das ações as pessoas físicas, excetuando os incapazes e presos, e as pessoas jurídicas, desde que sejam microempreendedores individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, sociedades de crédito de microempreendedor, organizações civis de interesse público;

 

i)    podem ser réus perante os Juizados Especiais Cíveis, as pessoas físicas, exceto os incapazes e os presos, as pessoas jurídicas de direito privado e as organizações civis de interesse público;

 

j) não podem ser partes nas ações dos Juizados Especiais Cíveis, o incapaz, o preso, as empresas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.

 

Evidentemente que há outras particularidades sobre os procedimentos dos Juizados Especiais Cíveis, mas algumas delas, por vezes, dependem de exame caso a caso, que não é o objetivo desse artigo.

 

II – EQUÍVOCOS OU “MITOS” SOBRE OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

 

Apesar das facilidades que os Juizados Especiais Cíveis trouxeram ao cidadão, há uma série de equívocos ou “mitos” sobre os Juizados de “Pequenas Causas”. Vejamos:

 

a)   o Juizado Especial Cível sempre é mais rápido que a “Justiça Comum”. Esse é um equívoco muito comum em razão do rito estabelecido pela Lei nº 9.099/95 prever essa celeridade. Todavia, há certos aspectos que, por vezes, tornam a tramitação do processo no Juizado de “Pequenas Causas” quase tão demorado quanto ao da ação que é ajuizada na “Justiça Comum”. Por exemplo: volume de processos e infraestrutura do Foro, dificuldade de encontrar e citar a parte ré, dificuldade de encontrar bens do devedor, etc.;

 

b)  o Juizado Especial Cível é totalmente gratuito. Só há a gratuidade  de Justiça quando da distribuição da ação, quando autor e/ou réu são pessoas comprovadamente de poucos recursos e quando não há recurso da sentença de Primeiro Grau. Caso contrário, em caso de interposição de recurso, o recorrente paga custas, bem como quem perder o recurso (autor ou réu) paga honorários advocatícios sucumbenciais[2], ou seja, os honorários do advogado da parte contrária;

 

c) não há necessidade de advogados nos Juizados Especiais Cíveis nas ações até vinte (20) salários mínimos. Não é uma verdade absoluta e, por isso, é um “mito” que muitas vezes acarreta prejuízos a quem até tem o direito postulado. Explico:

 

c.1. o autor pode ajuizar a ação, peticionando de próprio punho ou tendo o auxílio de um servidor da Distribuição do Juizado Especial Cível, que tomará a termo o pedido de forma resumida. Isto acarreta, na maioria dos casos, a falta do devido detalhamento dos fatos, das provas e sem a devida e expressa fundamentação jurídica (legal, doutrinária e jurisprudencial); 

c.2. não ocorrendo acordo na audiência de conciliação, é designada uma audiência de instrução e julgamento (para o depoimento das partes e testemunhas, se tiverem), sendo a partir daí obrigatório que as partes sejam acompanhadas por advogados. É aí que reside o problema. O advogado que assumir o caso em andamento e na qual já existe uma petição inicial (geralmente sem o detalhamento dos fatos e sem a devida fundamentação jurídica que sustente e justifique o pedido) e no qual já há documentos juntados, terá uma grande limitação em sua atuação, uma vez que não será mais possível a juntada de novas provas ou a apresentação de tese jurídica mais adequada e tampouco a realização de novos pedidos ou de pedidos diversos dos contidos na petição inicial. Isso, não raro, causa a perda do processo; 

c.3. importante frisar que comumente a parte ré já comparece acompanhada por advogado desde a audiência de conciliação. As empresas, em especial, quando não enviam advogados, mas só prepostos, geralmente não oferecem proposta de acordo. E aí o estrago já está feito, pois o autor entrou com uma ação, tendo uma petição inicial distante de qualquer técnica jurídica e terá que enfrentar a parte contrária que apresentará uma contestação elaborada por um advogado. Ou seja, haverá uma luta desigual.

  

III - CONCLUSÃO

 

O que se conclui a partir da abordagem feita acima, é que apesar da notória e incontestável importância dos Juizados Especiais Cíveis no sistema judicial brasileiro, a sua praticidade, celeridade e menor ônus ao cidadão é relativa diante dos direitos e/ou prejuízos que a escolha equivocada desse rito processual pode ocasionar. Portanto, é fundamental que antes de ser ajuizada uma ação pelo Juizado de “Pequenas Causas” haja uma reflexão por parte de quem busca o direito (o autor) e obviamente a adequada orientação profissional.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] Fórum Nacional dos Juízes Estaduais (FONAJE), Enunciado 37. Em exegese ao art. 53, § 4º, da Lei 9.099/1995, não se aplica ao processo de execução o disposto no art. 18, § 2º, da referida lei, sendo autorizados o arresto e a citação editalícia quando não encontrado o devedor, observados, no que couber, os arts. 653 e 654 do Código de Processo Civil (nova redação – XXI Encontro – Vitória/ES).

[2] Código de Processo Civil, art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. § 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.


22 de fevereiro de 2021

O DESACATO AO FUNCIONÁRIO PÚBLICO E SUAS CONSEQUÊNCIAS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Nos últimos tempos, dois temas assumiram em nossas vidas, senão um protagonismo, uma relevância indiscutível:

 

a) a polarização político-ideológica que divide o país de forma insana e com argumentos, muitas vezes, incoerentes, ilógicos e até ridículos da esquerda e da direita;

 

b) a pandemia de Covid-19, que restringe a vida profissional e social de todos, e tem, em diversos momentos a intervenção dos órgãos de Estado para o cumprimento das determinações das autoridades sanitárias;

 

Em razão disso, mas não só disso, o que temos visto é um tensionamento crescente nas relações sociais que, também repercute no modo como a população vêm se relacionado com as autoridades. E, na minha opinião, vem se relacionando muito mal. 

Esse mau (ou péssimo) relacionamento da população, quer seja por motivos exclusivamente político-ideológicos, quer por motivos devidos à pandemia gerou um aumento de casos, ou pelo menos um aumento de notícias de desacato, não importando de quais dos três Poderes pertençam e quais cargos os servidores ocupem. E, frise-se, o desacato parte tanto da esquerda, com acusações de as autoridades serem “fascistas”, como da direita, que acusa as autoridades de serem “inimigos da pátria”. Tudo isso, é claro, de acordo com os fatos e as conveniências pessoais de cada grupo. 

Todavia, esse desacato gera, obviamente, consequências jurídicas nas esferas criminal e cível.

  

II – CONSEQUÊNCIAS NA ESFERA CRIMINAL

 

O desacato ao funcionário público é ilícito previsto no artigo 331 do Código Penal, que assim estabelece:

 

Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

 

Importante, aqui, frisar um aspecto importante: o desacato ao funcionário público ocorre no exercício da função, isto é, durante o período de trabalho ou em razão da função, que não necessariamente ocorre durante o horário de trabalho, mas a ofensa é exclusivamente ou principalmente em razão do cargo. 

Em razão da pena ser de detenção de seis meses a dois anos, ou multa, o processo tramita nos Juizados Especiais Criminais, nos quais são aplicadas a transação penal e a suspensão condicional do processo, que se constituem no seguinte:

 

a)   TRANSAÇÃO PENAL: em resumo, é um acordo entre o Ministério Público e o autor do fato (do crime) para que esse se submeta a determinada medida, sem a admissão de culpa, para evitar a instauração de processo penal, com risco de condenação, aplicação de penas mais severas e perda da primariedade. É possível nos delitos de menor potencial ofensivo, desde que não tenha ocorrido as hipóteses do parágrafo 2º, do artigo 76 da Lei nº 9.099/95:

 

“I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

 

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

 

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.”

 

b)  SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO: também aplicada para crimes de menor potencial ofensivo (com pena de até um ano), ocorre quando o Ministério Público, ao oferecer a denúncia tem a faculdade de propor a suspensão do processo por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido processado por outro crime.

  

II – CONSEQUÊNCIAS NA ESFERA CÍVEL

 

Quanto as consequências cíveis no desacato ao funcionário público, dependendo do teor das ofensas, ensejam punições que, geralmente, ocorrem por meio da imposição do pagamento de indenização por dano moral do ofensor ao ofendido, conforme estabelecem o Código Civil[1] (artigos 186 e 187 combinados com os artigos 927 e 944) e Constituição Federal[2] (artigo 5º, incisos V e X). 

Sobre o dano moral, para a sua caracterização, importante transcrever a lição do grande jurista WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO[3]:

 

“(...) existe delito civil, consistente na violação de um direito subjetivo privado e que induz responsabilidade civil.

(...)

Por outras palavras, o direito à indenização surge sempre que o prejuízo resulte da atuação do agente, voluntária ou não. Quando existe intenção deliberada de ofender, ou de causar prejuízo a outrem, há dolo, isto é, o pleno conhecimento do mal e o direto propósito de o praticar. Se não houve esse intento deliberado, proposital, mas o prejuízo veio a surgir, por imprudência ou negligência, existe culpa (stricto sensu)”. (Grifado)

 

Assim, a partir desse e de outros entendimentos doutrinários, bem como da própria legislação, os Tribunais do País têm condenado quem desacata os funcionários públicos no exercício da função ou em razão desta, uma vez que as ofensas proferidas são caracterizadas como dano moral.

  

III - CONCLUSÃO

 

 A partir do que foi dito, um outro aspecto importante a ser abordado, é que, como justificativa ou tentativa de defesa para os casos de desacato, tem se invocado as proteções em razão da liberdade de expressão e decorrente de prerrogativas profissionais ou de imunidade parlamentar. Ocorre que essas proteções não são absolutas e, portanto, dependendo da situação e do teor do que se diz, haverá a caracterização do crime de desacato. 

Com isso, verifica-se que nada justifica o ato de ofender um funcionário público, apoiar e/ou replicar essas ofensas – o que ocorre muito em tempos de redes sociais –, nem mesmo nos casos de, porventura, esses extrapolarem os limites legais de suas atuações, lembrando que quando houver qualquer ilegalidade cometida por servidores públicos há meios legais (administrativos e judiciais) para punir tais funcionários. 

Portanto, o desacato servidores públicos, além de indiscutível desrespeito para com a Administração Pública que esses representam, é um ilícito que, sem dúvida, é punido nas esferas penal e civil e que, além de grandes transtornos, causam prejuízos financeiros aos ofensores.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] Código Civil, art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

[2] Constituição Federal, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[3] Curso de Direito Civil – Parte Geral, 5ª edição, Editora Saraiva, 1967, São Paulo, p. 286/287.


14 de fevereiro de 2021

A INTERVENÇÃO DO SÍNDICO E DOS CONDÔMINOS EM CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

A violência doméstica, principalmente contra a mulher, continua apresentando índices preocupantes e crescentes, mesmo com legislação específica (Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006), com os esforços das autoridades, campanhas da imprensa e ações da sociedade civil organizada (vide no link indicado a matéria do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM[1]).

Na batalha contra esse aumento da violência doméstica, observou-se o início da mudança de mentalidade com campanhas como “EM BRIGA DE MARIDO E MULHER DEVEMOS, SIM, METER A COLHER”, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde[2], dentre tantas outras similares, ou seja, terceiros devem, sim, intervir quando se depararem com tais casos. É aí que, também, entram os papéis do síndico e dos demais condôminos.

Importante frisar, antes de continuar a abordagem sobre o tema, que a violência doméstica não se resume à violência contra a mulher, mas também a todos os que habitam o lar (ou o que deveria ser o lar), o que inclui crianças, idosos, doentes e, dependendo da situação, até mesmo os homens, conforme observado por Eudes Quintino de Oliveira Júnior[3], apesar de mais raro.

Com isso, para avançar nas políticas de combate à violência doméstica iniciaram-se ações incentivando a intervenção de quem habita ou convive próximo à vítima, no sentido de evitarem agressões por meio da informação às autoridades competentes quando da agressão ou iminente ameaça dessa ocorrer. Dentre elas, vale mencionar:

 

a) o Projeto de Lei nº 2.510/2020, de autoria do Senador Luiz do Carmo (MDB/GO) e atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, que (sic) "Altera a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 (Lei do Condomínio), a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para estabelecer o dever de condôminos, locatários, possuidores e síndicos informarem às autoridades competentes os casos de violência doméstica e familiar de que tenham conhecimento no âmbito do condomínio, e para incluir na tipificação do crime de omissão de socorro os casos de violência doméstica e familiar" (Grifado); 

b) Lei nº 23.643/2020, do Estado de Minas Gerais, que (sic) “Dispõe sobre a comunicação a órgãos de segurança pública de ocorrência, ou indício de ocorrência, de violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente ou idoso nos condomínios residenciais localizados no Estado, durante o estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19”; 

c) Lei nº 10.720/2020, do Estado do Rio Grande do Norte, que (sic) “Dispõe sobre a comunicação pelos condomínios residenciais aos órgãos de segurança pública, sobre a ocorrência ou indícios de violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente ou idoso, em seus interiores”;

d) Lei nº 15.549/2020, do Estado do Rio Grande do Sul, que (sic) “Dispõe sobre comunicação aos órgãos de segurança sobre eventual ocorrência ou indício de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência, em condomínios residenciais do Estado do Rio Grande do Sul”, salientando, o que estabelece em seu artigo 1º:

 

Art. 1º Os condomínios residenciais, localizados no Estado do Rio Grande do Sul, POR MEIO DE SEUS SÍNDICOS E/OU ADMINISTRADORES DEVIDAMENTE CONSTITUÍDOS, deverão encaminhar comunicação à Polícia Civil, quando houver, em suas unidades condominiais ou nas áreas comuns, a ocorrência ou indício de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência, sem prejuízo da comunicação à Brigada Militar, quando for preciso fazer cessar a violência, através do telefone 190.” (Grifado)

  

Portanto, quando as leis passaram a determinar que o síndico e condôminos comuniquem os casos de violência doméstica, verifica-se o fortalecimento dessa nova filosofia, que vai no sentido contrário ao que ocorre hoje em dia: assistir, mas não se envolver. Todavia, é importante ressaltar que quando há violência doméstica o “não se envolver”, o “se calar” passará a ser entendido como omissão de socorro, conforme disposto no artigo 135 do Código Penal:

 

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

 

Com isso, nos Estados da Federação que já sancionaram leis nesse sentido, o síndico e/ou outros condôminos, após criteriosa avaliação - que dependendo da situação terá que ser rápida - a partir de indícios de estar havendo violência doméstica (gritos, barulhos típicos de brigas, pedidos de socorro, etc.), têm o DEVER LEGAL de contatar as autoridades nos seguintes casos:

 

a)   ocorrer há tempo a violência doméstica;

b) ocorrer o iminente risco de violência doméstica;

c) estar a violência em pleno curso.

 

Assim, a partir dessas informações a autoridade competente, seja Ministério Público ou autoridade policial atuará dentro de suas atribuições e limites legais, tendo o poder/dever de trafegar em qualquer instalação do condomínio, podendo, inclusive, promover a entrada forçada (arrombamento) no apartamento da vítima para evitar ou interromper qualquer agressão que essa esteja sofrendo.

Por fim, vale destacar que sempre que o síndico e/ou o condômino agir em observância dessas leis, o próprio dever que lhes é imposto, também lhes resguardam diante de qualquer retaliação do condômino agressor, tanto em relação às pessoas, como em relação ao condomínio.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[2] https://Brasil teve 648 casos de feminicídio no primeiro semestre de 2020cnts.org.br/noticias/em-briga-de-marido-e-mulher-devemos-sim-meter-a-colher/

 

[3] Medidas protetivas em favor do homem na Lei Maria da Penha (https://migalhas.uol.com.br/depeso/304823/medidas-protetivas-em-favor-do-homem-na-lei-maria-da-penha)


7 de fevereiro de 2021

AS RESPONSABILIDADES LEGAIS DOS TUTORES DE ANIMAIS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Não é novidade que a relação entre os animais de estimação e os humanos cada vez mais se estreita, tanto que até a nomenclatura dos então proprietários ou “donos” passou para tutores. Particularmente, entendo isso como um aspecto benéfico da evolução dos tempos e dessa bela relação.

Todavia, o estreitamento dessa relação em muitos casos torna-se, sob alguns aspectos, exagerado e perigosamente “humanizado” ao ponto de o tutor não estabelecer os devidos cuidados e limites para com os animais. Ocorre que devido às consequências jurídicas existentes em quase tudo o que fazemos, pode a relação humano/animal vir causar consequências judiciais quando essa repercutir em qualquer coletividade. 

Assim, quando se adota ou adquire um animal, é necessário que se saiba quais os deveres que se tem para com este e quais os deveres que se tem para com a sociedade em relação ao animal que está sob a responsabilidade do ser humano (tutores ou profissionais que trabalham com estes) ou de entidades de proteção.

 

II – PROTEÇÃO AO BEM-ESTAR DOS ANIMAIS

 

É um dever legal inicial do Estado, disposto na Constituição Federal (artigo 225[1]), que tem a obrigação de estabelecer políticas públicas de proteção à fauna e a flora.

Com isso, devido à evolução da relação humano/animal e da conscientização da necessidade de proteção aos animais contra os maus tratos – sentimento esse que surgiu da própria população – o Estado, cumprindo sua atribuição estabelecida pela Constituição Federal, legislou sobre o tema, com a imposição de penalidades por tais crimes, conforme se verifica na Lei nº 9.605/1998, em seu artigo 32, que assim estabelece:

 

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda[2].

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

 

Cumpre destacar que os maus tratos podem ser enquadrados quando o tutor/responsável e também terceiros, independentemente de suas condições socioenômicas, fere, abandona o animal ou o submete a qualquer atividade que lhe cause sofrimento, bem como, dentro de suas possibilidades socioeconômicas, deliberadamente deixa o animal adoecer e/ou não trata de suas doenças, o deixa passar fome, frio e o expõe a condições e/ou situações que podem comprometer ou comprometem à sua integridade físico ou à sua vida.

 

III – CUIDADOS COM OS ANIMAIS EM RELAÇÃO A TERCEIROS

 

Nesse caso, observar as regras públicas e privadas de convívio entre animais e humanos é algo essencial, pois caso contrário, as consequências atingirão a terceiros, o que gerará consequências jurídicas e, não raro, judiciais, conforme já mencionado. Vejamos alguns exemplos clássicos e até frequentes:

 

a) em passeio por via pública (ruas, parques e praças) ou em locais privados, mas com trânsito de pessoas (áreas comuns de condomínios, shoppings, etc.) quando acompanhado de seu tutor e/ou responsável, independentemente do porte e temperamento do cão e este não é conduzido com a devida guia – e quando for o caso, também, com a focinheira – e causa lesão a terceiros, quer por ataque (mordida), quer por acidente, como, por exemplo, correndo, mesmo que brincando, derrubar um idoso, causando-lhe uma fratura;

 

b) o cão que está passeando com o tutor sem guia e ataca outro cão, ferindo ou matando o outro animal que pode estar na guia ou fora dela, também; ou, ainda, o cão que está sem guia ataca outro cão é ferido ou morto por este;

 

c) cães de guarda que por uma falha de segurança na casa (muro baixo ou portão com defeito) consegue escapar e morde quem passa na rua, causando lesão ou até a morte do transeunte.

 

Nesses casos, o tutor e/ou responsável poderá ser responsabilizado nas esferas:

 

a) criminal, que dependerá do fato e de seus desdobramentos. Exemplo: lesão corporal culposa (Código Penal, artigo 129[3]), podendo ser agravada em razão do grau da lesão ou de suas consequências; homicídio culposo (Código Penal, artigo 121[4]) e até o próprio ilícito de maus tratos aos animais (Lei nº 9.605/1998, artigo 32). Vale destacar, o julgado que ilustra o entendimento, já antigo e pacificado sobre tal responsabilização criminal:

 

"LESÃO CORPORAL CULPOSA. TRANSEUNTE MORDIDO POR CÃO EM VIA PÚBLICA. NEGLIGÊNCIA DO DONO, NÃO O MANTENDO PRESO NAS LINDES DE SUA PROPRIEDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA." (TJSC, ACR nº 410681 SC 1988.041068-1, 2ª Câmara Criminal, Rel. Desª Thereza Tang, julgado em 14.12.1990). (Grifado) 

 

b) civil, na qual poderá ser condenado a indenizar a vítima, com fundamentação nos artigos 186, 927 e 936 do Código Civil[5], de acordo com o que determinam os Tribunais do País:

 

“APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. ATAQUE DE CACHORRO. FATO DO ANIMAL. ARTIGO 936 DO CÓDIGO CIVIL. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS POR VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE FÍSICA DA AUTORA. DEVER DE INDENIZAR, COM A MANUTENÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. DANO ESTÉTICO CARACTERIZADO. QUANTUM QUE COMPORTA MAJORAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA NO PONTO. A responsabilidade decorrente do fato do animal é objetiva e está consubstanciada no art. 936, do Código Civil, apenas podendo ser elidida se comprova a culpa da vítima ou força maior. De acordo com o que dispõe o art. 373 do Novo Código de Processo Civil, incumbe à parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito (inciso I) e, à parte ré, o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora (inciso II). Hipótese em que as alegações da inicial, no sentido de que o cachorro que teria mordido a autora seria de propriedade dos réus, restaram suficientemente comprovadas. É devida a indenização por danos morais, por violação à integridade física da autora, no interior de sua residência (pátio). Quantum indenizatório mantido (R$ 7.000,00), afigurando-se justo e razoável, considerando as características compensatória, pedagógica e punitiva da indenização. Danos estéticos que merecem majoração para o valor de R$ 10.000,00, em face da cicatriz deixada em razão da mordida do animal no rosto da criança. Honorários advocatícios sucumbenciais fixados na origem mantidos no patamar de 15% sobre o valor da condenação. RECURSO DOS RÉUS DESPROVIDO E RECURSO ADESIVO DA AUTORA PARCIAL PROVIDO.” (TJRS, AC nº 70078468634, 9ª Câmara Cível, Rel. Des. Eduardo Kraemer, Julgado em 24.10.2018)

 

Cumpre destacar, especificamente no caso do cão, o fato deste ser adestrado ou de seu tutor/responsável dizer ter controle sobre o animal, não é argumento válido para a sua defesa, tendo em vista que por vezes qualquer cachorro pode apresentar um comportamento que fuja desse controle – afinal, é um animal – e é em razão da existência dessa imprevisibilidade comportamental em algum momento, é que seu condutor não pode negligenciar os cuidados de segurança ao transitar em via pública ou em áreas privadas, mas de uso comum, como shoppings e condomínios.

 

IV – CUIDADOS DOS ANIMAIS EM RELAÇÃO À SAÚDE PÚBLICA

 

A responsabilidade legal dos tutores/responsáveis em relação à saúde pública, ou seja, em relação à saúde de terceiros e da coletividade passa pelos seguintes cuidados e ações:

 

a) manutenção da higiene do animal e do local em que este vive;

b) cuidados para com a vacinação e controle de zoonoses;

c) recolhimento dos dejetos desses em vias públicas ou em áreas privadas de uso comum, conforme normas estabelecidas pelos Estados, Municípios ou entes particulares.

  

Com tais cuidados, os tutores/responsáveis, além de garantirem o bem-estar de seus animais, colaborarão com o bem-estar e a saúde de terceiros, além de se resguardarem das penalidades impostas pelas autoridades públicas, bem como pelas penalidades impostas pelos entes privados, naquilo que lhes couberem, como, por exemplo, multa estabelecida em convenção ou regulamento interno de condomínio.

 

V – CONCLUSÃO

 

 Assim, verifica-se que a responsabilidade para com os animais de estimação vai do cuidado em razão do afeto que se tem por eles, passando pelo respeito ao próximo e à coletividade e pelo cumprimento às leis e às normas particulares. Ou seja, é mais um passo no exercício da cidadania, que reside não só na reivindicação de direitos, mas no concomitantemente cumprimento de deveres.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br

  

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[1] Constituição Federal: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

[3] Código Penal.  Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

[4] Código Penal. Art. 121. Matar alguém:

[5] Código Civil. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.