30 de maio de 2021

COMO PROCEDER QUANDO O ESTADO SE RECUSA A FORNECER MEDICAMENTOS E TRATAMENTO MÉDICO AO CIDADÃO (republicação com atualizações)


 

I – INTRODUÇÃO

 

Esse artigo foi publicado em seu texto original no Jornal Semanário[1], de Bento Gonçalves/RS, em 25.01.2020 e postado em minha página do Facebook (Advogado Alexandre Luso de Carvalho[2]) em 06.02.2020, antes da criação deste Blog e antes, principalmente, da pandemia de Coronavírus oficialmente atingir o Brasil e causar as gigantescas repercussões sanitárias, sociais e econômicas, que aumentou o desemprego e acarretou o fechamento de empresas. 

Por isso, entendo ser relevante a republicação do artigo, já que nos deparamos com um empobrecimento da população e, com isso, a necessidade de o Estado estar mais presente na promoção da saúde da população, não só no que diz respeito à Covid-19, em sua política de vacinação e tratamento, mas na assistência às demais patologias que continuam a acometer a população.

 

II – DA OBRIGAÇÃO DO ESTADO EM PROMOVER O ACESSO À SAÚDE E QUANDO ESTE NÃO A CUMPRE

 

Muitas pessoas ficam sem saber como agir quando necessitam de tratamento médico ou de medicamentos, mas não conseguem nenhum deles pelo SUS (Sistema Único de Saúde), nem pela Farmácia do Estado, nem por qualquer outro órgão de saúde pública. 

Quando o Poder Público se recusa a oferecer o tratamento ou não dá prazo para que ele seja realizado, resta ao cidadão buscar o Judiciário, afinal a Constituição Federal em seu artigo 6º[3] e, principalmente, em seu artigo 196[4], determina que o Estado promova o amplo acesso à saúde (A saúde é direito de todos e dever do Estado [...]”). 

Essa determinação constitucional é mais importante que qualquer outro ato do Poder Público e norteia as outras leis a serem aplicadas a cada caso, como, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e as constituições estaduais. 

Todavia, sabemos que essa obrigação de promover a saúde pública, por mais que o modelo do SUS teoricamente seja exemplo para muitos países, na prática o Sistema Único de Saúde não funciona como deveria por uma série de fatores. Com isso, os tratamentos de saúde (clínicos, hospitalares e medicamentosos) não são dispensados pelo Poder Público no tempo e/ou no modo como são prescritos pelos médicos.

 

III – COMO BUSCAR O PODER JUDICIÁRIO

 

Geralmente, as pessoas pensam que tratamento ou medicamentos gratuitos só se destinam a pessoas de baixa renda. Não é bem assim. Para a obtenção desse direito, é levada em conta a relação entre o custo do tratamento, a condição financeira do paciente e a gravidade da patologia. Por exemplo, se o paciente, sem plano de saúde, tem uma renda mensal de R$4.000,00 e seu tratamento custa R$25.000,00 mensais para continuar vivo ou para ter um controle eficaz de uma doença crônica grave, há real possibilidade de sucesso no pedido judicial. Isso dependerá caso a caso e das provas apresentadas: exames, laudos, receituários médicos atualizados, indicação expressa do tratamento e prova da impossibilidade de arcar com o tratamento. O que é destinado às pessoas de baixa renda, somente, é o atendimento da Defensoria Pública do Estado. Daí a confusão. 

Outro aspecto importante é que, de forma geral, esses tipos de casos apresentam uma característica em comum: a urgência. Com isso, ao ajuizar a ação, é requerido ao juiz, com base no artigo 300 do Código de Processo Civil[5], que liminarmente – antes de decisão final –, determine que o Estado (Município, Estado e/ou União) forneça o tratamento ou medicamento, para que o paciente não aguarde até o final do processo, já que essa espera tornaria a ação sem efeito prático, como verificamos, por exemplo, em decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDÊNCIA PÚBLICA. IPE-SAÚDE. PACIENTE PORTADOR DE AUTISMO. REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA PREENCHIDOS, CASO CONCRETO. O art. 300 do novo CPC (correspondente ao antigo verbete do art. 273 do CPC de 1973) dispõe que a tutela de 

 

No entanto, como foi dito, para que esse pedido de liminar tenha sucesso, é essencial que o paciente providencie, de antemão, os documentos, provando a urgência do tratamento e a necessidade que o Poder Público disponibilize o tratamento em razão de suas condições financeiras ou do valor do tratamento.

 

IV – DA APLICAÇÃO DESSA REGRA PARA TRATAMENTOS

CONTRA A COVID-19

 

Em relação às internações hospitalares para tratamento contra a Covid-19, tanto é possível a busca do Poder Judiciário para tal finalidade que há ações ajuizadas nesse sentido, com o mesmo fundamento legal (artigo 196 da Constituição Federal) e jurisprudencial. 

Todavia, é importante registrar que apesar da possibilidade legal há alguns fatores que podem tornar ações dessa natureza sem um real sentido prático. Quais sejam:

 

a)   a existência de uma sistemática de atendimento já implementada;

 

b)  o sistema de saúde (público e particular) já estar superlotado, que em vários episódios já colapsou. Ou seja, o Judiciário pode até determinar a internação, mas se o sistema está esgotado, ter-se-ia que criar vagas imediatas em quartos, enfermarias e UTI’s, bem como a contratação de profissionais para o atendimento. E isso, não se mostra plausível, principalmente no Brasil, que além de poucos recursos, ainda enfrenta a batalha entre o Governo Federal de um lado e Estados e Municípios de outro, o que só agrava a situação;

 

c)   há decisões em que se verifica o indeferimento do pedido de liminar sob o argumento de que isso significaria passar um paciente na frente de outro no mesmo grau de risco, o que é injusto, conforme pode ser visto no processo nº 1012926-67.2020.4.01.3900, que tramitou na 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciário do Pará.

 

Importante destacar que não se está, aqui, desestimulando de se ajuizar ações para que a população busque o Poder Judiciário para que o Estado proporcione o atendimento para tratamento de Covid-19. Entretanto, o que se está dizendo é que nesses casos há de ser ter uma situação absolutamente fora do normal dentro daquilo que as políticas públicas já implementaram quanto ao tratamento hospitalar e vacinação.

 

V – CONCLUSÃO

 

Por fim, apesar da desconfiança que a população tem do Poder Judiciário quanto à sua lentidão, em casos de necessidade tratamento médico, inclusive durante a pandemia, quando os pedidos são bem documentados e fundamentados, as decisões costumam ser rápidas, devendo, no entanto, haver uma atenção extrema do advogado até o cumprimento da decisão judicial.

 

 Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

 alexandre_luso@yahoo.com.br



[3] Constituição Federal, art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[4] Constituição Federal,  art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

[5] Código de Processo Civil, art. 300.  A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.


23 de maio de 2021

ALGUNS ASPECTOS SOBRE AS ALTERAÇÕES DO CONTRATO DE TRABALHO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

 Numa relação de trabalho com vínculo empregatício, por vezes a dinâmica das atividades da empresa e/ou a evolução da capacidade produtiva do empregado acarretam a necessidade de alterações no contrato de trabalho. Entretanto, não raro surgem dúvidas acerca da possibilidade legal da alteração no contrato e sua extensão. 

Quanto aos contratos individuais de trabalho, a CLT estabelece, entre seus artigos 468 e 470, basicamente, o seguinte:

 

a) QUANTO A POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO: “ (...) só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado (...)” (artigo 468[1]). Aliás, sendo esse artigo o centro de toda o tema aqui tratado, vale destacar, rapidamente, a lição do ilustre jurista SERGIO PINTO MARTINS[2]:

 

“O fundamento do art. 468 da CLT é o de que o trabalhador não poderia aceitar uma condição de trabalho pior do que a anterior; além disso, o obreiro poderia ser induzido em erro pelo empregador, ou por não ter condições de discernir o ato praticado pelo empregador que lhe é prejudicial – ou até mesmo sofrer coação patronal”.

 

b) QUANTO À REDUÇÃO SALARIAL: a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso VI[3] deixa claro que o salário é irredutível, exceto em caso de acordo ou convenção coletiva dispor sobre essa possibilidade;

 

c) QUANTO À REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO: tanto a Constituição Federal (artigo 7º, inciso XIII[4]), como a CLT (artigo 58[5]) estabelecem a jornada de trabalho não superior a oito (08) horas diárias. Todavia, essa jornada poderá ser reduzida mediante acordo e convenção coletiva. Aqui, vale ressaltar que a legislação específica (Medida Provisória nº 936/2020, convertida na Lei nº 14.020/2020) que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda em razão da pandemia de Covid-19 permitiu a negociação para a redução proporcional da jornada de trabalho e do salário;

 

d) QUANTO À REVERSÃO DO CARGO DE CONFIANÇA OCUPADO: não é considerada alteração unilateral o empregador determinar o retorno do empregado, ocupante de cargo de confiança, ao seu antigo cargo (exemplo: gerente voltar a ser vendedor) e, consequentemente, não assegura a manutenção e/ou incorporação da gratificação ao funcionário durante o período em que exerceu a função (artigo 468, parágrafos primeiro e segundo[6]); 

 

e) QUANTO À TRANSFERÊNCIA DO EMPREGADO: os artigos 469 e 470 são muito claros quanto ao tema, principalmente quando se refere à transferência de município:

 

Art. 469. Ao empregador é vedado transferir o empregado, sem a sua anuência, para localidade diversa da que resultar do contrato, não se considerando transferência a que não acarretar necessariamente a mudança do seu domicílio. 

§ 1º. Não estão compreendidos na proibição deste artigo: os empregados que exerçam cargo de confiança e aqueles cujos contratos tenham como condição, implícita ou explícita, a transferência, quando esta decorra de real necessidade de serviço. 

§ 2º. É licita a transferência quando ocorrer extinção do estabelecimento em que trabalhar o empregado. 

§ 3º. Em caso de necessidade de serviço o empregador poderá transferir o empregado para localidade diversa da que resultar do contrato, não obstante as restrições do artigo anterior, mas, nesse caso, ficará obrigado a um pagamento suplementar, nunca inferior a 25% (vinte e cinco por cento) dos salários que o empregado percebia naquela localidade, enquanto durar essa situação.

Art. 470. As despesas resultantes da transferência correrão por conta do empregador.

 

f) QUANTO À ALTERAÇÃO DO TURNO DE TRABALHO: outro aspecto importante e que é bastante comum diz respeito a troca de turno (do diurno para o noturno e vice-versa), no qual destaco dois aspectos:

 

f.1. apesar do poder diretivo do empregador, constante no artigo 2º da CLT[7], essa alteração também segue a norma estabelecida no mencionado artigo 468 da CLT quanto a necessidade de mútuo consentimento e o não prejuízo ao empregado, seja de forma direta ou indireta;

 

f.2. não ficando demonstrada a existência de prejuízo ao empregado nessa alteração de turno não há o que se falar em ilegalidade do ato, conforme entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) em vários julgados, desde que observados os direitos e deveres de ambos (exemplo: se transferência para o turno da noite, deve receber o adicional noturno; se transferência para o turno do dia, perde o adicional noturno, conforme Súmula 265 do TST[8]). 

 

Um aspecto importante de ser abordado é que o mútuo consentimento, em alguns casos não necessita de registro, ou seja, de formalização, bastando a não oposição do empregado (é o consentimento tácito). Entretanto, particularmente considero isso  absolutamente temerário, principalmente para o empregador, uma vez que abre um flanco imenso para uma demanda trabalhista futura. 

Por fim, pelos pontos acima elencados, que trata de forma bastante resumida do assunto, verifica-se que as alterações do contrato de trabalho podem ocorrer, mas para tal, é fundamental que se respeite o direito dos empregados, bem como que se formalize detalhadamente em que consiste essa mudança dentro da relação laboral. A formalização significa tranquilidade para o empregado no presente e para o empregador, no futuro. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] CLT, Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

 

[2] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho, 28ª ed., São Paulo, Editora Atlas, 2012, p.337


[3] Constituição Federal, art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

 

[4] Constituição Federal, art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

 

[5] CLT, art. 58. A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

 

[6] CLT, Art. 468. (...) § 1o. Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.

§ 2o. A alteração de que trata o § 1o deste artigo, com ou sem justo motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função.


[7] CLT, Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

 

[8] TST, Súmula 265 - ADICIONAL NOTURNO. ALTERAÇÃO DE TURNO DE TRABALHO. POSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO. A transferência para o período diurno de trabalho implica a perda do direito ao adicional noturno.


16 de maio de 2021

COMO PROCEDER EM CASOS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Acidentes de trânsito, sejam de maiores ou de menores proporções, fazem parte da rotina de todas as cidades e, por isso, dificilmente vemos quem não tenha se envolvido nesse tipo de situação. 

Todavia, apesar desse tipo de situação ser tão comum, ainda vemos as pessoas cometerem erros básicos de procedimentos quando ocorrem acidentes de trânsito, o que muitas vezes levam a processos judiciais nas esferas cível e criminal e/ou a impossibilidade de uma defesa eficiente quando há essa judicialização devido a tais eventos. 

Assim, seguem algumas orientações de como proceder em acidentes de trânsito. 

 

II – ACIDENTES DE TRÂNSITO COM VÍTIMA

 

Os acidentes de trânsito com vítimas merecem um cuidado especial com os envolvidos e, portanto, jamais o condutor pode deixar de socorrer a vítima ou se afastar do local do acidente, uma vez que de uma inevitável lesão corporal culposa (Código de Trânsito Brasileiro, art. 303[1]) agregará os seguintes ilícitos previstos no Código de Trânsito:

 

a)   omissão de socorro (artigo 304):Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave.”;

 

b)  deixar o local do acidente (artigo 305): Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

 

Quando tratar-se de casos de condução de veículo sob influência de substâncias alcoólicas, em relação ao teste do etilômetro (“bafômetro”), o Código de Trânsito determina o seguinte:

 

Art. 277.  O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.

(...)

§3º.  Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165-A deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

 

Cumpre destacar aqui, que o condutor não pode ser compelido a realizar o teste do etilômetro, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial 1677380/RS[2]. Entretanto, outros sinais de embriaguez, quando evidentes, podem ser apontados em processo penal e cível, acarretando a condenação do condutor. 

Com isso, caso ocorra um acidente com vítima, o condutor que tiver condições, seja causador ou não do fato, deve:

 

a) permanecer no local; 

b) prestar socorro a quem estiver ferido; 

c) entrar em contato com o socorro especializado; 

d) entrar em contato com a polícia e/ou autoridade de trânsito do local. 

 

II – ACIDENTES DE TRÂNSITO SEM VÍTIMAS

 

No caso de acidentes sem vítimas, ou seja, somente com danos materiais, são situações que devem ser gerenciadas com certa frieza, mesmo havendo a tensão normal do momento, para não piorar ainda mais as consequências do fato. Vejamos:

 

a)   permanecer no local do fato (lembrar que é vedado deixar o local do acidente, conforme determina o artigo 303 do Código de Trânsito Brasileiro);

 

b)  tirar fotos dos veículos e da via onde ocorreu o fato, bem como tentar anotar os dados do outro condutor e o nome e  contato de possíveis testemunhas do acidente;

 

c) entrar imediatamente em contato com a autoridade de trânsito para que essa compareça ao local do fato, realizando o seu registro. É importante que essa ocorrência seja realizada com brevidade e com o máximo de informações e documentos, uma vez que na maioria dos casos – diria 95% dos casos – o condutor responsável pelo acidente que promete se responsabilizar pelos reparos no veículo do outro, uma semana depois, quando procurado não cumpre a promessa;

 

d) não realizar qualquer tipo de acordo com o outro condutor – em caso de não ser acionado o seguro – sem que o fato seja devidamente registrado e documentado pela autoridade de trânsito. Digo isso, pois é muito comum uma das partes propor que o outro condutor lhe dê na hora algum valor, dizendo: “tá tudo resolvido sem precisarmos esperar o pessoal do trânsito”. Ocorre que o condutor que fizer isso pode perder duas vezes, pois em poucas semanas após esse “acerto” não é de surpreender-se que venha a receber uma citação de ação indenizatória com uma narrativa totalmente diferente dos fatos e com uma documentação que causará grandes problemas para a defesa;

 

e) se um dos condutores insistir em não chamar a autoridade de trânsito, insista em chamá-la. Provavelmente esse motorista resistente a fazer o que a legislação determina está com a sua documentação irregular (a CNH ou o documento do carro);

 

f) caso o outro condutor fuja do local do acidente, permaneça no local, chame a autoridade de trânsito e, após ter em mãos o registro feito por essa autoridade, faça também uma ocorrência por fuga do local do acidente, na delegacia competente ou delegacia online;

 

g) se for realizado um acordo extrajudicial, que esse seja realizado de modo formal (por escrito), elaborado por advogado – ressaltando que nenhum outro profissional, como despachantes, por exemplo, é capacitado para tal –, com duas testemunhas e com firma reconhecida em tabelionato.

 

Importante salientar no presente caso (de acidente sem vítimas), é que se o acidente ocorrer em horário e/ou local em que a permanência dos condutores até que a autoridade de trânsito chegue signifique perigo à sua segurança (por exemplo: fato ocorrido durante a madrugada ou em bairro reconhecidamente perigoso) ou se estiver o motorista se dirigindo a uma emergência (médica ou de um caso realmente grave), há de se fazer um registro rápido do fato e do local e munir-se de documentação que comprove essa impossibilidade de permanecer no aguardo das autoridades.

 

III – CONCLUSÃO

 

Assim, adotando as práticas acima mencionadas, o condutor que se envolver em acidente de trânsito terá a possibilidade de gerenciar com maior tranquilidade e assertividade as consequências do fato perante o outro ou outros envolvidos e com as autoridades responsáveis por registrar e resolver as questões relativas ao acidente. 

 


Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] Código de Trânsito Brasileiro, art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

[2] STJ, REsp 1677380/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 10.10.2017.         


7 de maio de 2021

COMO FUNCIONA O PEDIDO DE DIFERENÇA DA CORREÇÃO DO FGTS (Postagem Antecipada)


 

Alexandre Luso de Carvalho

  

I - INTRODUÇÃO

 

Como é do conhecimento de todos, os trabalhadores pelo regime da CLT (com Carteira de Trabalho assinada) têm 8% (oito por cento) do valor de seu salário recolhido mensalmente pelo empregador em conta administrada pela Caixa Econômica Federal e que serve como uma reserva patrimonial e para alguns momentos específicos de sua vida, conforme estabelecido pela Lei nº 8.036/1990. 

Esses valores, obviamente, como são depositados em conta bancária são remunerados para não perderem seu valor aquisitivo em razão da inflação. Esse, ao menos, seria o objetivo.

 

II – DO MOTIVO DA AÇÃO REVISIONAL

 

Apesar de os valores estarem depositados numa remunerada, a Caixa Econômica Federal utiliza como índice de correção monetária a TR (Taxa de Referência) mais 3% (três por cento) de juros ao ano, como estabelece o artigo 9º, incisos II e III da Lei nº 8.036/1990[1]. Entretanto, tal atualização não se mostrou suficiente desde 1999 para manter o poder de compra dos valores depositados na conta vinculada, uma vez que a inflação superou a TR. 

Com isso, sendo a TR um índice insuficiente para impedir a desvalorização dos valores depositados nas contas vinculadas frente à inflação, estaria a Caixa Econômica Federal descumprindo sua finalidade do fundo de garantia por tempo de serviço, conforme estabelece o artigo 7º, inciso III da Constituição Federal[2], já que a reserva financeira do trabalhador sucumbe à inflação, dentre outros princípios constitucionais. 

Em razão disso, há tempo começou uma onda de ajuizamentos de ações para revisar a correção do período entre 1999 a 2013, na qual se busca índices que garantam uma efetiva recomposição das perdas inflacionárias por meio de outros índices (INPC, IPCA ou IPCA-E). Assim, dependendo do valor constante na conta vinculada, essa diferença entre a TR e o índice a ser adotado pelo Poder Judiciário se mostraria bastante interessante ao trabalhador.

 

III – DA SITUAÇÃO ATUAL DOS PROCESSOS

 

Em relação a situação das ações já ajuizadas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou no recurso repetitivo (REsp 1.614874/SC[3]) – com efeito vinculante aos demais processos de instâncias inferiores – que não cabe o Poder Judiciário modificar o índice atualmente aplicado (TR), sendo tal atribuição do Poder Legislativo (Câmara dos Deputados e Senado Federal), conforme pode ser visto em Tema 731[4] do mesmo STJ. 

Entretanto, foi ajuizada pelo Partido Solidariedade, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.090/2014) sobre o mesmo tema sob a alegação de violação dos seguintes preceitos contidos na Constituição Federal:

 

a) violação ao direito de propriedade (artigo 5º, XXII[5]); 

b) direito ao FGTS (artigo 7º, III[6]); 

c) à moralidade administrativa (artigo 37, caput[7]). 

 

Diante disso, os processos a serem julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) foram suspensos (sobrestados), até que a mencionada ADI 5.090/2014 seja julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), conforme despacho do Ministro Luís Roberto Barroso, transcrito abaixo:

 

Considerando: (a) a pendência da presente ADI 5090, que sinaliza que a discussão sobre a rentabilidade do FGTS ainda será apreciada pelo Supremo e, portanto, não está julgada em caráter definitivo, estando sujeita a alteração (plausibilidade jurídica); (b) o julgamento do tema pelo STJ e o não reconhecimento da repercussão geral pelo Supremo, o que poderá ensejar o trânsito em julgado das decisões já proferidas sobre o tema (perigo na demora); (c) os múltiplos requerimentos de cautelar nestes autos; e (d) a inclusão do feito em pauta para 12/12/2019, defiro a cautelar, para determinar a suspensão de todos os feitos que versem sobre a matéria, até julgamento do mérito pelo Supremo Tribunal Federal.” (Decisão de 06.09.2019, publicada no DJe 16.11.2019).

 

Ocorre que o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.090/2014 que ocorreria no dia 13.05.2021 (quinta-feira), todavia, na tarde dessa sexta-feira (07.05.2021) foi adiado e não tem previsão de nova pauta[8].

Assim, não há mais motivo para a corrida que se anunciava para ajuizar essa ação antes do dia 13.05.2021.

 

IV - CONCLUSÃO

 

A mencionada ação revisional, visando cobrar as diferenças do FGTS, tem alguns aspectos que chamam a atenção quanto à sua viabilidade de sucesso aos trabalhadores e que devem ser levados em conta:

 

a) aspecto jurídico: esse, a princípio, teve a sua primeira abordagem feita pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de negar a revisão. Entretanto, pode ser revertido pelo Supremo Tribunal Federal, se este entender que houve desrespeito aos princípios constitucionais, mencionados anteriormente, o que levaria ao sucesso da ação;

 

b) aspecto econômico: o impacto nos cofres públicos em casos de sucesso na ação – que terá repercussão geral – pode ficar em torno de 295,9 bilhões de reais ou, segundo o Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador (IFGT), pode chegar aos impagáveis 538 bilhões de reais[9], o que gera uma série de consequências para a viabilidade de muitas atividades do Estado. E isso é levado em conta pelo STF, como já ocorreu em outros tantos processos de impacto financeiro importante e que chegaram à Suprema Corte;

 

c) aspecto político: muitos processos julgados pelo STF acabam tendo uma influência política, dependendo de como o Governo Federal se comporta em relação à política como um todo, deixando o Supremo Tribunal Federal, não raro, a melhor lógica jurídica de lado.

 

Assim, pode acontecer, quando do julgamento da ADI 5.090/2014, pelo STF, que este:

 

a) entenda não haver possibilidade legal de revisão do índice de correção pelo Poder Judiciário – confirmando o entendimento do STJ – e aí todas as ações em tramitação, automaticamente, não irão prosperar;

 

b) entenda que há possibilidade legal de o Poder Judiciário revisar o índice, em razão de desrespeito aos princípios constitucionais. Saliente-se que nessa decisão, a Suprema Corte pode decidir que:

 

b.1. todos os trabalhadores com valores depositados em conta vinculada deverão receber essa diferença;

b.2. serão beneficiados somente os trabalhadores que ajuizarem as ações antes do julgamento pelo STF.

  

Com isso, o mais sensato a se fazer é que os interessados procurem um advogado de confiança para este verificar a viabilidade do pedido e realizarem, em conjunto e com calma e critério – já que não há mais os exíguos sete (07) dias para o ajuizamento da ação –, uma análise prévia de seu caso específico, no sentido de avaliarem se os valores a serem pleiteados valem a promoção de um processo judicial, já que se deve levar em conta que há honorários advocatícios a serem pagos e custas processuais – essas para os que não forem beneficiados pela Assistência Judiciária Gratuita – o que muitas vezes pode tornar a quantia a ser recebida muito pequena em relação aos depósitos realizados na conta vinculada.

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] Lei nº 8.036/1990, art. 9º As aplicações com recursos do FGTS serão realizadas exclusivamente segundo critérios fixados pelo Conselho Curador do FGTS e em operações que preencham os seguintes requisitos: (...) II - correção monetária igual à das contas vinculadas; III - taxa de juros média mínima, por projeto, de 3 (três) por cento ao ano;

[2] Constituição Federal, art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) III - fundo de garantia do tempo de serviço;

[3] STJ, REsp 1.614874, 1ª Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 11.04.2018.

[4] STJ, Tema 731. “A remuneração das contas vinculadas ao FGTS tem disciplina própria, ditada por lei, que estabelece a TR como forma de atualização monetária, sendo vedado, portanto, ao Poder Judiciário substituir o mencionado índice.

[5] Constituição Federal, art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - é garantido o direito de propriedade;

 [6] Constituição Federal, art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) III - fundo de garantia do tempo de serviço;

 [7] Constituição Federal, art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[8] Fonte: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/05/07/stf-retira-de-pauta-julgamento-adiado-revisao-fgts.htm?fbclid=IwAR30EhZj6BEhEk1gESK0lfrVtqYZyEkJMPaqi2NSEdE70PpzD3ycFCUS-28

 [9] Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/04/29/stf-vai-julgar-se-trabalhador-tem-direito-a-ganhar-mais-por-rendimento-do-fgts