21 de agosto de 2023

123 MILHAS SUSPENDE PASSAGENS VENDIDAS – O QUE FAZER (Edição Extra)


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Na sexta-feira (18.08.2023), uma notícia pegou milhares de consumidores de surpresa: a 123 Milhas suspendeu a emissão de passagens da linha Promo, já comercializadas pela empresa, com embarque previsto entre os meses de setembro a dezembro de 2023, alegando “‘fatores econômicos e de mercado’ e citou a alta demanda por voos, ‘que mantém elevadas as tarifas mesmo em baixa temporada’, e a taxa de juros elevada[1] 

Com isso, a 123 Milhas comunicou que devolverá o dinheiro corrigido (150% do CDI), só que por meio de vouchers para viagens futuras e ainda oferecidos de forma fracionada, isto é, o consumidor, por exemplo, se fez uma compra de 2 mil reais receberá vários vouchers e não um só do valor da compra. Ocorre que aí está-se diante de um problema que consiste no seguinte:


a) não há a mínima certeza que a empresa honrará esses acordos, uma vez que não conseguiu cumprir a sua obrigação inicial; 

b) nem todos os consumidores irão poder ou querer viajar em data futura imposta no voucher; 

c) o voucher não contemplará as despesas com hotéis reservados, passeios, etc. já arcados pelos consumidores e que serão perdidas em razão da não emissão das passagens.

 

Ocorre que o Código de Defesa do Consumidor dispõe que cabe ao consumidor a escolha do voucher, do dinheiro de volta ou do cumprimento forçado da obrigação. Ou seja, O CONSUMIDOR NÃO É OBRIGADO A ACEITAR O VOUCHER. Aliás, desaconselha-se. 

Portanto, no presente caso, a indicação é:

 

a)   num esse primeiro momento, o que se indica é que se busque contato com a 123 Milhas para requerer o dinheiro de volta, corrigido, fazendo registro desse contato (do e-mail, do Whatsapp e do protocolo da ligação);

 

b)  havendo negativa da 123 Milhas em devolver o dinheiro, resta buscar o Poder Judiciário para reaver a quantia das passagens, bem como os demais danos materiais e morais.

 

Todavia, há de atentar a um aspecto acerca da busca pelo Poder Judiciário, principalmente se o consumidor intencionar buscar os Juizados Especiais Cíveis (Pequenas Causas), cuja explicação já foi dada em artigo neste blog (Alguns Aspectos Sobre os Juizados Especiais Cíveis – Pequenas Causas, publicado em 28.02.2021[2]):


Apesar das facilidades que os Juizados Especiais Cíveis trouxeram ao cidadão, há uma série de equívocos ou “mitos” sobre os Juizados de “Pequenas Causas”. Vejamos:

a)   o Juizado Especial Cível sempre é mais rápido que a “Justiça Comum”. Esse é um equívoco muito comum em razão do rito estabelecido pela Lei nº 9.099/95 prever essa celeridade. Todavia, há certos aspectos que, por vezes, tornam a tramitação do processo no Juizado de “Pequenas Causas” quase tão demorado quanto ao da ação que é ajuizada na “Justiça Comum”. Por exemplo: volume de processos e infraestrutura do Foro, dificuldade de encontrar e citar a parte ré, dificuldade de encontrar bens do devedor, etc.; 

b)  o Juizado Especial Cível é totalmente gratuito. Só há a gratuidade  de Justiça quando da distribuição da ação, quando autor e/ou réu são pessoas comprovadamente de poucos recursos e quando não há recurso da sentença de Primeiro Grau. Caso contrário, em caso de interposição de recurso, o recorrente paga custas, bem como quem perder o recurso (autor ou réu) paga honorários advocatícios sucumbenciais[2], ou seja, os honorários do advogado da parte contrária;

 c) não há necessidade de advogados nos Juizados Especiais Cíveis nas ações até vinte (20) salários mínimos. Não é uma verdade absoluta e, por isso, é um “mito” que muitas vezes acarreta prejuízos a quem até tem o direito postulado. Explico:

 c.1. o autor pode ajuizar a ação, peticionando de próprio punho ou tendo o auxílio de um servidor da Distribuição do Juizado Especial Cível, que tomará a termo o pedido de forma resumida. Isto acarreta, na maioria dos casos, a falta do devido detalhamento dos fatos, das provas e sem a devida e expressa fundamentação jurídica (legal, doutrinária e jurisprudencial); 

c.2. não ocorrendo acordo na audiência de conciliação, é designada uma audiência de instrução e julgamento (para o depoimento das partes e testemunhas, se tiverem), sendo a partir daí obrigatório que as partes sejam acompanhadas por advogados. É aí que reside o problema. O advogado que assumir o caso em andamento e na qual já existe uma petição inicial (geralmente sem o detalhamento dos fatos e sem a devida fundamentação jurídica que sustente e justifique o pedido) e no qual já há documentos juntados, terá uma grande limitação em sua atuação, uma vez que não será mais possível a juntada de novas provas ou a apresentação de tese jurídica mais adequada e tampouco a realização de novos pedidos ou de pedidos diversos dos contidos na petição inicial. Isso, não raro, causa a perda do processo; 

c.3. importante frisar que comumente a parte ré já comparece acompanhada por advogado desde a audiência de conciliação. As empresas, em especial, quando não enviam advogados, mas só prepostos, geralmente não oferecem proposta de acordo. E aí o estrago já está feito, pois o autor entrou com uma ação, tendo uma petição inicial distante de qualquer técnica jurídica e terá que enfrentar a parte contrária que apresentará uma contestação elaborada por um advogado. Ou seja, haverá uma luta desigual.

 

Por fim, o que se indica é que os consumidores prejudicados procurem a orientação para que, a partir dos fatos e provas existentes, possam reaver os valores pagos à 123 Milhas e buscar as demais reparações cabíveis, que serão analisadas caso a caso. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br 

 

Fonte da imagem: Youtube


[1] Fonte: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/08/21/problemas-123milhas.htm#:~:text=Empresa%20anunciou%20que%20suspendeu%20a,interrompidas%20desde%20o%20dia%2016.

[2] https://alexandrelusodecarvalho.blogspot.com/2021/02/alguns-aspectos-sobre-os-juizados.html


19 de agosto de 2023

STF DECIDE QUE É INCONSTITUCIONAL A TESE CRIMINAL DE LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA



Alexandre Luso de Carvalho

 

A Constituição Federal de 1988 estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (artigo 5º, inciso I), bem como estabelece a proteção da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III) e a proteção da vida (artigo 5º, caput). 

Apesar desses princípios constitucionais, em nosso sistema jurídico havia a possibilidade de utilização de uma tese de defesa em casos de homicídio e/ou graves lesões praticados, principalmente, quando havia a certeza ou a suspeita de adultério ou situações semelhantes: a legítima defesa da honra, que mesmo não estando expressa, tal tese era utilizada quase que em sua totalidade em crimes praticados por homens contra suas namoradas, companheiras e esposas. 

O fundamento dessa tese de defesa tinha é que qualquer bem jurídico pode ser defendido legitimamente, incluindo a honra, por meio do homicídio, utilizando como suporte legal o artigo 25 do Código Penal, que estabelece:

 

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a DIREITO seu ou de outrem. (Grifado)

 

Ocorre que mesmo o direito de matar em defesa da honra ter sido abolido da legislação brasileira em 1830, quando da promulgação do Código Criminal do Império, tal tese, por vezes foi utilizada. Um exemplo disso foi em 1976, quando o jurista Evandro Lins e Silva alegou legítima defesa da honra, no rumoroso caso em que o empresário Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, matou a socialite Ângela Diniz, tendo sido bem-sucedida no primeiro julgamento. 

Entretanto, mesmo tendo pouquíssima adoção nos casos de homicídio e feminicídio, a tese de legítima defesa da honra estava no sistema jurídico brasileiro, humilhando, principalmente, as mulheres e deixando claro que nossa sociedade continua tratando-as como cidadãs a serem subjugadas aos homens. Algo completamente inadmissível. 

Assim, no sentido de dar mais um passo, mesmo que tardio, no combate à violência, principalmente contra as mulheres, em 1º.08.2023 em julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779[1] de forma unânime o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a tese a legítima defesa da honra e, portanto, baniu de nosso sistema jurídico esse odioso argumento de defesa. 

Por fim, impossível não saudar tal decisão e registrar neste blog, assim como fizeram várias entidades da sociedade civil organizada e a própria imprensa (em sua grande parte) mais essa emblemática ruptura com o pensamento e modo de agir arcaico da sociedade brasileira, deixando, como últimas palavras, as proferidas pelas Ministras CÁRMEN LÚCIA e ROSA WEBER, respectivamente, no mencionado julgamento:

 

A sociedade ainda hoje é machista, sexista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser donas de suas vidas”. (Cármen Lúcia)

 

“(...) não há espaço para a restauração dos costumes medievais e desumanos do passado pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso em defesa da ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina pela qual se legitima a eliminação da vida de mulheres”. (Rosa Weber) 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


Fonte da imagem



[1] STF, ADPF 779, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 1º.08.2023.