11 de julho de 2021

O TRABALHO POR QUEM ESTÁ SOB AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

 



Alexandre Luso de Carvalho

 

Não é incomum ver alguém procurando um emprego, mas pedindo que sua Carteira de Trabalho não seja assinada em razão de estar recebendo o auxílio-doença ou ser aposentado por invalidez. Esse tipo de pedido, por vezes, é atendido por quem tem relação mais próxima, mais pessoal com o contratado e que geralmente se constituem nas pequenas empresas, escritórios/consultórios, condomínios de pequeno porte, pequenas ONGS e associações ou, ainda, no âmbito doméstico.

Ocorre que quando atendido esse pedido de contratação está-se diante de uma fraude ao sistema previdenciário, seja contra o INSS, seja contra os institutos de previdências estaduais e municipais, uma vez que tais benefícios (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez) não são concedidos pela doença ou deficiência em si, mas pela incapacidade de trabalho que estas causam. 

Tal tipo de fraude dá-se, basicamente, por dois motivos:

 

a) ser o Brasil um país com 27 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, 12,8% da população[1] e com benefícios previdenciários de valores insuficientes para sustentar uma família, impelindo muitos desses segurados que estão sob os mencionados benefícios a buscarem um meio de complementar a renda, mesmo com o prejuízo de sua já debilitada saúde. É isso ou passar fome. Aqui, saliente-se, não se está justificando a fraude – longe disso –, mas expondo um motivo do ilícito cometido;


b) pelo deliberado intuito de obter ganho indevido.

 

Entretanto, seja por um motivo ou por outro, tal fraude não deixa de configurar o crime de estelionato previdenciário, assim disposto no Código Penal, no artigo 171, parágrafo 3º:

 

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: 

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (...) 

§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

 

Assim, quando descoberta a fraude, o Poder Judiciário entende pela existência do crime de estelionato previdenciário, não importando o motivo e tampouco o valor recebido indevidamente – nesse caso não há crime de bagatela, que é aquele que é tão irrelevante pelo fato em si ou pelo valor, não requer intervenção penal –, levando a respectiva condenação, conforme verifica-se no julgado abaixo:

 

PENAL. CRIME DE ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 171, §3º, DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICÁVEL. SENTENÇA CASSADA. 1. Embora o valor da apropriação não seja de muita monta (R$1.216,53), não há como se aplicar ao caso o princípio da insignificância. As circunstâncias do crime de estelionato não se afeiçoam ao delito de bagatela, comportamento social extremamente repulsivo, de lesão deliberada aos cofres públicos com o único intuito de locupletamento ilícito. 2. Apelação provida. (TRF-1, APR 00018997020064013100, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, julgado em 11.02.2019). (Grifado)

  

Além da condenação criminal, frise-se, o segurado que for descoberto trabalhando estando recebendo o auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, terá o benefício cancelado e será condenado a devolver tais valores com a atualização financeira. 

Portanto, o que se vê e que se deve copiar das grandes empresas e instituições é não contratar quem está usufruindo de algum benefício previdenciário que impossibilite a assinatura da Carteira de Trabalho, pois descoberta a fraude, o contratante também pode ficar em posição delicada perante as autoridades. 

Assim, para concluir, o que parece uma esperteza ou a velha malandragem do brasileiro – e que é vista por muitos como algo sem tanta importância –, na realidade é um crime grave e que constantemente é alvo de fiscalização pelos órgãos previdenciários, policiais e da devida condenação pelo Poder Judiciário, sendo somente uma questão de tempo para a descoberta da fraude e a punição de seus culpados.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/04/08/populacao-abaixo-da-linha-da-pobreza-triplica-e-atinge-27-milhoes-de-brasileiros


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