Alexandre Luso de Carvalho
Não é incomum ver alguém procurando um emprego, mas pedindo que sua Carteira de Trabalho não seja assinada em razão de estar recebendo o auxílio-doença ou ser aposentado por invalidez. Esse tipo de pedido, por vezes, é atendido por quem tem relação mais próxima, mais pessoal com o contratado e que geralmente se constituem nas pequenas empresas, escritórios/consultórios, condomínios de pequeno porte, pequenas ONGS e associações ou, ainda, no âmbito doméstico.
Ocorre que quando atendido esse pedido de contratação está-se diante de uma fraude ao sistema previdenciário, seja contra o INSS, seja contra os institutos de previdências estaduais e municipais, uma vez que tais benefícios (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez) não são concedidos pela doença ou deficiência em si, mas pela incapacidade de trabalho que estas causam.
Tal
tipo de fraude dá-se, basicamente, por dois motivos:
a) ser o Brasil um país
com 27 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, 12,8% da
população[1] e com
benefícios previdenciários de valores insuficientes para sustentar uma família,
impelindo muitos desses segurados que estão sob os mencionados benefícios a
buscarem um meio de complementar a renda, mesmo com o prejuízo de sua já
debilitada saúde. É isso ou passar fome. Aqui, saliente-se, não se está
justificando a fraude – longe disso –, mas expondo um motivo do ilícito
cometido;
b) pelo deliberado intuito de obter ganho indevido.
Entretanto,
seja por um motivo ou por outro, tal fraude não deixa de configurar o crime de
estelionato previdenciário, assim disposto no Código Penal, no artigo 171,
parágrafo 3º:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (...)
§ 3º - A pena
aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de
direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou
beneficência.
Assim,
quando descoberta a fraude, o Poder Judiciário entende pela existência do crime
de estelionato previdenciário, não importando o motivo e tampouco o valor
recebido indevidamente – nesse caso não há crime
de bagatela, que é aquele que é tão irrelevante pelo fato em si ou pelo
valor, não requer intervenção penal –, levando a respectiva condenação,
conforme verifica-se no julgado abaixo:
PENAL. CRIME
DE ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 171, §3º, DO CP. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICÁVEL. SENTENÇA CASSADA. 1. Embora o valor da apropriação não seja
de muita monta (R$1.216,53), não há como se aplicar ao caso o princípio da
insignificância. As circunstâncias do crime de estelionato não se afeiçoam ao
delito de bagatela, comportamento social
extremamente repulsivo, de lesão deliberada aos cofres públicos com o único
intuito de locupletamento ilícito. 2. Apelação provida. (TRF-1, APR
00018997020064013100, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, julgado em
11.02.2019). (Grifado)
Além da condenação criminal, frise-se, o segurado que for descoberto trabalhando estando recebendo o auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, terá o benefício cancelado e será condenado a devolver tais valores com a atualização financeira.
Portanto, o que se vê e que se deve copiar das grandes empresas e instituições é não contratar quem está usufruindo de algum benefício previdenciário que impossibilite a assinatura da Carteira de Trabalho, pois descoberta a fraude, o contratante também pode ficar em posição delicada perante as autoridades.
Assim,
para concluir, o que parece uma esperteza ou a velha malandragem do brasileiro
– e que é vista por muitos como algo sem tanta importância –, na realidade é um
crime grave e que constantemente é alvo de fiscalização pelos
órgãos previdenciários, policiais e da devida condenação pelo Poder
Judiciário, sendo somente uma questão de tempo para a descoberta da fraude e a
punição de seus culpados.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Fonte:
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/04/08/populacao-abaixo-da-linha-da-pobreza-triplica-e-atinge-27-milhoes-de-brasileiros
Nenhum comentário:
Postar um comentário