Alexandre Luso de Carvalho
I – INTRODUÇÃO
A Covid-19 no Brasil, além das consequências nefastas – sendo, de longe, a pior delas a perda de quase 600 mil vidas – trouxe polêmicas sobre quase tudo, conforme vemos diariamente nas notícias veiculadas em todos os tipos de mídia.
A última polêmica diz respeito ao fato de o Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD/RJ), ter decretado[1] a obrigatoriedade da comprovação da vacinação contra a Covid-19 para se frequentar estabelecimentos e locais como academias, estádios, ginásios, cinemas, museus, etc.
Essa
polêmica se agigantou em razão de ser o Rio de Janeiro a segunda maior e mais
importante cidade do Brasil, mas, também pelo fato de ser uma tendência nacional.
II – DA JUDICIALIZAÇÃO DO ASSUNTO
Não
bastasse a discussão político-ideológica sobre as regras sanitárias
determinadas pelas autoridades, o decreto assinado pelo Prefeito Eduardo Paes
foi objeto de habeas corpus impetrado
por uma moradora da cidade que alegou cerceamento ao seu direito constitucional de
“ir e vir”, contido na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso
XV[2]. Com
isso, sob o fundamento da preservação ao direito da livre locomoção, o
Desembargador Paulo Rangel, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, em julgamento do mencionado habeas corpus[3]
cassou parte do decreto, cuja parte da fundamentação transcreve-se abaixo:
“Já disse em outra oportunidade e aqui repito. O decreto
divide a sociedade em dois tipos: os vacinados e os não vacinados, impedindo os
NÃO VACINADOS de
circularem livremente pelos locais em que cita do Município do Rio de Janeiro
com grave violação à liberdade de locomoção.
(...)
A carteira de vacinação é um ato que estigmatiza as pessoas
criando uma marca depreciativa e impedindo-as de circularem pelas ruas
livremente, com nítido objetivo de controle social. O propósito é criar uma
regra não admitida juridicamente, mas que visa marcar o indivíduo constituindo
uma meta-regra que está associada ao estigma NÃO
VACINADO. É uma ditadura sanitária. O Decreto
quer controlar as pessoas e dizer, tiranicamente, quem anda e não anda pelas
ruas da cidade”
Ocorre
que o Supremo Tribunal Federal (STF), entende de modo diferente e, julgando o
Recurso interposto pelo Município do Rio de Janeiro, restabeleceu a obrigatoriedade da apresentação do comprovante de
vacinação para acessar os locais mencionados no decreto, tendo,
resumidamente, a seguinte fundamentação do Ministro Luiz Fux, relator do
processo[4]:
a)
Quanto à competência legal do Município
para expedir o decreto:
“(...)
é medida de
combate à pandemia da Covid-19 prevista no rol exemplificativo do art. 3º da
Lei Federal 13.979/2020[5], tendo a
Municipalidade competência para sua adoção, nos termos da jurisprudência deste
Supremo Tribunal Federal, acima mencionada.”
b) Quanto
ao fundamento do Município para a adoção da obrigação de apresentar comprovação
de vacinação: “
“(...)
amparado em
dados técnicos e científicos, e inexistindo patente desproporcionalidade ou
irrazoabilidade em seu conteúdo, impõe-se o reconhecimento da plausibilidade da
argumentação do requerente, de modo a ser privilegiada a iniciativa local nesse
juízo liminar.
Inegável,
lado outro, que a decisão atacada representa potencial risco de violação à
ordem público-administrativa, no âmbito
do Município do Rio de Janeiro, dados seu potencial efeito multiplicador e a
real possibilidade de que venha a desestruturar o planejamento adotado pelas
autoridades municipais como forma de fazer frente à pandemia em seu território,
contribuindo para a disseminação do vírus e retardando a imunização coletiva
pelo desestímulo à vacinação.” (Grifado)
No presente caso, a argumentação do Desembargador Paulo Rangel (de cerceamento da liberdade de locomoção) não se sustenta, pois a fundamentação apresentada pelo Ministro Luiz Fux, acima transcrita, se funda, também, num aspecto jurídico importante: a liberdade de locomoção (de “ir e vir”) não é absoluta, já que as liberdades individuais não se sobrepõem aos direitos coletivos, sendo inclusive dever do Estado (União, Estados e Municípios) promover a saúde, conforme estabelecido no artigo 6º da Constituição Federal[6]. Aliás, sobre esse tema vale reler artigo O Direito de Ir e Vir Durante a Pandemia, postado neste blog em 18.07.2020[7].
Com isso, fica evidente que nesse período excepcional da vida mundial, os
direitos coletivos, principalmente aqueles que visam a contenção da epidemia da
Covid-19, necessariamente terão preferência sobre alguns direitos individuais, desde que amparados por legislação
específica ou já existente e que se aplique ao caso e, principalmente, sempre
nos limites constitucionais.
III – CONCLUSÃO
É importante que fique claro que a exigência da comprovação da vacinação contra a Covid-19 (passaporte de vacinação) não é só uma tendência no Brasil, mas já é uma realidade em alguns países, como a Israel, França, Áustria, Dinamarca, Grécia, dentre outros.
Essa
necessidade de comprovação da vacinação, no entendimento das autoridades, é
ponto fundamental no sentido de não só conter a propagação da pandemia, mas de
estimular o ato de vacinar-se o que, sem dúvida tem consequência na própria retomada
da economia, mas com a devida segurança sanitária.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Decreto Municipal nº 49.335/2021. Dispõe como medida sanitária de caráter excepcional,
sobre a obrigatoriedade de comprovação da vacinação contra COVID-19, para o
acesso e a permanência nos estabelecimentos e locais que menciona, e dá outras
providências.
[2] Constituição Federal, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.
[3] TJRJ, Habeas Corpus nº 0070957-89.2021.8.190000, 3ª Câmara Criminal, julgado em 29.09.2021.
[4] STF, Medida Cautelar na Suspensão de Tutela
Provisória 824 Rio de Janeiro, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30.09.2021.
[5] Lei nº 13.979/2020. Dispõe sobre as
medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
[6] CF/88, Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
É realmente um caso complicado para pessoas que nem receberam a formação escolar média...
ResponderExcluirQue venham dias melhores, amigo. Beijinhos
~~~~~~
Boa tarde, cara Majo Dutra!
ResponderExcluirA conscientização da população poderia, se não houvesse a ideologização do assunto, em mero ato sem qualquer possibilidade de judicializar a necessidade de comprovar a vacinação. Aliás, numa sociedade mais evoluída não deveria ser sequer necessária tal comprovação em razão do natural entendimento da necessidade da vacina.
Grande abraço!