3 de outubro de 2021

A VALIDADE JURÍDICA DO “PASSAPORTE” CONTRA A COVID-19


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

A Covid-19 no Brasil, além das consequências nefastas – sendo, de longe, a pior delas a perda de quase 600 mil vidas – trouxe polêmicas sobre quase tudo, conforme vemos diariamente nas notícias veiculadas em todos os tipos de mídia. 

A última polêmica diz respeito ao fato de o Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD/RJ), ter decretado[1] a obrigatoriedade da comprovação da vacinação contra a Covid-19 para se frequentar estabelecimentos e locais como academias, estádios, ginásios, cinemas, museus, etc. 

Essa polêmica se agigantou em razão de ser o Rio de Janeiro a segunda maior e mais importante cidade do Brasil, mas, também pelo fato de ser uma tendência nacional.

 

II – DA JUDICIALIZAÇÃO DO ASSUNTO

 

Não bastasse a discussão político-ideológica sobre as regras sanitárias determinadas pelas autoridades, o decreto assinado pelo Prefeito Eduardo Paes foi objeto de habeas corpus impetrado por uma moradora da cidade que alegou cerceamento ao seu direito constitucional de “ir e vir”, contido na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XV[2]. Com isso, sob o fundamento da preservação ao direito da livre locomoção, o Desembargador Paulo Rangel, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em julgamento do mencionado habeas corpus[3] cassou parte do decreto, cuja parte da fundamentação transcreve-se abaixo:

 

“Já disse em outra oportunidade e aqui repito. O decreto divide a sociedade em dois tipos: os vacinados e os não vacinados, impedindo os NÃO VACINADOS de circularem livremente pelos locais em que cita do Município do Rio de Janeiro com grave violação à liberdade de locomoção.

(...)

A carteira de vacinação é um ato que estigmatiza as pessoas criando uma marca depreciativa e impedindo-as de circularem pelas ruas livremente, com nítido objetivo de controle social. O propósito é criar uma regra não admitida juridicamente, mas que visa marcar o indivíduo constituindo uma meta-regra que está associada ao estigma NÃO VACINADO. É uma ditadura sanitária. O Decreto quer controlar as pessoas e dizer, tiranicamente, quem anda e não anda pelas ruas da cidade”

  

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF), entende de modo diferente e, julgando o Recurso interposto pelo Município do Rio de Janeiro, restabeleceu a obrigatoriedade da apresentação do comprovante de vacinação para acessar os locais mencionados no decreto, tendo, resumidamente, a seguinte fundamentação do Ministro Luiz Fux, relator do processo[4]:

 

a)   Quanto à competência legal do Município para expedir o decreto:

 

“(...) é medida de combate à pandemia da Covid-19 prevista no rol exemplificativo do art. 3º da Lei Federal 13.979/2020[5], tendo a Municipalidade competência para sua adoção, nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, acima mencionada.

 

b)  Quanto ao fundamento do Município para a adoção da obrigação de apresentar comprovação de vacinação:

 

“(...) amparado em dados técnicos e científicos, e inexistindo patente desproporcionalidade ou irrazoabilidade em seu conteúdo, impõe-se o reconhecimento da plausibilidade da argumentação do requerente, de modo a ser privilegiada a iniciativa local nesse juízo liminar.

Inegável, lado outro, que a decisão atacada representa potencial risco de violação à ordem público-administrativa, no âmbito do Município do Rio de Janeiro, dados seu potencial efeito multiplicador e a real possibilidade de que venha a desestruturar o planejamento adotado pelas autoridades municipais como forma de fazer frente à pandemia em seu território, contribuindo para a disseminação do vírus e retardando a imunização coletiva pelo desestímulo à vacinação.” (Grifado)

  

No presente caso, a argumentação do Desembargador Paulo Rangel (de cerceamento da liberdade de locomoção) não se sustenta, pois a fundamentação apresentada pelo Ministro Luiz Fux, acima transcrita, se funda, também, num aspecto jurídico importante: a liberdade de locomoção (de “ir e vir”) não é absoluta, já que as liberdades individuais não se sobrepõem aos direitos coletivos, sendo inclusive dever do Estado (União, Estados e Municípios) promover a saúde, conforme estabelecido no artigo 6º da Constituição Federal[6]. Aliás, sobre esse tema vale reler artigo O Direito de Ir e Vir Durante a Pandemia, postado neste blog em 18.07.2020[7]. 

Com isso, fica evidente que nesse período excepcional da vida mundial, os direitos coletivos, principalmente aqueles que visam a contenção da epidemia da Covid-19, necessariamente terão preferência sobre alguns direitos individuais, desde que amparados por legislação específica ou já existente e que se aplique ao caso e, principalmente, sempre nos limites constitucionais.

  

III CONCLUSÃO

 

É importante que fique claro que a exigência da comprovação da vacinação contra a Covid-19 (passaporte de vacinação) não é só uma tendência no Brasil, mas já é uma realidade em alguns países, como a Israel, França, Áustria, Dinamarca, Grécia, dentre outros. 

Essa necessidade de comprovação da vacinação, no entendimento das autoridades, é ponto fundamental no sentido de não só conter a propagação da pandemia, mas de estimular o ato de vacinar-se o que, sem dúvida tem consequência na própria retomada da economia, mas com a devida segurança sanitária.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] Decreto Municipal nº 49.335/2021. Dispõe como medida sanitária de caráter excepcional, sobre a obrigatoriedade de comprovação da vacinação contra COVID-19, para o acesso e a permanência nos estabelecimentos e locais que menciona, e dá outras providências.

[2] Constituição Federal, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.

[3] TJRJ, Habeas Corpus nº 0070957-89.2021.8.190000, 3ª Câmara Criminal, julgado em 29.09.2021. 

[4] STF, Medida Cautelar na Suspensão de Tutela Provisória 824 Rio de Janeiro, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30.09.2021.

[5] Lei nº 13.979/2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

[6] CF/88, Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 


2 comentários:

  1. É realmente um caso complicado para pessoas que nem receberam a formação escolar média...
    Que venham dias melhores, amigo. Beijinhos
    ~~~~~~

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  2. Boa tarde, cara Majo Dutra!

    A conscientização da população poderia, se não houvesse a ideologização do assunto, em mero ato sem qualquer possibilidade de judicializar a necessidade de comprovar a vacinação. Aliás, numa sociedade mais evoluída não deveria ser sequer necessária tal comprovação em razão do natural entendimento da necessidade da vacina.

    Grande abraço!

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