Alexandre Luso de Carvalho
I - INTRODUÇÃO
Publicado em 02.03.2020, em minha página do Facebook (Advogado Alexandre Luso de Carvalho), antes da criação deste blog, creio ser importante a republicação deste artigo, tendo em vista que desde o início da pandemia todos os assuntos ligados à saúde tomaram um natural protagonismo.
Assim,
cabe retornar ao assunto com algumas atualizações em razão, também, dos
desdobramentos da pandemia em relação ao atendimento de urgência e
emergência e sua cobertura pelos planos de saúde durante o período de carência.
II – ATENDIMENTO DO SUS E COMPLEMENTO
DOS PLANOS DE SAÚDE
Sendo o SUS insuficiente e, portanto, ineficiente no geral, para dar conta dos tratamentos médico-hospitalares (consultas, exames e internações), os planos de saúde obviamente ganharam importância nas vidas das famílias.
Aproveitando-se disso, as operadoras (empresas) de plano de saúde impõem os contratos de adesão, isto é, contratos sem a possibilidade de mudança em suas cláusulas, mesmo que sejam abusivas. Entretanto, para não depender dos SUS, o consumidor adere a tal contrato abusivo.
Para o início da cobertura dos planos de saúde, as carências são de 300 dias para parto, 180 dias para os demais casos, mas para o atendimento de urgência/emergência é de 24 horas, conforme estabelece a Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde).
Um dos problemas desses contratos são as cláusulas que dificultam ou até impossibilitam, também, a cobertura nos casos de emergência/urgência durante o período de carência, pois, impõem limites de tempo nesse atendimento, com base na Resolução nº 13/98 do Conselho de Saúde Suplementar que estabelece a cobertura para esse atendimento (de emergência) conforme os diferentes planos oferecidos e contratados, quais sejam:
a) no plano de assistência ambulatorial, é garantida a cobertura nas
primeiras 12 horas de atendimento, conforme estabelece a Resolução 13/98 do
Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) em seu artigo 2º[1]. Após esse limite, a
continuidade do tratamento será por conta do paciente ou realizado pelo SUS,
devendo a operadora, caso o paciente não tenha condições de arcar com os custos
do tratamento, garantir o seu encaminhamento hospital da rede pública ou
privada para a continuidade desse tratamento, conforme entende o Superior
Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial 1764859/RS[2]:
“(...) cessa a responsabilidade da operadora, porém ela
deverá zelar para que o paciente seja conduzido para unidade hospitalar (da
rede pública ou privada, indicada pelo paciente ou familiar) no qual seja
possível o prosseguimento do atendimento hospitalar, se, no local, não houver
condições para tanto.”
b) no plano de assistência hospitalar, conforme estabelece o artigo 3º e
parágrafos[3] da
mencionada Resolução 13/98 se o caso de urgência/emergência necessitar de
internação, a cobertura é total até a alta do paciente, exceto durante a
carência para tal (24 horas). Todavia, apesar de tal dispositivo legal, algumas
operadoras de planos de saúde inserem em seus contratos cláusulas que limitam o
atendimento de urgência/emergência, inclusive nessa modalidade de plano. Em
razão disso, após inúmeras decisões coibindo tal prática é que o Superior
Tribunal de Justiça (STJ), em sua Súmula 302, decidiu que “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a
internação hospitalar do segurado”. Nesse sentido, entendem vários
Tribunais do país, conforme julgado abaixo:
“PLANO
DE SAÚDE. DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRAZO DE CARÊNCIA. Autora que foi internada
com urgência por apresentar apendicite. Negativa de cobertura da cirurgia, sob
alegação de que não tinha sido cumprido o prazo de carência. Procedimento de
caráter emergencial. Prazo de carência que pode ser de, no máximo, 24 horas,
nos termos do artigo 12, inciso V, item C, da Lei 9.656/98 e da Súmula 103 do
TJSP. Alegação de cobertura obrigatória somente nas primeiras 12 horas não
prospera, pois é contrária à Súmula 302 do STJ. Abusividade na negativa de
cobertura. Reembolso integral. Não apresentação dos valores correspondentes ao
limite contratual. Cláusula que estipula limite de reembolso não redigida de
maneira clara ao consumidor. Art. 46, CDC. Dano moral não configurado. Sentença
mantida. Recursos não providos.” (TJSP, Apelação Cível 1001501-09.2014.8.26.0510,
Rel. Desª Fernanda Gomes Camacho, 5ª Câmara de Direito Privado, julgado em
11/11/2016)
Frise-se: em casos envolvendo gestação, a cobertura será integral, independentemente da categoria do plano (artigo 4º[4] da Resolução 13/98 do CONSU).
Fundamental nisso tudo, também é salientar que a relação entre o público e as operadoras de planos de saúde é regrada pelo Código de Defesa do Consumidor, que prevê a interpretação contratual mais favorável ao consumidor, afastando a abusividade das cláusulas contratuais, inclusive – e principalmente – nos contratos de adesão.
Portanto, apesar de as operadoras não mudarem as cláusulas, é imprescindível que o consumidor preste atenção no contrato para saber quando deverá buscar o socorro do Poder Judiciário para a anulação dessas cláusulas abusivas e propiciar o total atendimento de urgência/emergência.
III – DA COBERTURA
PARA OS CASOS DE COVID-19
Em relação ao atendimento de urgência/emergência para os
casos de Covid-19, há de se destacar alguns aspectos, conforme constante no
site da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)[5]:
a)
a ANS incluiu no rol
de procedimentos o exame SARS-Cov-2 (Coronavírus Covid-19) – pesquisa por
RT-PCR;
b) os planos de saúde têm cobertura obrigatória para consultas,
internações (em leitos hospitalares e de UTI), atend0-se sempre ao plano
contratado (ambulatorial ou hospitalar) e nos planos antigos (antes da Lei nº
9.656/98) vale o estabelecido em cada contrato;
c) os planos de saúde podem exigir o cumprimento da carência,
inclusive a de urgência/emergência (24 horas).
Entretanto, apesar de os planos de saúde serem obrigados a
realizar o atendimento para casos de Covid-19, incluindo os casos de
urgência/emergência, há sempre de se levar em conta que por causa da conhecida
sobrecarga hospitalar em razão da pandemia, nem sempre a obrigação do
atendimento, na prática poderá ocorrer, pois faltam leitos na rede pública e
privada. Portanto, é necessário diferenciar a recusa da cobertura pela operadora da
possibilidade do atendimento pelo hospital. São duas coisas absolutamente distintas.
IV - CONCLUSÃO
Assim, a partir do que foi brevemente abordado neste artigo,
é sempre importante que os consumidores contratantes dos planos de saúde fiquem
atentos a alguns aspectos:
a) ao que é oferecido pelas operadoras, sempre buscando guardar
a publicidade e/ou o comprovante dessas ofertas;
b) qual a cobertura oferecida em cada segmento de plano e
principalmente e as cláusulas contratuais gerais e específicas;
c) ao cumprimento, por parte da operadora tanto do contrato como dos direitos do contratante, tanto como consumidor, como cidadão.
É
esse cumprimento do contrato e observância dos direitos de consumidor e de
cidadão ao qual o contratante deve ficar atento, pois em muitos casos pode ser
necessária a intervenção do Poder Judiciário para coibir os abusos praticados.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Resolução CONSU, art. 2º. O plano ambulatorial deverá garantir cobertura de urgência
e emergência, limitada até as primeiras 12 (doze) horas do atendimento.
[2] STJ, REsp 1764859/RS 2018/0094319-2, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06.11.2018, DJe 08.11.2018.
[3] Resolução CONSU, art. 3º. Os contratos de plano hospitalar devem oferecer cobertura
aos atendimentos de urgência e emergência que evoluírem para internação, desde
a admissão do paciente até a sua alta ou que sejam necessários à preservação da
vida, órgãos e funções.
§1o.
No plano ou seguro do segmento hospitalar, quando o atendimento de emergência
for efetuado no decorrer dos períodos de carência, este deverá abranger
cobertura igualmente àquela fixada para o plano ou seguro do segmento
ambulatorial, não garantindo, portanto, cobertura para internação.
§2o.
No plano ou seguro do segmento hospitalar, o atendimento de urgência decorrente
de acidente pessoal, será garantido, sem restrições, após decorridas 24 (vinte
e quatro) horas da vigência do contrato.
§3o.
Nos casos em que a atenção não venha a se caracterizar como própria do plano
hospitalar, ou como de risco de vida, ou ainda, de lesões irreparáveis, não
haverá a obrigatoriedade de cobertura por parte da operadora.
[4] Resolução CONSU, art. 4º. Os contratos de plano hospitalar, com ou sem cobertura obstétrica, deverão garantir os atendimentos de urgência e emergência quando se referirem ao processo gestacional.
Parágrafo único. Em caso de necessidade de assistência médica hospitalar decorrente da condição gestacional de pacientes com plano hospitalar sem cobertura obstétrica ou com cobertura obstétrica – porém ainda cumprindo período de carência – a operadora estará obrigada a cobrir o atendimento prestado nas mesmas condições previstas no art.2° para o plano ambulatorial.
[5] https://www.ans.gov.br/images/stories/noticias/pdf/covid_19/Perguntas_e_Respostas-Coronavirus.pdf
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