Alexandre Luso de Carvalho
I – INTRODUÇÃO
Há tempo a propagação de notícias falsas pela internet encontrou campo fértil em razão da ampliação das plataformas de redes sociais, da criação de outras e, principalmente, pelo maior acesso da população à tal meio de comunicação. Só para ter-se uma ideia, já em 2018, o Brasil era o 3º colocado no Mundo com maior exposição às fake news, conforme matéria da Forbes[1]. Tal realidade ganhou mais corpo com a polarização política e o advento da pandemia de Covid-19.
Todavia,
a internet já não é mais uma “terra
de ninguém”. Isso é fato. A liberdade de uso e de expressão nas redes sociais e nos demais meios de comunicação é
relativa, uma vez que esbarra em princípios legais já estabelecidos pela
Constituição Federal, Código Civil e Código Penal e demais leis correlatas, bem
como na própria lei específica (Lei nº12.965/2014, que estabelece princípios,
garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil – é o “marco
civil da internet).
II – OS ILÍCITOS NA PROPAGAÇÃO DE
NOTÍCIAS FALSAS
A limitação ao direito de postagem não surgiu de mero entendimento dos tribunais ou da vontade dos legisladores, mas de uma necessidade acarretada pelo mau uso da internet e em especial das redes sociais, em razão do grande e perigoso aumento das propagações de fake news sobre quase todos os assuntos que fazem parte de nosso cotidiano, bem como sobre pessoas, sejam públicas (políticos, atletas, artistas, grandes empresários, etc.) ou não.
Ocorre que a produção, publicação e
divulgação de fake news, seja via internet, seja qualquer outro meio de
comunicação, constitui ilícito penal, que assim são tipificados no CÓDIGO PENAL:
Calúnia
Art. 138. Caluniar alguém,
imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena
incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia
contra os mortos.
Difamação
Art. 139.
Difamar alguém,
imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Injúria
Art. 140. Injuriar alguém,
ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Incitação ao crime
Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de
três a seis meses, ou multa.
Denunciação caluniosa
Art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial,
de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo
administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade
administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar
ou ato ímprobo de que o sabe inocente:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de
anonimato ou de nome suposto.
§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática
de contravenção.
Em
relação, especificamente ao momento sanitário que vivemos (a pandemia
de Covid-19), quem produzir e/ou espalhar notícias falsas incorrerá, também, no
disposto na LEI
DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS, em seu artigo 41:
Art. 41. Provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto:
Pena – prisão simples, de
quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação
policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito
civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de
crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral:
Pena - reclusão, de 2
(dois) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se
serve do anonimato ou de nome suposto.
§ 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de
prática de contravenção.
§ 3º Incorrerá nas mesmas penas deste
artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade
eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que
lhe foi falsamente atribuído.
No
que diz respeito ao CÓDIGO
CIVIL, dependendo do caso, há possibilidade de ações
indenizatórias, em razão dos seguintes dispositivos:
Art. 186. Aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato
ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.
Frise-se
que as condenações existentes pela publicação, postagem e divulgação de
notícias falsas podem ser, dependendo do caso, cumulativas, agravando ainda
mais a situação de quem cometer tais ilícitos.
III – MEDIDAS DE COMBATE ÀS FAKE NEWS
Em
razão da profusão dessas falsas notícias, que tomaram uma proporção de agressão
à democracia, ao Estado Democrático de Direito, à saúde pública, às
instituições, às empresas e aos direitos individuais do cidadão é que o Poder Legislativo
agiu no sentido de:
a)
instalar, em setembro de 2019, a CPMI
(Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News por requerimento do Deputado Federal Alexandre Leite
(DEM/SP), que contou com o apoio de 276 deputados federais e 48 senadores;
b) elaborar o Projeto de
Lei nº 2.630/2020, de autoria do Senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE), que
institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet consta uma série de
dispositivos que regulam as informações por meio da internet, combate as informações falsas e impõem sanções em tais
casos;
c) no Projeto de Lei nº 2.108/2021,
que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN) – com texto de origem no Projeto
de Lei 2.462/1991, do promotor e ex-deputado federal Hélio Bicudo e que no
Senado recebeu três emendas pelo Relator, Senador Rogério Carvalho (PT/SE) – e
que foi sancionado (aprovado) pelo Presidente da República, sob o número de Lei
14.197/2021. Todavia, justamente os dispositivos que impediam as fake news durante o processo eleitoral e
puniam quem as produzissem e divulgassem foram vetados por Jair Bolsonaro, o
que é considerado um desserviço ao combate à disseminação de notícias falsas.
d) o veto e devolução pelo
Presidente do Senado, da Medida Provisória nº 1.068/2021, que limitava a moderação
e remoção de conteúdos publicados nas redes sociais, dentre eles os que contém “notícias”
sabidamente falsas.
Cumpre
destacar que além do Poder Legislativo, dentro de sua área de atuação, o
combate às notícias falsas encontra, também, no Poder Judiciário outro
importante aliado, conforme pode ser visto em várias decisões condenatórias,
nas mais diversas atividades, como exemplificado abaixo:
ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA. INSERÇÕES. TV.
UTILIZAÇÃO DE NOTÍCIA FALSA. FAKE NEWS. CARATERIZAÇÃO. PEDIDO
LIMINAR. CONCEDIDO. 1. Divulgação de fatos sabidamente
inverídicos, enseja suspensão de veiculação de vídeo combatido. 2, Existência
de notícia comprovadamente falsa, que degrada o candidato representante. 3.
Deferimento do pedido liminar. (TRE/PE, RP 060290094 Recife/PE, Rel. Stênio
José de Sousa Neiva Coêlho, julgadoem 04.10.2018).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL. PONDERAÇÃO
ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS DA PERSONALIDADE. NOTÍCIA FALSA. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA. 1.
Incorre em ato ilícito a veiculação de notícia falsa e para a qual o jornal
tinha o dever e também condições de checar a informação, haja vista que outro jornal
já havia publicado cinco dias antes a informação verdadeira de inexistência de
sabotagem no Cindacta IV. 2. No
Estado Democrático de Direito, não se concebe o exercício absoluto e irrestrito
da liberdade de imprensa. Embora máximo em nosso ordenamento, a liberdade é
ponderada pelo critério de ser verdadeira, conforme parâmetros definidos no
julgamento da Reclamação nº 18.638/CE do Supremo Tribunal Federal. Recurso
conhecido e desprovido. (TJAM, AC nº 0213584-87.2008.8.04.0001, 1ª Câmara
Cível, Rel. Des. Cláudio César Ramalheira Roessing, julgado em 12.12.2019).
Além
de alguns setores do Poder Público estarem realizando medidas de combate às fake news, a imprensa, órgãos de classe,
associações e outros setores da sociedade também têm lutado sistematicamente
contra as notícias falsas, por meio de campanhas educativas - para a população verificar se o que chega às suas redes sociais é falso ou verdadeiro antes de sua retransmissão -, o que se mostra uma reação
salutar diante de quem comete esses atos ilegais.
IV – CONCLUSÃO
Assim, se população deseja que evoluamos como sociedade, a informação veiculada de maneira séria faz parte desse processo e não as fake news. Não são as notícias falsas que colocarão o Brasil “no rumo certo”. O que ajudará o País a evoluir é a verdade.
Portanto, numa era em que, como em outro artigo já disse, os dedos são mais rápidos que o cérebro
e, por causa disso, as postagens são inconsequentes, devemos parar e analisar
se aquela notícia pode ser falsa ou não e verificarmos a sua fonte. Ajudar a
endireitar o Brasil não pode passar pelo cometimento de ilícitos.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
Gostei de ler e saber. É tempo de pôr cobro a tanta indecência!
ResponderExcluirBoa semana, Alexandre. Beijinho.
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Boa noite, caríssima Majo Dutra.
ExcluirQue bom que gostaste do artigo! O fim da indecência que são as fake news passam mais por quem replica, não dando visibilidade à mentira, pois o mentiroso sempre será mentiroso.
Grande abraço!
Creio que boatos e divulgação de falsas notícias sempre existiu, entretanto, com a ampliação das redes sociais, esses boatos se espalharam com mais rapidez. É preciso ter senso critico antes de espalhamos as noticias.
ExcluirBoa tarde, Sara!!
ExcluirTens toda a razão! O problema dos usuários de redes sociais é o que sempre digo: os dedos são mais rápidos que o cérebro. Daí o senso crítico é severamente prejudicado.
Muito obrigado pela leitura.
Grande abraço!