13 de fevereiro de 2022

O AFASTAMENTO DA GESTANTE DO TRABALHO EM RAZÃO DA PANDEMIA


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Com a pandemia de Covid-19, verificamos uma série de mudanças nas relações de trabalho. Umas serão temporárias e outras, possivelmente, terão um caráter permanente. Uma dessas modificações diz respeito ao trabalho das gestantes. 

Em razão dos riscos advindos do contágio pelo coronavírus e de suas conhecidas consequências, foi promulgada a Lei nº 14.151/2021, que “Dispõe sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus”, que estabelece o seguinte:

 

Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.

Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 

 

Ocorre que o texto legal deixou lacunas bastante importantes e que geram um questionamento muito pertinente: se o trabalho, por sua natureza, só puder ser desempenhado de modo presencial, quem pagará o salário da gestante? 

Analisando o tema – que é bastante singelo – e o texto da mencionada lei,  inclino-me a pensar que essa lacuna é proposital, no sentido de causar confusão para buscar desonerar o INSS de um pagamento quase que automático (por meio de requerimento administrativo) da licença-maternidade de empregadas que não possam desempenhar suas atividades laborais de modo remoto. Não vejo outra explicação para uma lei tão incompleta e mal redigida. Imaginem, por exemplo, uma trabalhadora doméstica (empregada, cuidadora, babá, etc.), uma chef de cozinha ou uma enfermeira, desempenhando seu trabalho por vídeo? É impossível! E o empregador teria que continuar arcando com o salário da empregada? É injusto!

Em seu artigo “A empregada gestante e a pandemia do COVID-19 – Breve análise da Lei nº 14.151/2021[1], postado no site Ju.com.br, em outubro de 2021, o advogado e professor FERNANDO AUGUSTO SALES, muito bem abordou o assunto, conforme transcrição abaixo:

 

“A Lei nº 14.151/2021 permitiu o afastamento da emprega gestante das atividades presenciais, enquanto perdurar a situação de emergência de saúde pública de importância nacional, sem prejuízo de sua remuneração. Na prática, a empregada gestante deverá ficar em casa durante o período da pandemia, recebendo seu salário.

Questão importante a ser trazida aqui, porque não resolvida nem esclarecida pela lei em voga, que é omissa, diz respeito a quem vai pagar o salário.

Olhando do ponto de vista do empregador, entende-se que o pagamento deve ser realizado pelo INSS, a título de salário-maternidade.

Explica-se:

A Lei 8.213/91 prevê, no art. 71, que o salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade (grifamos essa última parte).

‘Entendendo que o ordenamento jurídico deve ser encarado como um sistema, a legislação de proteção à maternidade, mencionada no texto legal acima transcrito, inclui, por óbvio, a Lei nº 14.151/2021. Logo, havendo o afastamento da empregada-gestante do trabalho em decorrência da pandemia, a sua remuneração deverá ser paga pelo INSS, integralmente, conforme Lei nº 8.213/1991, art. 72 [o salário-maternidade para a segurada empregada ou trabalhadora avulsa consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração integral].

O procedimento para pagamento da remuneração é aquele previsto na Lei nº 8.213/1991, art. 72, § 1o: Cabe à empresa pagar o salário-maternidade devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. Assim, a empresa-empregadora pagará à empregada-gestante a remuneração devida e, ao depois, receberá do INSS o valor pago, mediante compensação com as contribuições a ele devidas.

Mas o auxílio-maternidade só é de ser concedido às empregadas-gestantes que não puderem realizar seu trabalho de forma remota, na forma do parágrafo único do art. 1º daquela Lei nº 14.151/2021, configurando o efetivo afastamento do trabalho, incidindo a regra da Lei nº 8.213/1991, art. 71-C, que impõe que a percepção do salário-maternidade, inclusive o previsto no art. 71-B, está condicionada ao afastamento do segurado do trabalho ou da atividade desempenhada, sob pena de suspensão do benefício.”


Aliás, confirmando esse entendimento, o que se tem visto é a determinação, por parte do Poder Judiciário Federal[2], de que o pagamento das empregadas (funcionárias) que não possam, pela natureza de sua atividade profissional, exercerem suas atividades de forma remota, devem ser feitos pelo INSS por meio do benefício do auxílio-maternidade, utilizando, também, como fundamento para tais decisões o desempenho do trabalho em local salubre, estabelecido pela CLT, em seu artigo 394-A, parágrafo 3º:

 

Art. 394-A – Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: 

I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação;

II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo,

III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau,

(...)

§ 3o  Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento.   

 

Com isso, havendo impossibilidade de a gestante desempenhar suas atividades laborais de modo remoto, há de se solicitar o auxílio-maternidade e; não sendo este concedido administrativamente, a via adequada é a busca do Poder Judiciário Federal para que a empregada receba o que lhe é de direito e o empregador não pague por uma obrigação que é do Estado, através do INSS.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] https://jus.com.br/artigos/93904/a-empregada-gestante-e-a-pandemia-do-covid-19.

[2] TRF-3, Mandado de Segurança nº 5003320-62.2021.4.03.6128, 1ª Vara Cível Federal de Jundiaí/SP, julgado em 02.07.2021 // TFR-3, Procedimento comum cível nº 5006449-07.2021.4.03.6183, 14ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP, Juíza Federal Noemi Martins de Oliveira, julgado em 05.07.2021.


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