Alexandre Luso de Carvalho
Com a pandemia de Covid-19, verificamos uma série de mudanças nas relações de trabalho. Umas serão temporárias e outras, possivelmente, terão um caráter permanente. Uma dessas modificações diz respeito ao trabalho das gestantes.
Em
razão dos riscos advindos do contágio pelo coronavírus e de suas conhecidas
consequências, foi promulgada a Lei nº 14.151/2021, que “Dispõe sobre o afastamento da empregada gestante
das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de
importância nacional decorrente do novo coronavírus”,
que estabelece o seguinte:
Art. 1º Durante a
emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo
coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de
trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo
único. A empregada afastada nos termos
do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as
atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra
forma de trabalho a distância.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Ocorre que o texto legal deixou lacunas bastante importantes e que geram um questionamento muito pertinente: se o trabalho, por sua natureza, só puder ser desempenhado de modo presencial, quem pagará o salário da gestante?
Analisando o tema – que é bastante singelo – e o texto da mencionada lei, inclino-me a pensar que essa lacuna é proposital, no sentido de causar confusão para buscar desonerar o INSS de um pagamento quase que automático (por meio de requerimento administrativo) da licença-maternidade de empregadas que não possam desempenhar suas atividades laborais de modo remoto. Não vejo outra explicação para uma lei tão incompleta e mal redigida. Imaginem, por exemplo, uma trabalhadora doméstica (empregada, cuidadora, babá, etc.), uma chef de cozinha ou uma enfermeira, desempenhando seu trabalho por vídeo? É impossível! E o empregador teria que continuar arcando com o salário da empregada? É injusto!
Em
seu artigo “A empregada gestante e a
pandemia do COVID-19 – Breve análise da Lei nº 14.151/2021”[1], postado
no site Ju.com.br, em outubro de
2021, o advogado e professor FERNANDO AUGUSTO SALES,
muito bem abordou o assunto, conforme transcrição abaixo:
“A Lei nº 14.151/2021 permitiu o afastamento da emprega gestante
das atividades presenciais, enquanto perdurar a situação de emergência de saúde
pública de importância nacional, sem prejuízo de sua remuneração. Na prática, a
empregada gestante deverá ficar em casa durante o período da pandemia,
recebendo seu salário.
Questão importante a ser trazida aqui, porque não resolvida nem
esclarecida pela lei em voga, que é omissa, diz respeito a quem vai pagar o
salário.
Olhando do ponto de vista do empregador, entende-se que o
pagamento deve ser realizado pelo INSS, a título de salário-maternidade.
Explica-se:
A Lei 8.213/91 prevê, no art. 71, que o
salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120
(cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes
do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições
previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade (grifamos
essa última parte).
‘Entendendo que o ordenamento jurídico deve ser encarado
como um sistema, a legislação de proteção à maternidade, mencionada no texto
legal acima transcrito, inclui, por óbvio, a Lei nº 14.151/2021. Logo, havendo
o afastamento da empregada-gestante do trabalho em decorrência da pandemia, a
sua remuneração deverá ser paga pelo INSS, integralmente, conforme Lei nº
8.213/1991, art. 72 [o salário-maternidade para a segurada empregada
ou trabalhadora avulsa consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração
integral].
O procedimento para pagamento da remuneração é aquele previsto
na Lei nº 8.213/1991, art. 72, § 1o: Cabe à empresa pagar o salário-maternidade
devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação, observado
o disposto no art. 248 da Constituição Federal, quando do recolhimento das
contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos
ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço.
Assim, a empresa-empregadora pagará à empregada-gestante a remuneração devida
e, ao depois, receberá do INSS o valor pago, mediante compensação com as
contribuições a ele devidas.
Mas o auxílio-maternidade só é de ser concedido às
empregadas-gestantes que não puderem realizar seu
trabalho de forma remota, na forma do parágrafo único do art. 1º daquela Lei nº
14.151/2021, configurando o efetivo afastamento do trabalho,
incidindo a regra da Lei nº 8.213/1991, art. 71-C, que impõe que a percepção
do salário-maternidade, inclusive o previsto no art. 71-B, está condicionada ao
afastamento do segurado do trabalho ou da atividade desempenhada, sob pena de
suspensão do benefício.”
Aliás,
confirmando esse entendimento, o que se tem visto é a determinação, por parte
do Poder Judiciário Federal[2], de que o pagamento das empregadas (funcionárias) que não possam, pela natureza de sua
atividade profissional, exercerem suas atividades de forma remota, devem
ser feitos pelo INSS por meio do benefício do auxílio-maternidade, utilizando,
também, como fundamento para tais decisões o desempenho do trabalho em local
salubre, estabelecido pela CLT, em seu artigo 394-A, parágrafo 3º:
Art. 394-A – Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto
durar a gestação;
II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo,
III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau,
(...)
§ 3o Quando não for possível que a gestante ou a
lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas
atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como
gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos
da Lei no 8.213,
de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento.
Com
isso, havendo impossibilidade de a gestante desempenhar suas atividades
laborais de modo remoto, há de se solicitar o auxílio-maternidade e; não
sendo este concedido administrativamente, a via adequada é a busca do Poder Judiciário Federal para que a
empregada receba o que lhe é de direito e o empregador não pague por uma
obrigação que é do Estado, através do INSS.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] https://jus.com.br/artigos/93904/a-empregada-gestante-e-a-pandemia-do-covid-19.
[2] TRF-3, Mandado de Segurança nº
5003320-62.2021.4.03.6128, 1ª Vara Cível Federal de Jundiaí/SP, julgado em
02.07.2021 // TFR-3, Procedimento comum cível nº 5006449-07.2021.4.03.6183, 14ª
Vara Cível Federal de São Paulo/SP, Juíza Federal Noemi Martins de Oliveira, julgado
em 05.07.2021.
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