29 de agosto de 2021

O QUE FAZER NOS CASOS DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS NÃO SOLICITADOS



Alexandre Luso de Carvalho

 

A oferta de empréstimos consignados para funcionários públicos e, principalmente, para aposentados há muitos anos é um problema que atormenta o consumidor, pelos seguintes fatos:

 

a) a insistência na oferta por meio de inúmeras ligações das instituições financeiras ao seu público alvo;

 

b) o modo pouco transparente e absolutamente confuso do que é oferecido;

 

c) o empréstimo realizado com depósito na conta do servidor público e/ou do aposentado de valores que ele não contratou.

 

Tais práticas, importante salientar, são consideradas abusivas, estando disciplinadas pelo Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 39, incisos III, IV, VI, que assim dispõem:

 

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(...)

III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;

  

Obviamente que as instituições financeiras não respeitam tal dispositivo legal, acarretando imensos danos ao seu público alvo, principalmente quando depositam quantias nas contas bancárias sem a devida contratação, sendo uma atitude ainda mais condenável. Mas o que fazer, então? A orientação é extremamente clara. Vejamos os passos a serem dados:

 

1º passo: entrar em contato com a instituição financeira, anotando o número de protocolo, data e horário, solicitando o cancelamento do empréstimo e a devolução do dinheiro, bem como solicitar a gravação da suposta contratação ou a cópia do contrato assinado. Interessante sempre é gravar essa ligação;

 

2º passo: realizar ocorrência policial, já que o fato pode abarcar uma série de crimes a serem devidamente investigados;

 

3º passo: realizar ocorrência junto ao PROCON. Esse procedimento é importante, pois a partir disso, esse órgão pode tomar medidas individuais em relação ao consumidor e gerais à instituição financeira, como aplicação de multas e outras sanções;

 

4º passo: buscar o Poder Judiciário para o cancelamento desse empréstimo (que não foi contratado), devolução dos valores descontados indevidamente e, dependendo do caso, a indenização por dano moral.

 

Saliente-se que para promover a ação judicial (4º passo) é fundamental que o consumidor prejudicado cumpra os três passos anteriores, pois isso possibilitará que o advogado tenha elementos probatórios para realizar uma narrativa detalhada e fundamentar os pedidos de forma adequada – tanto para obter a devolução de valores, como para pleitear o dano moral –, tendo em vista que os Tribunais entendem ser necessário um mínimo de provas acerca desse depósito de valores referente a empréstimo consignado sem a contratação, para que decidam sobre os pedidos. 

Portanto, sempre que o aposentado e/ou servidor público deparar-se com esse tipo de situação é imprescindível a agilidade nas providências a serem tomadas e a correta orientação para que os danos possa ser revertidos, compensados e, ajude a frear essa prática lesiva das instituições financeiras.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 


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22 de agosto de 2021

PENSÃO DE ALIMENTOS: COMEÇO E FIM DO DIREITO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

A pensão de alimentos é um dos assuntos mais delicados no Direito de Família, pois envolve aspectos emocionais, geralmente conturbados, e materiais fundamentais para o sustento das partes envolvidas: o alimentante (quem presta os alimentos) e o alimentado (quem recebe os alimentos). 

Entretanto, nessa relação muitas vezes vê-se questionamentos ou certas “certezas” acerca da pensão de alimentos, que muitas vezes são oriundas do desconhecimento legal. 

Assim, adiante serão abordados, resumidamente, alguns pontos para proporcionar uma mínima noção sobre esse importante instituto do Direito.

 

II – QUEM TEM DIREITO A PENSÃO

 

Os alimentos não são devidos somente entre cônjuges ou companheiros e/ou de pais para filhos, conforme vê-se de maneira mais comum e dos avós aos netos como também ocorre com frequência, quando os pais não têm condições de prover o sustento dos filhos; mas também há uma série de casos, mesmo que menos frequentes, conforme estabelece o Código Civil. Vejamos todas as hipóteses:

 

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

 

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

 

Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.

 

É claro que, excetuando os casos em que serão menores de idade os que receberão a pensão de alimentos, os demais casos são objetos de análises muito mais aprofundadas por parte do Magistrado, uma vez que todo o adulto deve prover seu próprio sustento, inclusive em casos de divórcio ou dissolução de união estável. Aliás, já é entendimento consolidado dos Tribunais que todo o adulto deve ser capaz de prover seu sustento, excetuando os casos de comprovada impossibilidade de fazê-lo, o que inclui ex-cônjuge ou ex-companheiro(a), conforme ilustra-se abaixo:

 

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS. EX-MULHER. DESCABIMENTO. NECESSIDADE NÃO COMPROVADA. 1. A obrigação alimentar entre cônjuges decorre do dever de mútua assistência, persistindo mesmo após a dissolução do casamento, desde que comprovada a carência de recursos por parte de um deles e a necessidade do outro (artigos 1.566, III, e 1.694, CC). 2. No caso, a ex-mulher não demonstrou a sua efetiva necessidade pelos alimentos reclamados, ônus que lhe competia, seja porque não demonstrou a existência de dependência econômica do ex-marido durante o curto período de quatro meses do casamento, seja porque exerceu atividade laboral formal durante o matrimônio. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS, Apelação Cível nº 70085222636, 8ª Câmara Cível, Rel. Des. Ricardo Moreira Lins Pastl, julgado em 19.08.2021). (Grifado)

 

Cumpre destacar que os filhos têm direito à pensão alimentícia enquanto menores de idade e quando atingem a maioridade, em geral, o entendimento jurisprudencial é que lhes sejam prestados os alimentos enquanto estudarem e/ou que não possuírem comprovadamente condições de proverem seu sustento.

  

III – DO VALOR DA PENSÃO

 

Outro caso que mais traz confusão e até uma falsa certeza reside no valor da pensão. É muito comum dizer que é 30% (trinta por cento) do salário líquido (descontado INSS e Imposto de Renda) ou dos ganhos, caso seja profissional liberal, autônomo ou empresário. 

Ocorre que o percentual é estipulado de acordo com o que se chama de binômio necessidade e possibilidade, isto é, necessidade de quem recebe os alimentos e possibilidade de que presta os alimentos, conforme disposto no parágrafo 1º do artigo 1.694 do Código Civil:

 

Art. 1.694. (...)

§ 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

 

 Assim, os valores da pensão podem variar de percentuais, bem como podem ser determinados valores fixos em caso da impossibilidade de pagamento ou desconto de um percentual sobre o ganho. Também é uma análise caso a caso.

 

IV – QUANDO NÃO SE DEVE MAIS PAGAR A PENSÃO

 

A obrigação ao pagamento da pensão de alimentos não cessa automaticamente em nenhum caso, seja em relação ao ex-cônjuge ou companheiro(a), seja em relação a outros parentes, seja em relação, inclusive, aos filhos que atingirem a maioridade. 

Para cessar a prestação alimentar é necessário o ajuizamento da ação de exoneração de alimentos, que terá como autor da ação o alimentante e o réu, o alimentado. Essa, saliente-se, é uma nomenclatura processual e não significa necessariamente um litígio (briga) entre pai e filho, por exemplo. Por exemplo: o pai deverá ser o autor (requerente) da ação e o filho, o réu (requerido) mesmo que ambos tenham o melhor relacionamento possível e concordem com o fim do pagamento da pensão. 

Caso o filho ou filha não queira mais receber a pensão alimentícia, este também pode promover a ação judicial exonerando o alimentante da obrigação de prestar alimentos, sendo que, nesse caso, os polos serão invertidos (o filho será o autor e o alimentante será o réu).

 

V - CONCLUSÃO

 

Tudo o que foi muito resumidamente abordado nesse artigo serve para que o leigo possa ter um ponto de partida e noções acerca do que envolve a prestação alimentícia, mas, principalmente, alertá-lo que não existe uma fórmula única para todos os casos. Há, sim,  uma legislação a ser aplicada e um entendimento doutrinário e jurisprudencial que são parâmetros para as decisões judiciais, mas o importante é a análise de cada caso, com a observância de todas as suas especificidades.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


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15 de agosto de 2021

VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19 NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS


 

Alexandre Luso de Carvalho

  

Além de todas as controvérsias causadas pela vacina contra a Covid-19 (propagação de fake news, ideologização da vacinação, etc.), um dos aspectos que chamam a atenção diz respeito à obrigatoriedade da vacinação no ambiente de trabalho. 

Para iniciar a abordagem deste tema, cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIn 6587[1] e ADIn 6586[2]) sobre a possibilidade legal da vacinação compulsória (feita por exigência, obrigatoriedade) estabelecida pela Lei nº 13.979/20[3]  diferente da vacinação forçada (que seria feita por coação, imposição). 

Essas decisões do STF não violam os direitos individuais, pois a Suprema Corte levou em conta que o direito da coletividade deve prevalecer sobre as liberdades individuais – principalmente quando se trata da saúde e vida da população –, confirmando, com isso o poder/dever do Estado de garantir a saúde da população “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme disposto na Constituição Federal (artigo 196[4]).

A partir desse entendimento do STF, surgiram duas perguntas: “Então é possível exigir que o empregado tome a vacina? E se o empregado se recusar a tomar a vacina, é possível despedi-lo por justa causa?” Apesar de ser um tema controverso, passou-se a entender-se que sim, tanto que a 13ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, em julgamento de Recurso Ordinário[5], confirmou a despedida por justa causa de funcionária que se recusou a tomar a vacina. 

Um aspecto importante, e que também fundamenta a possibilidade de despedida por justa causa do empregado que se recusar a tomar a vacina contra a Covid-19 reside na própria legislação que estabelece que tanto empregadores como empregados são obrigados a cumprirem o que determinam as leis acerca da proteção à saúde no ambiente de trabalho, conforme pode ser visto na Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) do Ministério do Trabalho, bem como na própria CLT, em seus artigos 157 e 158, que dispõem os direitos e deveres de empregadores e empregados em relação as normas de segurança e saúde no trabalho, conforme verifica-se pela transcrição abaixo:

 

Art. 157 - Cabe às empresas:

I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;

II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;

III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;

 

Art. 158 - Cabe aos empregados:

I - observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior;

II - colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.

Parágrafo único - Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:

a)   à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior;

b)  ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.  

 

Com isso, surge uma nova pergunta: “E o empregado pode cobrar da empresa que esta exija de todos os funcionários aptos a serem vacinados, tomem a vacina?” Entendo que sim. A CLT, conforme transcrição acima, determina que a prevenção e controle de doenças no ambiente de trabalho é de ambos, mas a começar pela empresa (ou empregador). 

Assim, caso o empregador se mostre relapso na prevenção da Covid-19, por meio da exigência de seus funcionários, qualquer outro funcionário que se sentir em risco, poderá solicitar que a emprega exija essa vacinação ou pleitear a rescisão indireta, com base no que estabelece o artigo 483, alínea “c” da CLT:

 

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

(...)

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

 

Todavia, cabe destacar que tal obrigatoriedade à vacinação é excetuada em casos de expressa e comprovada determinação médica apresentada pelo empregado no sentido de a vacina contra a Covid-19 ser prejudicial à sua saúde. 

Portanto, a vacinação contra a Covid-19 não é só uma maneira de auxiliar a sociedade como um todo no controle da pandemia que apresenta consequências letais diariamente, mas, também contribui no controle do agravamento do desemprego, tendo em vista o entendimento que os Tribunais passaram a ter e passarão, com frequência a adotar.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] ADIn 6587/DF, Plenário, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgada em 17.12.2020.

[2] ADIn 6586/DF, Plenário, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgada em 17.12.2020.

[3] Lei nº 13.979/2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

[4] Constituição Federal, art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

[5] TRT-12, RO nº 1000122-24.2021.5.02.0472, 13ª Turma, Re. Des. Roberto Barros da Silva, julgado em 19.07.2021.


8 de agosto de 2021

O DANO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Nas relações de trabalho com vínculo de emprego, com frequência, verificam-se situações que antigamente nã0 tinham maior relevância, mas que devido à evolução dessas relações e, por consequência do entendimento dos Tribunais e da própria legislação passaram a caracterizar dano moral, seja por assédio moral, seja pelo descumprimento do contrato de trabalho. 

Entretanto, para saber-se o que caracteriza o dano moral é importante iniciar-se por sua conceituação. Abaixo, seguem duas transcrições das várias conceituações existentes:

 

a)   para ROBERTO RUGGIERO[1] o dano moral o conceitua o dano moral reparável ocorre quando “haja perturbação feita pelo ato ilícito nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos, nos afetos de uma pessoa, para produzir uma diminuição do gozo do respectivo direito”. (Grifado).

 

b)  para YUSSEF SAID CAHALI[2] “(...) tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.” (Grifado).


A partir da consciência do que é o dano moral, há de realizar-se a correta avaliação feita por um profissional da área – que é quem possui a formação, vivência e expertise para tal –, em cada caso específico, se os fatos ocorridos nessas relações de trabalho constituem um dano moral ou se somente um descumprimento contratual. Vejamos exemplos de ambos:

 

a) constituem o dano moral:

 

a.1. as ofensas proferidas no ambiente de trabalho, principalmente de superiores hierárquicos (assédio moral); 

a.2. trabalho em condições degradantes; 

a.3. condições análogas (semelhantes) à escravidão; 

a.4. reiterado e/ou prolongado inadimplemento salarial.

 

b) não constituem dano moral:

 

b.1. o não pagamento de alguma verba trabalhista, como horas extras, adicional de insalubridade ou adicional noturno; 

b.2. o atraso de salário, desde que não seja de modo reiterado; 

b.3. a mudança de escala ou local de trabalho, desde que esteja previsto em contrato, convenção coletiva ou dentro da lei.

 

Outro aspecto importante, é que no processo trabalhista não há dano moral presumido – que é aquele que decorre da comprovação do ato ilícito, sem a necessidade da demonstração de que tal ato gerou o alegado abalo moral – ou seja, o dano moral nas relações trabalhistas necessita ser provado; sendo o ônus da prova de quem fizer a alegação. 

Portanto, em relação ao dano moral, por parte do empregador é fundamental que este adote práticas que evitem ou diminuam as possibilidades de uma condenação dessa natureza. Já por parte do empregado que entenda estar passando por situação ensejadora de um dano moral, é necessário que acerca disso, primeiramente, tenha provas e, posteriormente, conforme dito, consulte um profissional da área para que, a partir dos relatos e das provas existentes, identifique a existência do dano moral indenizável.

 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] RUGGIERO, Roberto. Instituições do Direito Civil, trad. da 6ª ed. italiana, Saraiva, 1973.

[2] CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 20, 21.


1 de agosto de 2021

USUCAPIÃO E SUAS MODALIDADES


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Quase todos sabem o que é usucapião: é o modo como se adquire a propriedade de um imóvel em que a pessoa está na posse há anos e que o proprietário é desconhecido ou não reclamou a propriedade. Essa é mais ou menos uma conceituação popular. Tecnicamente a usucapião (sim, é substantivo feminino, originário de usucapio) tem conceituações diferentes, dependendo de cada jurista, dentre as quais transcrevo a do Professor de Direito Civil da UFMG, DILVANIR JOSÉ DA COSTA[1]:

 

Usucapião é o modo autônomo de aquisição da propriedade móvel e imóvel mediante a posse qualificada da coisa pelo prazo legal. Provém de usus (posse) e capio, capere (tomar, adquirir), ou seja, adquirir pela posse.” (Grifado)

 

Todavia, o que muita gente pergunta, de forma genérica, é “Que modalidades de usucapião existem?” e “Quanto tempo precisa na posse para ter a propriedade por usucapião?” Então vamos à essas respostas:

 

a) USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA:Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; (...)”, podendo reduzir o prazo da posse para dez (10) anos se “houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo” (Código Civil, artigo 1.238, caput e parágrafo único);

 

b) USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL: destinada somente aos imóveis rurais de até 50 hectares, sendo necessário que o possuidor resida e trabalhe na terra na forma de agricultura familiar. Nessa modalidade, o tempo de posse mínima necessária é de cinco (05) anos (Código Civil, artigo 1.239);

 

c) USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA: prevista inicialmente na Constituição Federal, em seu artigo 183 que estabelece: “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. Também está contemplada no Código Civil (artigo 1.240) e Estatuto das Cidades (artigo 9º);

 

d) USUCAPIÃO ESPECIAL FAMILIAR: essa modalidade é uma espécie de extensão da usucapião especial urbana, sendo que é destinada a quem “exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural” (Código Civil, artigo 1.240-A);

 

e) USUCAPIÃO COLETIVA: destinada às áreas urbanas, está fundamentada no Estatuto das Cidades destinada à famílias de baixa renda estabelece que “Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural” (Estatuto das Cidades, artigo 10);

 

f) USUCAPIÃO ORDINÁRIA: é a modalidade em que o possuidor detém a posse mansa e pacífica (sem oposição), de boa-fé, devendo possuir um justo título (contrato de compra e venda ou de cessão de posse de bens imóveis). Nesse caso, o possuidor necessita estar na posse do bem há pelo menos dez (10) anos (Código Civil, artigo 1.242);

 

g) USUCAPIÃO DE BENS MÓVEIS: essa modalidade pode ocorrer sob duas formas:

 

g.1. usucapião ordinária: quem possuir o bem sem contestação, de boa-fé e com justo título. O tempo necessário de posse é três (03) anos (Código Civil, artigo 1.260);

 

g.2. usucapião extraordinária: Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé” (Código Civil, artigo 1.261).

 

Vendo toda essa conceituação sobre as modalidades de usucapião, vê-se que há uma preponderante finalidade social nesse instituto do Direito. Entretanto, vale abordar um aspecto importante: mesmo com esse caráter social, os imóveis (terras e edificações) públicas (dos municípios, estados e União) não são sujeitas a tal modo de aquisição da propriedade, conforme estabelece a Constituição Federal em seu artigo 191, parágrafo único[2] e Código Civil em seu artigo 102[3]. Aliás, a invasão de terras públicas é crime previsto no artigo 20 da Lei nº 4.947/1966[4], que assim estabelece:

 

Art. 20 - Invadir, com intenção de ocupá-las, terras da União, dos Estados e dos Municípios:

Pena: Detenção de 6 meses a 3 anos.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, com idêntico propósito, invadir terras de órgãos ou entidades federais, estaduais ou municipais, destinadas à Reforma Agrária.

 

Por fim, certamente esse é um tema muito mais rico e complexo do que muito resumidamente foi tratado nesse artigo, que tem o intuito de minimamente dar uma noção do que é usucapião. Assim, o que se deve ter em mente a partir disso, é a importância de se observar as formas de usucapião do bem móvel ou imóvel, tanto para quem detém a posse do bem e pretende a sua aquisição, como para o proprietário, no sentido de ter os cuidados necessários para não perder seu patrimônio.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] COSTA, Dilvanir José da; Usucapião: doutrina e jurisprudência. Revista de Informação Legislativa nº 143, Senado Federal. Brasília, jul./set. 1999, p. 321/334

[2] Constituição Federal, art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

[3] Código Civil, art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

[4] Lei nº 4.947/1966. Fixa Normas de Direito Agrário, Dispõe sobre o Sistema de Organização e Funcionamento do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, e dá outras Providências.