Alexandre Luso de Carvalho
O cargo de síndico não é fácil. Além do aspecto administrativo, o mais complicado dessa tarefa é a gestão de pessoas: funcionários, prestadores de serviços, mas principalmente dos moradores.
Nesses grupos de pessoas a gerir, sem sombra de dúvidas, o mais difícil de se lidar é o de moradores. Isso ocorre por uma série de motivos: diferenças sociais, diferenças culturais, diferenças de capacidades financeiras, falta de conhecimento das regras de convívio (convenção e leis), dificuldades na interpretação dessas regras de convivência ou um problema de egos altamente “inflados”.
Em que pese todos os motivos que geram essas dificuldades de gerir as relações humanas junto aos moradores, como em qualquer comunidade, cabe ao administrador zelar pelo cumprimento das regras estabelecidas, o que passa pela aplicação de penalidades, sejam meras advertências ou sejam as pecuniárias ou alguma outra estabelecida na convenção ou regulamento interno.
Entretanto,
o síndico necessita observar alguns requisitos obrigatórios na aplicação de
penalidades. Vejamos:
a)
PROVA ACERCA DA INFRAÇÃO ALEGADA:
um dos princípios do
Direito Brasileiro constitui-se no ônus da prova incumbir a quem alega um
determinado fato (Código de Processo Civil em seu artigo 373, inciso I[1] e Código
de Processo Penal em seu artigo 156, caput[2]). Com isso, não pode o síndico aplicar uma penalidade sem que a infração esteja
devidamente provada, tanto quanto a sua materialidade (ato infracional), quanto
à sua autoria (quem cometeu a infração). Frise-se
que sem a observância de tal princípio jurídico, qualquer pena aplicada terá
sua eficácia completamente comprometida mesmo que o fato tenha ocorrido, podendo, inclusive, o ato do síndico ser considerado abuso de poder, conforme vê-se
abaixo:
MULTA IRREGULAR - ANULAÇÃO - "Reptado, compete ao Síndico comprovar as transgressões e justificar a imposição da multa. Não o fazendo, caracteriza-se o abuso de poder. Medidas internas de coercibilidade da sanção administrativa e ataque ao bom nome e respeitabilidade do Condômino, consubstanciam gravame moral a ser reparado." (TARJ Ap. 2.401/91 - Rel. Juiz Roberto Wider - COAD - Seleções Jurídicas 083)
b) VEDAÇÃO DA INTERFERÊNCIA DO SÍNDICO EM PROBLEMAS ENTRE UNIDADES: não faz parte das atribuições do síndico interferir em conflitos entre moradores quando o caso diz respeito a fatos ocorridos dentro das unidades, pois extrapola os limites estabelecidos pelo Código Civil em seu artigo 1.348[3], mesmo que repercutam noutras unidades, como, por exemplo, vazamentos ou ruídos que somente o vizinho escute. Sobre tal limite vale trazer, a título de ilustração, o julgado abaixo:
LIMITAÇÃO DAS
ATRIBUIÇÕES - "Não pode o Síndico de Condomínio de apartamentos formular pedidos que
vão além do interesse da comunhão e constituem direito subjetivo pessoal de
um ou de alguns proprietários." (TJRJ - Ap. 73.840 - Rel. Olavo Torres
Filho - cf. W. Bussada -"Condomínio Interpretado pelos Tribunais"op. Cit.
P. 346). (Grifado).
c)
A ADEQUAÇÃO DO FATO COM A CONVENÇÃO E/OU REGIMENTO INTERNO: a aplicação da penalidade constante no regramento condominial deve
ser adequada à alguns fatores, como, por exemplo, a gravidade da infração
cometida e a reincidência do morador infrator. Entretanto, cabe destacar que tal
adequação depende, também, da interpretação de todo esse contexto, o que é
prerrogativa exclusiva do síndico.
Assim, deve-se ter em mente tanto para o síndico, como para os moradores do condomínio, é que as aplicações das penalidades estão condicionadas primeiramente ao princípio jurídico da prova (do ato e de quem o cometeu), sendo posteriormente seguida pelos critérios da adequação da pena em razão de sua gravidade. Ou seja, nenhuma aplicação pode ser feita sem que sejam preenchidos esses requisitos.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] CPC, art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
[2] CPP, art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (...).
[3] CC, Art. 1.348.
Compete ao síndico: I - convocar a assembleia dos condôminos; II - representar,
ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos
necessários à defesa dos interesses comuns; III - dar imediato conhecimento à
assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de
interesse do condomínio; IV - cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento
interno e as determinações da assembleia; V - diligenciar a conservação e a
guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos
possuidores; VI - elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada
ano; VII - cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar
as multas devidas; VIII - prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;
IX - realizar o seguro da edificação.
Mais uma bela postagem! Gostei dos "egos inflamados", pois existem de montão, a dificultar uma convivência harmoniosa. Bom seria se todos tivessem pleno conhecimento de seus direitos e deveres, agindo com seriedade. Abraço.
ResponderExcluirCara Marilene, boa tarde!
ResponderExcluirQue bom que gostaste do artigo! Realmente um dos problemas do brasileiro exercer pouco a sua cidadania é o desconhecimento das regras impostas pelo Estado e pelos particulares. Essa educação deveria vir de casa e do início da formação escolar.
Abraço!