27 de setembro de 2020

A GARANTIA DE PAGAMENTO EM ATENDIMENTO HOSPITALAR DE URGÊNCIA/EMERGÊNCIA


                                                             

                                                        Alexandre Luso de Carvalho

 

Não é incomum o paciente e/ou seus familiares quando em atendimentos hospitalares de urgência/emergência se depararem com uma situação: a exigência, pelo hospital, de caução ou garantia de pagamento se o paciente não tem plano de saúde ou se tem, está em período de carência ou, ainda, não há cobertura para determinado atendimento.

Nessa exigência de garantia de pagamento, sem dúvida,  há um componente psicológico do qual os hospitais se aproveitam: a fragilidade emocional que própria situação de emergência acarreta ao paciente e aos seus familiares e que, sem maiores questionamentos, acabam deixando ao hospital altas somas em garantia, que muitas vezes sequer possuem, ocasionando um futuro endividamento ou venda de patrimônio para saldarem esses débitos.

Ocorre que a exigência de qualquer garantia para internação hospitalar de urgência/emergência é crime, conforme determina o Código Penal, em seu artigo 135-A:

 

Art. 135-A.  Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

 

Ainda, sobre tal ilegalidade de garantia para atendimento, além do dispositivo penal, verifica-se o aspecto civil, estabelecido no Código Civil, em seu artigo 156:

 

Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

 

Entretanto, mesmo absolutamente cientes da expressa proibição legal da exigência de garantias, muitos hospitais tentam mascarar essa prática, alegando que não se trata de caução ou garantia, mas adiantamento de despesas” ou alguma expressão semelhante. Todavia, trata-se de exigência de garantia de pagamento, pois em caso de o paciente recusar a realizar tal pagamento, o hospital não prestará o atendimento e tampouco a internação em razão dessa urgência/emergência. Isso é fato notório.

Importante abordar que essa exigência de garantia pelo hospital ocorre, também, em caso de o paciente estar em período de carência do plano de saúde ou se o contrato prevê somente a cobertura parcial para atendimentos em caso de urgência/emergência. Todavia, é ilegal da mesma forma, conforme se verifica pela Resolução nº 44 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em seu artigo 1º, que assim estabelece:

 

Art. 1º. Fica vedada, em qualquer situação, a exigência, por parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde e Seguradoras Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à prestação do serviço.

 

Portanto, o que se verifica é que envolvendo ou não a cobertura de planos de saúde, existe a abusividade e ilegalidade da exigência de caução ou garantias de pagamento nos atendimentos de urgência/emergência. E isso é expresso em nossa legislação e reconhecido pela jurisprudência.

Por fim, destaquem-se dois aspectos fundamentais:

a) as relações entre paciente e hospital/operadora de planos de saúde são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, o que implica no respeito aos princípios de proteção ao consumidor – parte mais frágil da relação –, frisando dentre tais princípios, a inversão do ônus da prova, ou seja, quem oferece os serviços é obrigado a provar estar agindo em conformidade com a lei;

b) apesar da inversão do ônus da prova, o consumidor (paciente) por meio de seus familiares, responsáveis ou acompanhantes podem, em caso de exigência de garantia, até acionar a autoridade policial em razão do crime previsto no artigo 135-A do Código Penal, dependendo da situação, mas, principalmente, devem juntar a maior e melhor quantidade de provas acerca dessa ilegal cobrança para que o advogado tenha os subsídios mínimos e iniciais necessários para os pleitos perante o Poder Judiciário.

  

Alexandre Luso de Carvalho

      OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


19 de setembro de 2020

TRATAMENTOS FORA DA RELAÇÃO DE COBERTURA DOS PLANOS DE SAÚDE


 

Alexandre Luso de Carvalho


É muito comum a ocorrência de casos em que uma determinada pessoa, cliente de uma operadora de plano de saúde, acometida de uma doença na qual o tratamento é coberto pelo plano contratado, mas que, devido à particularidade de seu caso, o tratamento indicado pelo médico não é exatamente o constante no rol de cobertura, sendo esta negada. Isso ocorre, principalmente, quando se trata de doenças graves, cujos tratamentos são extremamente caros.

Quando essa negativa ocorre há possibilidade de buscar o Poder Judiciário, uma vez que a relação entre o cliente e a operadora é regida pelo Código de Defesa do Consumidor e, portanto, segue os princípios nele contidos, dos quais destaco:

a) o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor;

b) proteção contra métodos comerciais coercitivos e ilegais;

c) inversão do ônus da prova;

d) proibição de exigir do consumidor vantagem excessiva;

e) interpretação contratual mais favorável ao consumidor;

f) nulidade das cláusulas contratuais abusivas.


Com isso, a partir dessa relação, verifica-se quais as obrigações existentes entre ambos:

a) do consumidor: manter os pagamentos em dia;

b) da operadora: fornecer o tratamento adequado para a patologia a qual se contratou a cobertura.

 

Assim, a partir do momento em que está estabelecido o dever da contraprestação contratual pela operadora do plano de saúde há de destacar dois aspectos fundamentais:

a)   o contrato de plano de saúde não envolve mera entrega de valores, mas a execução de uma obrigação bem mais ampla e complexa. É o chamado performance bond;

b)  as obrigações constantes no contrato de plano de saúde estão interligadas de modo profundo com os princípios constitucionais de proteção à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana, o que se sobrepõem ao lucro empresarial, principalmente nessa espécie de contrato.


Com isso, a jurisprudência também entende que os planos de saúde devem custear o tratamento prescrito pelo médico, conforme exemplifica-se abaixo:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. TUTELA ANTECIPADA. PLANO DE SAÚDE. MEDICAMENTO. ALEGAÇÃO AUSÊNCIA DE COBERTURA. VEDOLIZUMAB (ENTYVIO) COBERTURA DEVIDA. 1. O plano de saúde não pode se recusar a custear fármaco prescrito pelo médico, pois cabe a este definir qual é o melhor tratamento para o segurado. Além disso, o que importa é a existência de cobertura do contrato para a doença apresentada pela parte autora. 2. Tendo em vista a verossimilhança do alegado pela parte agravada, bem como o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação à sua saúde, imperioso o deferimento da medida antecipatória postulada. Presença dos requisitos autorizadores da antecipação de tutela. Art. 300 do NCPC. Recurso desprovido. (TJRS, Agravo de Instrumento nº 70072657224, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Isabel Dias Almeida, julgado em 29.03.2017)

 

Por fim, é importante frisar que apesar dos princípios doutrinários e o entendimento jurisprudencial apresentados acima,  a matéria é muita mais complexa do que parece, uma vez que esta envolve, além do Código de Defesa do Consumidor, toda uma legislação específica e, portanto, a sua aplicação não ocorre de modo automático ou geral, mas sim, caso a caso, a partir da especificidade de cada contrato e de cada patologia.

 

 Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


13 de setembro de 2020

A COMISSÃO DE CORRETAGEM NA COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS

 



Alexandre Luso de Carvalho

 

Na maioria das vezes, quando há negociação de compra e venda de imóveis, são contratadas imobiliárias ou corretores autônomos para realizarem o trabalho de divulgação e aproximação das partes. Todavia, a função do corretor de imóveis não se resume a isso, conforme pode-se verificar no Código Civil, em seu artigo 723[1], devendo:

a) executar a mediação com diligência e prudência;

b) prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio;

c) prestar ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou risco do negócio;

d) prestar informações acerca das alterações que possam influenciar nos resultados da incumbência.

 

Apesar da importância desse profissional ser maior do que muita gente pensa, é necessário frisar, também, que quaisquer outros serviços que o corretor de imóveis ofereça e/ou desempenhe em razão da compra e venda do imóvel, como elaboração das arras ou do próprio contrato, por exemplo, extrapolam as suas funções (delimitadas pelo Código Civil) e qualificações, podendo implicar em infração ética profissional[2] e não podem, portanto, justificar a cobrança de comissão de corretagem.

Assim, abordados esses pontos iniciais, passemos ao objeto deste artigo, dividindo em dois aspectos, quais sejam, quando o corretor tem direito a receber a comissão de corretagem e quando perde o direito ao recebimento desta:

a)   o CORRETOR TEM DIREITO A RECEBER A COMISSÃO:

a.1. quando o negócio é concretizado: todavia, aqui é importante frisar que o profissional necessita desempenhar a atividade, observando o que determina o já citado artigo 723 do Código Civil, elencados anteriormente;

 a.2. quando houver desistência imotivada: todavia, aqui é fundamental que sejam observados vários aspectos destacados pela jurisprudência para que o corretor tenha direito à comissão em tal hipótese. Exemplos: que as partes já tenham assinado o contrato particular de compra e venda ou escritura pública, se no contrato de prestação de serviços de corretagem, houver cláusula de pagamento de comissão de corretagem em caso de desistência. Ou seja, o artigo 725[3] do Código Civil não é aplicado sem que as nuances da relação entre o profissional e cliente, até porque a jurisprudência não é pacífica nesse ponto;

 

b)  o CORRETOR PERDE O DIREITO À COMISSÃO:

b.1. se a desistência do negócio ocorreu por fato atribuído ao corretor: é o típico caso de o profissional não agir em observância ao artigo 723 do Código Civil, não sendo prudente e diligente nos atos que lhe são pertinentes. Exemplo: corretor que não verificou a situação legal que envolve o negócio (tirar certidões negativas das pessoas físicas e/ou jurídicas, certidões do imóvel, etc.) e, em razão disso, houve a desistência da compra e venda, pois, não basta a aproximação das partes para ter direito a mencionada comissão[4].;

b.2. não demonstrar efetiva participação na conclusão do negócio: é diferente da falta de diligência e prudência. Para o corretor ter direito à comissão, não basta a mera aproximação entre as partes, mas que este participe de forma efetiva das negociações[5];

b.3. se houver desistência com justa motivação: a justa motivação pode abranger uma série de hipóteses, além de fatos atribuídos ao corretor. Exemplos: a falta da apresentação de certidões, falecimento de uma das partes, riscos estruturais no imóvel, determinação judicial ou qualquer outra circunstância que, conforme o senso comum, impossibilite a concretização do negócio.

 

Apesar desse tema ser controvertido, muitas vezes o que se vê é uma certa informalidade quando da busca das imobiliárias e, principalmente, dos corretores de imóveis autônomos, o que gera uma série de problemas quando a negociação ou a própria conclusão do negócio apresenta algum entrave. E essa informalidade acaba tendo um destino: o Poder Judiciário, com todos os seus encargos, morosidade e riscos de aumento de prejuízo que uma demanda judicial apresenta.

Com isso, frise-se, apesar de haver dispositivos legais sobre os casos nos quais são devidas a comissão de corretagem, em razão da diversidade de entendimento jurisprudencial, é que se faz absolutamente necessário que as imobiliárias/corretores e as partes envolvidas na compra e venda do imóvel formalizem, por meio de um contrato claro e detalhado todas as hipóteses em que serão devidas ou não a comissão de corretagem.

 

 Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br

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[1] Código Civil. Art. 723.  O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio.

Parágrafo único.  Sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência.

[2] Código de Ética dos Corretores de Imóveis. Art. 6º. É vedado ao corretor de imóveis: I – aceitar tarefas para as quais não esteja preparado ou que não se ajustem às disposições vigentes, ou ainda, que possam prestar-se a fraude.

[3] Código Civil. Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.

[4] STJ. Recurso Especial nº 1.810.652-SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrghi, julgado em 04.06.2019.

[5] STJ. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.351.916-SC, 4ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11.12.2018.


5 de setembro de 2020

REPERCUSSÃO DAS HORAS EXTRAS NAS VERBAS SALARIAIS




Alexandre Luso de Carvalho

Um aspecto que, não raro, é motivo de questionamento, tanto de empregadores como de empregados, diz respeito à repercussão das horas extras no salário do empregado. Elas integram o salário? Elas repercutem em que na remuneração?

Todavia, antes de abordar-se tal repercussão nas verbas do contrato de trabalho, cumpre lembrar que as horas extras realizadas podem ser pagas ou computadas em banco de horas para posterior compensação em folgas – tema que será objeto de artigo específico neste blog – e que consiste, resumidamente, no seguinte:

a)   a duração da jornada diária, poderá ser acrescida, por acordo individual ou convenção coletiva, de até duas horas extras (CLT, artigo 59, caput);

b)  a remuneração da hora extra será, no mínimo, 50% superior à da hora normal (CLT, artigo, 59 parágrafo 1º);

c)   Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias” (CLT, artigo 59, parágrafo 2º).


Assim, voltando ao objeto desse artigo, para falar se as horas extras integram o salário e qual a sua repercussão em tal verba, é necessário verificar um aspecto fundamental: a habitualidade de sua realização. Aliás, saliente-se um interessante conceito sobre o assunto, contido em julgado, já antigo, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, cujo Relator foi o Magistrado João Carlos Araújo:

"HORAS EXTRAS - CONCEITO DE HABITUALIDADE: É a constância na sua prática, e não o tempo de duração do contrato de trabalho, que tornará as horas extras habituais ou não."
(Ac. Un da 5a T do TRT da 2ª Região – RO nº 029102375545 - Rel. Juiz João Carlos Araújo, julgado em 29.06.1993). (Grifado)


Ou seja, partindo desse conceito, depreende-se que:

a) as horas extras realizadas de forma habitual integrarão o salário e repercutirão nas verbas salariais. Sobre isso, conforme exemplifico com o julgado abaixo:

HORAS EXTRAS HABITUAIS. EFEITOS REFLEXOS. As horas extras habitualmente trabalhadas integram o cálculo das demais parcelas trabalhistas, nos moldes do item II da Súmula 376 do TST.
(TRT-18, RO nº 0010246-59.2019.5.18.0003, 1ª Turma, Rel. Des. Gentil Pio de Oliveira, julgado em 06.03.2020).

b) a duração da relação de trabalho – curta ou longa – influenciará para fins de cálculo e não para a caracterização da habitualidade das horas extras.


Com isso, a partir da comprovação da habitualidade das horas extras, caberá o cálculo dos valores incidentes sobre as seguintes verbas salariais:

a) Repouso semanal remunerado;

b) 13º salário;

c)  Férias mais 1/3 (um terço);

d) FGTS;

e)  Aviso prévio;

f)  Multa de 40% do FGTS


Portanto, devido às repercussões acima referidas, os impactos remuneratórios podem ser consideráveis para ambas as partes e, por isso, é fundamental que essas cumpram seus deveres legais e contratuais, bem como sejam criadas rotinas de otimização de tempo e recursos, por uma série de motivos, dentre eles:

a)   a manutenção da saúde financeira da empresa – que nas relações trabalhistas modernas deve ser de interesse, também, do empregado –, já que as horas extras em excesso causam despesas desnecessárias que podem, inclusive, impossibilitar o pagamento dos valores referentes às jornadas extraordinárias realizadas;

b) evitar a judicialização da relação em razão das horas extras realizadas, já que, dependendo do porte da empresa pode levar ao encerramento de suas atividades e à impossibilidade do pagamento dessa obrigação, mesmo que determinado pelo Poder Judiciário, o que se constitui um imenso prejuízo, também, ao empregado, que não receberá pelo o que foi trabalhado.

  
Alexandre Luso de Carvalho
OAB/RS nº 44.808



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