Alexandre Luso de
Carvalho
I – INTRODUÇÃO
Esse
é um tema que sempre desperta sentimentos antagônicos, tanto pelo devedor como
pelo credor. Quando há processo judicial, pelo devedor, muitas vezes se ouve: “E agora, vão tomar a minha casa? Vão pegar o
meu dinheiro da conta?” Já pelo credor é comum ouvir: “Mas a lei protege os que estão errados! E, nós, ficamos no prejuízo?”
A primeira resposta a ser dita pelo advogado é “Calma! Não é bem assim...”
II – DOS BENS IMPENHORÁVEIS
Primeiramente,
cabe destacar que, dentre os bens impenhoráveis, um mereceu por sua óbvia
importância, por parte do legislador, uma atenção especial: o BEM DE FAMÍLIA,
isto é, “O
imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e
não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou
filhos que sejam seus proprietários e nele residam (...)”
(artigo 1º da Lei nº 8.009/1990[1]) e conforme também estabelecido pelo artigo 1.711 do Código Civil:
“Art.
1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante
escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para
instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio
líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a
impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.”
Antes
de elencar os bens penhoráveis, o Código
de Processo Civil, em seu artigo 833, elenca quais são os bens impenhoráveis,
são eles:
a) os bens inalienáveis e
os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução (exemplo: um imóvel
que detém a cláusula de inalienabilidade, conforme estabelece o artigo 1.911 do
Código Civil[2],
implica a impenhorabilidade do bem);
b) os móveis, os pertences
e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de
elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um
médio padrão de vida;
c) os vestuários, bem como
os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
d) os vencimentos, os
subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de
aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias
recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de
sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional
liberal, excetuando em casos de prestação alimentícia, bem como as importâncias
excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais;
e) os livros, as máquinas,
as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis
necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
f) o seguro de vida;
g) os materiais
necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
h) a pequena propriedade
rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
i) os recursos públicos
recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação,
saúde ou assistência social;
j) a quantia depositada em
caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
k) os recursos públicos do
fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
l) os créditos oriundos de
alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária,
vinculados à execução da obra.
Ou
seja, excetuando os recursos públicos de fundo partidários, os valores e bens
impenhoráveis foram elencados na lei, a meu ver, numa clara intenção de proteger o que é
considerado essencial para a manutenção do devedor e/ou de sua
família em que pese esteja em débito.
“Súmula. 486. É impenhorável o único
imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda
obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua
família.”
Todavia,
cumpre destacar que a impenhorabilidade sobre os bens não cabe quando a execução da dívida é relativa ao próprio bem
(condomínio e IPTU, por exemplo), inclusive àquela contraída para a aquisição
deste, conforme disposto no artigo 833, parágrafo 1º do Código de Processo
Civil[3].
II – DOS BENS PENHORÁVEIS
Na
execução de dívidas, tanto realizada diretamente em ação de execução, em ação
monitória ou em ação ordinária, esta última na fase de cumprimento de sentença
– em casos de ações de cobrança, de indenizações ou outras que estabeleçam
obrigações pecuniárias –, quando não há o pagamento do débito de forma espontânea
pelo devedor, a penhora de valores e bens segue a seguinte ordem estabelecida
pelo Código de Processo Civil (artigo 835):
a)
dinheiro em espécie ou depositado (em
conta corrente ou em aplicação financeira), sendo esta prioritária dentre os
outros bens;
b) títulos da
dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em
mercado;
c) títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;
d) veículos de via terrestre;
e) bens imóveis;
f) bens móveis em geral;
g) semoventes (animais);
h) navios e aeronaves;
i) ações e quotas de sociedades simples e empresárias;
j) percentual do faturamento de empresa devedora;
k) pedras e metais preciosos;
l) direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;
m) outros direitos (patrimoniais).
Sendo
assim, os procedimentos para se realizar a constrição do valor e/ou bem são
basicamente os seguintes:
a) Sisbajud (versão mais atualizada do sistema BacenJud): sistema
eletrônico de comunicação entre o Poder Judiciário e o Banco Central do Brasil
em que são bloqueados valores existentes em todas as contas sob o CPF ou CNPJ
do devedor;
b) RenaJud:
sistema eletrônico de comunicação entre o Poder Judiciário
e o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), possibilitando a efetivação
de ordens judiciais de restrição de veículos cadastrados no Registro Nacional
de Veículos Automotores (RENAVAM) sob o CPF ou CNPJ do devedor, em tempo real;
c)
Penhora
realizada pelo Oficial de Justiça: quando, após nomeação de bens a serem
penhorados nos autos do processo, o Magistrado determina que o oficial de
justiça vá ao local indicado e realize a penhora dos bens, valores, direitos ou
créditos, lavrando um Auto de Penhora e, após, certificando-o no processo de
execução;
d) Penhora realizada por meio de ofício: um
exemplo de penhora realizada por ofício é quando há penhora no rosto dos autos, ou seja, são penhorados créditos do
devedor noutro processo no qual ele seja credor.
III – CONCLUSÃO
Sabe-se
que a execução das dívidas, em razão de todos os recursos processuais
existentes, é algo tortuoso e que, muitas vezes, torna-se algo desanimador e
traz ao Poder Judiciário e ao próprio conjunto de leis um descrédito,
principalmente por parte do credor.
Todavia, o que se pretendeu neste artigo, mesmo que de modo muito resumido, foi explicar algo que tanto o credor como o devedor devem ter em mente: é o equilíbrio que a lei estabeleceu no sentido de que as dívidas sejam pagas, mas que o pagamento de tais dívidas não cause o desamparo de famílias, como a perda de residência ou meio de sustento.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Lei nº 8.009/1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família.
[2] Código Civil, art. 1.911. A cláusula de
inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica
impenhorabilidade e incomunicabilidade.
[3] Código de Processo Civil,
art. 833. São impenhoráveis. (...). § 1º A impenhorabilidade não é oponível à
execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua
aquisição.
Ainda que a legislação seja clara, os processos de execução são bastante morosos. Há devedores bem orientados que conseguem fugir da penhora, através de fraudes. Quem se vê perdido é, geralmente, o de pouco poder aquisitivo. Uma oportuna abordagem, Alexandre.
ResponderExcluirBoa tarde, Marilene!
ExcluirApós as correrias de final de ano, apesar do distanciamento, é que consegui parar para responder às mensagens.
Sem dúvida, a fraude contra credores é um dos males que temos nos nossos processos, tanto na fase de conhecimento, como na fase de execução. Todavia, vemos que gradativamente o Poder Judiciário cria métodos para diminuir tais fraudes, o que nos leva a ter um resultado mais favorável para obtermos o que determinam as sentenças. É mais um avanço no caminho de se fazer Justiça. Parece algo meio idealista, mas já que estamos em época de final de ano, por que não termos essa esperança?
Um grande abraço!
Alexandre, acho este esclarecimento de suma importância.
ResponderExcluirPenso que a vossa lei que protege a residência familiar é mais avançada do que a lei europeia.
Durante a recente crise do euro, houve suicídios quando as famílias deixaram de poder pagar as prestações do crédito para habitação. Só depois de alguns morrerem, os bancos acordaram e começaram a renegociar a dívida, trocando os apartamentos residenciais por outros menores... Foi uma situação económica muito triste e complicada da qual ainda estamos a recuperar.
QUERO DESEJAR-LHE BOAS FESTAS, COM SAÚDE, PAZ E AMOROSIDADE;
SE POSSÍVEL, NA COMPANHIA DAS PESSOAS QUE LHE SÃO QUERIDAS.
O meu abraço da melhor cordialidade.
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Majo Dutra, caríssima!
ExcluirDe antemão, peço desculpas pela demora em responder-te, mas final de ano é sempre corrido.
Realmente não sei como é a lei europeia o que diz respeito a proteção às residências familiares para as dívidas comuns. Entretanto, uma ressalva tenho que fazer: aqui no Brasil, nos casos de financiamentos habitacionais, em caso de não pagamento deste, o imóvel é retomado pela instituição bancária, pois, nesses casos, o próprio imóvel é a garantia da dívida. Ou seja, nesse caso não difere muito da Europa.
Agradeço muito essas tuas colocações, fazendo um paralelo entre o que acontece na Europa e no Brasil. É enriquecedor.
Aproveito para desejar a ti e tua família um 2021 repleto de saúde, principalmente, e que encontrem, mesmo dentro das adversidades dos dias atuais, alegria em cada pequeno momento da vida.
Grande abraço!