Alexandre Luso de Carvalho
Nos últimos anos, os empreendimentos imobiliários de multipropriedades, também conhecidos como time-sharing, ganharam um novo impulso, tornando-se cada vez mais numerosos. Mas, o que são esses empreendimentos? Basicamente é um imóvel dividido entre vários proprietários, que têm direito a utilizá-lo em períodos específicos, tanto para uso próprio como para locação, o que se tornou, também, uma modalidade de investimento. Os maiores exemplos desses imóveis são os resorts construídos em cidades turísticas.
Ocorre
que tais empreendimentos estão cada vez maiores e, com isso, requerem maior captação
de investidores antes mesmo de seu início. Assim, com essa necessidade de
recursos, o marketing é cada vez mais agressivo, tanto que é muito comum
– mais do que se deveria – turistas em cidades como Gramado, Canela, Torres,
Florianópolis dentre outras, serem abordados com cortesias (almoços, jantares,
passeios, brindes etc.), “bastando” que se dirijam até a central de vendas e
assistam à uma apresentação do empreendimento. Todavia, como “não existe
almoço grátis”[1], para os
que aceitam essa cortesia, é aí que está o primeiro passo de uma série de
problemas, quais sejam:
a)
é apresentado ao possível adquirente um
empreendimento extremamente atraente sob o ponto de vista da utilização e/ou da
rentabilidade mensal (com percentual sempre superior aos investimentos
bancários), bem como é mostrado um belo apartamento decorado. Tudo para encher os
olhos;
b)
é apresentada uma planilha onde as
parcelas mensais e de reforços se mostram atrativas em relação à data de
entrega do empreendimento, prometida para um tempo absolutamente razoável. Ótimo, também.
A
partir disso, vemos que nessa apresentação há uma soma de fatores que não dá um bom
resultado, qual seja:
técnica persuasiva dos vendedores (que não deixam o seu interlocutor pensar com clareza) e apresentação de um produto/negócio absolutamente perfeito
+
vontade de o “alvo” da venda em ganhar a sua cortesia (o “almoço grátis” que, repita-se, não existe) e sair para usufruí-la
=
aquisição de um empreendimento de alto custo, de longo prazo de pagamento e de entrega; contratado na
empolgação do momento e na simpatia dos vendedores, ou seja, com uma
probabilidade enorme de dar muito errado
Cumpre
destacar que nessas apresentações, obviamente, não são explicitados:
a) os riscos do empreendimento, principalmente quanto ao
atraso da obra;
b) o teor das cláusulas contratuais;
c) o que tocará a cada parte a título de penalidades (vendedor e comprador) em caso de atraso na obra, atraso no pagamento ou de rescisão contratual. E tal omissão ocorre para não demonstrar o imenso desequilíbrio nas relações, sempre em desfavor do comprador que caracterizam muitos desses contratos.
Com isso, seguem algumas sugestões quanto à aquisição de
empreendimentos de multipropriedade:
a) se você estiver passeando não aceite a cortesia e obviamente
comparecer à apresentação. Digo isso, pois o estado
mental de quem está passeando é completamente diferente de quem está buscando a
aquisição de um bem, isto é, quem está num lugar a passeio está relaxado e,
portanto, desatento e mais vulnerável, diferente a quem está à procura de um
bom negócio, onde todas as atenções e cuidados estão voltados para aquele objetivo;
b) se mesmo assim você estiver com muita vontade de receber a
cortesia (e perder uma hora na central de vendas), não assine nada e se tiver que assinar algo para ganhar a cortesia, certifique-se que não é um documento que lhe
vincule à compra. E peça cópia do que assinou ou fotografe;
c)
se estiver interessado no
empreendimento, não assine o contrato ou qualquer documento na hora – mesmo que o vendedor lhe diga que a “condição especial” é só
para aquele dia – e peça que lhe envie uma cópia do contrato para a análise de
um advogado. Se houver recusa no fornecimento da cópia do contrato, nem siga na
negociação;
d) em posse do contrato, encaminhe para um advogado, pois o profissional:
d.1 analisará as cláusulas contratuais e suas eventuais
ilegalidades ou o desequilíbrio entre vendedor e comprador;
d.2. investigará a empresa para saber se esta é alvo de processos judiciais e por quais motivos;
d.3. emitirá um parecer (verbal ou escrito) sobre os riscos jurídicos de seguir na aquisição do imóvel, salientando que em tais contratos costumam constar cláusulas que para leigos são de difícil compreensão e podem acarretar sérios problemas futuros que serão resolvidos somente junto ao Poder Judiciário.
Por fim, o que digo neste artigo é que não se está dizendo para não se adquirir um imóvel em multipropriedade, mas sim, que se for adquirir, que o faça com a plena consciência de que não se está “comprando férias para a vida toda”; se está adquirindo um patrimônio e, como tal deve ser pensado com serenidade e com todas as reflexões necessárias (“eu preciso?”, “eu posso pagar?”, “é o melhor investimento para mim?”, "o que diz o mercado sobre isso?") e as cautelas imprescindíveis (análise das cláusulas e das condições da construtora/incorporadora).
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Expressão e seu acrônimo
popularizados pelo escritor de ficção científica Robert Anson Heinlein, em seu livro The Moon is a
Harsh Mistress, de 1966, sendo, também, popularizada pelo economista monetarista Milton
Friedman, em 1975, como o título de um de seus livros, no sentido de que
nada é verdadeiramente gratuito.
Parabéns pela publicação, Dr. Alexandre. Já fui vítima desse tipo de abordagem no melhor restaurante de comida portuguesa de Vitória, ES. Uma verdadeira armadilha. Uma pressão psicológica atordoante. No final o bacalhau que é delicioso quase causou uma indigestão. Não caiam nessa.
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