2 de março de 2024

A VIOLÊNCIA FINANCEIRA CONTRA O IDOSO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

A terceira idade é uma etapa da vida que pode ser muito bem aproveitada, mas que por outro lado, traz uma série de dificuldades inerentes à faixa etária. E essas dificuldades são perfeitamente normais, assim como é normal a impetuosidade irresponsável e quase arrogante da juventude. Todavia, o que vemos, ao menos na sociedade brasileira, é que ainda não estamos apt0s para amparar os nossos idosos com o devido respeito e zelo, apesar desse cuidado ser um dever contido na Constituição Federal (“Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”). (Grifado). 

Essa falta de cuidado com os idosos pode ser verificada na saúde pública, na falta de acessibilidade, no próprio valor de aposentadoria – que historicamente não faz frente às suas despesas –, bem como pelos casos de maus tratos dos familiares e pessoas próximas desses, e que podem ocorrer por diversas formas: abandono, violência física, violência psicológica e violência financeira, também. Aliás, um dado preocupante é que o Disque 100 (serviço do Governo Federal que recebe denúncias de violações dos Direitos Humanos) recebeu nos primeiros cinco meses de 2023 mais de 47 mil denúncias de violências contra idosos[1]. 

A violência financeira, muitas vezes ocorre em razão de várias situações bastante frequentes:

 

a) o idoso, muitas vezes, é o único ou principal provedor da família (filhos e netos), seja residindo sozinho ou com os familiares, em razão de ser o único com renda fixa (aposentadoria, salário e/ou rendimentos);

 

b) mesmo quando o idoso reside em clínicas geriátricas ou casas de repouso, é comum que parte ou a integralidade de sua renda seja destinada a custear de sua permanência nesses lugares, sendo que muitas vezes um familiar ou o próprio responsável pelo estabelecimento fica de posse do cartão de benefício ou do acesso às contas bancárias e bens para realizar os pagamentos;

 

c) o idoso interditado em razão de doença ou por sua idade avançada  e sem condições de gerir a própria vida – e, por isso, com um curador nomeado pelo Judiciário (que pode ou não familiar) para gerenciar sua vida, inclusive a financeira/patrimonial;

 

d) o idoso é induzido a assinar contratos de prestação de serviços e/ou fornecimento de produtos (incluindo empréstimos) claramente abusivos, aproveitando-se dessa fragilidade acarretada pela idade;

 

e) o idoso é induzido a informar senhas, contas bancárias à pessoas estranhas que se disponibilizam a “auxiliar” em transações financeiras;

 

f) o idoso tem um cuidador ou pessoa de sua confiança e acaba dando acesso à sua vida financeira e/ou patrimonial.

 

Assim, é muito comum que em razão da idade e das situações exemplificadas acima, a violência financeira – pode ocorrer dos seguintes modos:

 

a) pela manipulação psicológica: quando ao idoso é atribuída uma responsabilidade e/ou culpa sobre certa situação de alguém, geralmente próximo, a ponto de entregar dinheiro ou patrimônio que são destinados ao seu sustento;

 

b) pelo ardil: quando é criada uma situação no qual, praticamente “sem perceber” o idoso entrega – de forma sistemática ou eventual – dinheiro e/ou patrimônio;

 

c) pela intimidação: ocorre quando o idoso entrega, de forma eventual ou sistemática, parte ou a totalidade de sua renda e/ou patrimônio mediante ameaça física e/ou de abandono.

 

Ocorre que esse tipo de comportamento, seja cometido por familiares, cuidadores, proprietários de casas geriátricas ou clínicas de repouso, curadores, instituições financeiras, dentre outros que abusam da confiança dos idosos é crime, conforme estabelece o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), em seu artigo 102:

 

Art. 102. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento da pessoa idosa, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade:

Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.

 

Saliente-se que o crime de violência financeira pode ser associado com outros crimes (ameaça, estelionato, lesão corporal, cárcere privado, dentre outros) tornado a pena ainda maior do que a estabelecida pelo artigo 102 do Estatuto do Idoso. 

Importante também lembrar que a partir do momento que for provada a violência financeira, além da condenação na esfera criminal, quem cometer tal ilícito ainda provavelmente será condenado na esfera cível à devolução do dinheiro/patrimônio desviado, bem como ao dano moral causado ao idoso. 

Por fim, é fundamental que fiquemos atentos a todos os que rodeiam os idosos, sejam de nossas famílias ou não, para que não sejam vítimas desse crime. Assim, quando se souber de violência contra idosos ou quando houver fundada suspeita de crimes contra idosos, deve-se sempre procurar as autoridades policiais, o Ministério Público, o Disque 100 (para denúncias à violações dos Direitos Humanos), unidades municipais de saúde, conselhos municipais dos idosos para que iniciem as devidas investigações. O importante é não deixar o idoso ser vítima. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br





[1] Fonte: Senado Federal (https://www12.senado.leg.br/tv/programas/cidadania-1/2023/08/violencia-contra-pessoa-idosa-disque-100-recebeu-mais-de-47-mil-denuncias-no-inicio-de-2023#:~:text=O%20disque%20100%20do%20Minist%C3%A9rio,neglig%C3%AAncia%20e%20de%20explora%C3%A7%C3%A3o%20financeira.)


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