21 de março de 2021

O DESCUMPRIMENTO DAS RESTRIÇÕES DE CIRCULAÇÃO E DAS ATIVIDADES NOS TEMPOS DE PANDEMIA


 

Alexandre Luso de Carvalho

  

I – INTRODUÇÃO

 

As medidas restritivas que os governos estaduais e municipais têm adotado na tentativa de frear a contaminação da população para, também, aliviar a sobrecarga na rede hospitalar causa desespero e indignação dos setores de comércio e prestação de serviços, principalmente, já que esses praticamente perderam toda a sua receita e continuaram com as obrigações decorrentes de suas atividades.

Com isso, o que se vê são comerciantes e prestadores de serviços, em muitos casos, recusando-se ao cumprimento da suspensão de suas atividades, alegando estarem amparados pela Constituição Federal, quanto aos direitos de “ir e vir” (artigo 5º, inciso XV[1]) ou de trabalhar (artigos 5º, inciso XIII[2] e 6º[3]) ou, ainda, externando tal indignação conclamando a população à “desobediência civil”. Todavia, há de ser cuidado com tais atos.

 

II – DA RECUSA AO CUMPRIMENTO DAS DETERMINAÇÕES DAS AUTORIDADES

 

Em relação as medidas restritivas adotadas por prefeitos e governadores, por meio de decretos (municipais e estaduais), ocorrem, basicamente, em razão de três fatores:

 

a)   de lei federal (Lei nº 1.3979/2020), que “Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”; 

b) de decisão do Supremo Tribunal Federal, que por unanimidade, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.341[4],  entendeu que os Estados e Municípios são competentes, junto com a União, para definir normas de isolamento e restrição;

c) o disposto contido no artigo 196 da Constituição Federal:  "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação." Ou seja, o Estado, por meio de seus três entes (União, Estados e Municípios) tem o dever de agir em garantia da saúde.

 

Assim, esses três fatores legitimaram os governos estaduais e municipais, dentro de suas características e necessidades, a expedirem os decretos de restrição de locomoção e de atividades.

Outro aspecto importante de ser abordado é que as restrições de atividades e de locomoção decretadas por prefeitos e governadores não podem ser caracterizadas como análogas ao estado de sítio como, equivocadamente, o Presidente da República comparou, em 11.03.2021[5], o lockdown determinado pelo Governador do Distrito Federal, até pela conceituação de estado de sítio e requisitos para a sua decretação, contidos na Constituição Federal (artigo 137[6]), qual seja, é a medida tomada pelo Presidente da República, por meio de decreto, mediante autorização do Congresso Nacional, nos casos de:

 

“Art. 137 (...) 

I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; 

II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira;”

  

Portanto, quando vemos as decisões tomada por prefeitos e governadores, concordando ou não, estas são respaldadas por nosso sistema jurídico (lei e jurisprudência). Ou seja, pode-se questionar o mérito dos decretos, mas não a competência de quem os expedem.

  

II –DA DESOBEDIÊNCIA

 

Já em relação à “desobediência civil”, no caso em questão, quando alguém invoca tal direito ou conclama a população para tal, é necessário que antes realmente saiba do que se trata. Em poucas palavras, assim conceitua MAGALHÃES[7]:

 

“Tem origem no livro ‘Desobediência Civil’, de Henry Thoreau, escrito em 1847. Hoje significa manifestação e promoção de atos pacíficos que gerem um debate sobre os questionamentos da sociedade. O objetivo da desobediência civil pode ser chamar a atenção para uma lei injusta ou para uma causa justa; apelar à consciência do público; forçar autoridades relutantes a negociarem. Pode ser também o descumprimento aberto e público das leis por entenderem injustas. Foi utilizada na Índia, na luta contra a colonização britânica”.

 

Todavia, cumpre destacar um aspecto importante que abordado pelo Professor de História DANIEL NEVES SILVA[8]:

 

É importante considerar que o desrespeito à lei só é enquadrado dentro do conceito de desobediência civil quando movido por um sentimento de busca por igualdade ou justiça. A desobediência civil não é meramente uma ação individual, mas sim uma ação coletiva de um grupo que visa, por meio dela, realizar uma transformação social.

Sendo assim, esse tipo de desobediência não é um ato de desordem, uma vez que a sua intenção não é destruir o modelo democrático no qual estamos inseridos, mas transformá-lo, isto é, reformá-lo para que ele garanta igualdade e justiça a todos. Outro elemento fundamental dessa ideia é que ela é aplicada de maneira não violenta.” (Grifado)

  

Portanto, deve ser levado em consideração quanto à análise da desobediência civil, no caso de restrições por causa da pandemia, é se realmente as leis ou decretos são injustos ou se decorrem do princípio do interesse público sobre o privado, uma vez que o próprio Governo Federal reconheceu que o Brasil vive num estado de calamidade pública.

Saliente-se que a análise acerca de invocar ou praticar a desobediência civil no momento por qual passamos, não é só uma questão ideológica ou moral, mas jurídica, pois tal ato, em casos assim, provavelmente – para não dizer invariavelmente – é considerado ilícito civil e penal, o que acarreta uma série de consequências a quem descumpre as determinações das autoridades.

  

III – CONCLUSÃO

  

Assim, para finalizar, é fundamental que a população expresse o seu apoio ou descontentamento com as restrições impostas pelos prefeitos e governadores. Faz parte da democracia. Todavia, o cumprimento das determinações legais é ato que se faz necessário, pois também faz parte do estado democrático de direito, além do fato de que o descumprimento dos decretos trará consequências financeiras que agravarão o estado já grave dos comerciantes e prestadores de serviços, em razão da imposição de multas e perda de alvarás.

Portanto, há de se buscar as vias adequadas para mostrar seu inconformismo: o posicionamento político – dentro das restrições de não aglomeração e de outros limites legais – e/ou a busca do Poder Judiciário para reverter os decretos ou outras determinações das autoridades.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] Constituição Federal, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

 [2] Constituição Federal, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

 [3] Constituição Federal, Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[4] STF, ADI 6.341, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 15.04.2020.

[5] Vide: https://www.youtube.com/watch?v=g6tfa_xqHeQ

[6] Constituição Federal, Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

[7] MAGALHÃES, Esther C. Piragibe e MAGALHÃES, Marcelo C. Piragibe. Dicionário Jurídico Piragibe, 9ª edição,Lumen Juris Editora, 2007, Rio de Janeiro, p. 386.

[8] https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/desobediencia-civil.htm


2 comentários:

  1. Totalmente à margem destes problemas, gostei de ler e saber...

    A nossa demovracia definiu -- quem não toma AstraZeneca, vai para o fim da lista...

    Que tudo aconteça do melhor modo possível... Beijos, Alexandre.
    ~~~~~

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  2. Bom dia, cara Majo Dutra!

    Fico feliz que gostaste do artigo! Realmente estamos em tempos difíceis, pois a população não sabe em quem acreditar e qual o comando seguir...

    Grande abraço!

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