Alexandre Luso de Carvalho
I – INTRODUÇÃO
As
medidas restritivas que os governos estaduais e municipais têm adotado na
tentativa de frear a contaminação da população para, também, aliviar a
sobrecarga na rede hospitalar causa desespero e
indignação dos setores de comércio e prestação de serviços, principalmente, já
que esses praticamente perderam toda a sua receita e continuaram com as
obrigações decorrentes de suas atividades.
Com isso, o que se vê são comerciantes e prestadores de serviços, em muitos casos, recusando-se ao cumprimento da suspensão de suas atividades, alegando estarem amparados pela Constituição Federal, quanto aos direitos de “ir e vir” (artigo 5º, inciso XV[1]) ou de trabalhar (artigos 5º, inciso XIII[2] e 6º[3]) ou, ainda, externando tal indignação conclamando a população à “desobediência civil”. Todavia, há de ser cuidado com tais atos.
II – DA RECUSA AO CUMPRIMENTO DAS
DETERMINAÇÕES DAS AUTORIDADES
Em
relação as medidas restritivas adotadas por prefeitos e governadores, por meio
de decretos (municipais e estaduais), ocorrem, basicamente, em razão de três fatores:
a) de lei federal (Lei nº 1.3979/2020), que “Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”;
b) de decisão do Supremo Tribunal
Federal, que por unanimidade, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº
6.341[4], entendeu que os Estados e Municípios são
competentes, junto com a União, para definir normas de isolamento e restrição;
c) o disposto contido no artigo 196 da Constituição Federal: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação." Ou seja, o Estado, por meio de seus três entes (União, Estados e Municípios) tem o dever de agir em garantia da saúde.
Assim,
esses três fatores legitimaram os governos estaduais e municipais, dentro de
suas características e necessidades, a expedirem os decretos de restrição de
locomoção e de atividades.
Outro aspecto importante de ser abordado é que as restrições de atividades e de locomoção decretadas por prefeitos e governadores não podem ser caracterizadas como análogas ao estado de sítio como, equivocadamente, o Presidente da República comparou, em 11.03.2021[5], o lockdown determinado pelo Governador do Distrito Federal, até pela conceituação de estado de sítio e requisitos para a sua decretação, contidos na Constituição Federal (artigo 137[6]), qual seja, é a medida tomada pelo Presidente da República, por meio de decreto, mediante autorização do Congresso Nacional, nos casos de:
“Art. 137 (...)
I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II – declaração de estado de guerra ou resposta a
agressão armada estrangeira;”
Portanto,
quando vemos as decisões tomada por prefeitos e governadores, concordando ou
não, estas são respaldadas por nosso sistema jurídico (lei e jurisprudência). Ou
seja, pode-se questionar o mérito dos decretos, mas não a competência de quem
os expedem.
II –DA DESOBEDIÊNCIA
Já em relação à “desobediência civil”, no caso em
questão, quando alguém invoca tal direito ou conclama a população para tal, é
necessário que antes realmente saiba do que se trata. Em poucas palavras, assim
conceitua MAGALHÃES[7]:
“Tem origem no livro ‘Desobediência
Civil’, de Henry Thoreau, escrito em 1847. Hoje significa manifestação e
promoção de atos pacíficos que gerem um debate sobre os questionamentos da
sociedade. O objetivo da desobediência civil pode ser chamar a atenção para uma
lei injusta ou para uma causa justa; apelar à consciência do público; forçar
autoridades relutantes a negociarem. Pode ser também o descumprimento aberto e
público das leis por entenderem injustas. Foi utilizada na Índia, na luta
contra a colonização britânica”.
Todavia, cumpre destacar um aspecto importante que abordado
pelo Professor de História DANIEL NEVES SILVA[8]:
“É importante
considerar que o desrespeito à lei só é enquadrado dentro do conceito de
desobediência civil quando movido por um sentimento de busca por igualdade ou justiça. A desobediência civil não é meramente uma ação individual, mas sim uma
ação coletiva de um grupo que visa, por meio dela, realizar uma transformação social.
Sendo assim, esse tipo de
desobediência não é um ato de desordem, uma
vez que a sua intenção não é destruir o modelo democrático no qual estamos
inseridos, mas transformá-lo, isto é, reformá-lo para que ele garanta igualdade
e justiça a todos. Outro elemento fundamental dessa ideia é que ela é aplicada de maneira não violenta.” (Grifado)
Portanto,
deve ser levado em consideração quanto à análise da desobediência civil, no caso
de restrições por causa da pandemia, é se realmente as leis ou decretos são
injustos ou se decorrem do princípio do interesse público sobre o privado, uma
vez que o próprio Governo Federal reconheceu que o Brasil vive num estado de
calamidade pública.
Saliente-se que a análise acerca de invocar ou praticar a desobediência civil no momento por qual passamos, não é só uma questão ideológica ou moral, mas jurídica, pois tal ato, em casos assim, provavelmente – para não dizer invariavelmente – é considerado ilícito civil e penal, o que acarreta uma série de consequências a quem descumpre as determinações das autoridades.
III – CONCLUSÃO
Assim,
para finalizar, é fundamental que a população expresse o seu apoio ou
descontentamento com as restrições impostas pelos prefeitos e governadores. Faz
parte da democracia. Todavia, o cumprimento das determinações legais é ato que
se faz necessário, pois também faz parte do estado democrático de direito, além
do fato de que o descumprimento dos
decretos trará consequências financeiras que agravarão o estado já grave dos
comerciantes e prestadores de serviços, em razão da imposição de multas e perda
de alvarás.
Portanto, há de se buscar as vias adequadas para mostrar seu inconformismo: o posicionamento político – dentro das restrições de não aglomeração e de outros limites legais – e/ou a busca do Poder Judiciário para reverter os decretos ou outras determinações das autoridades.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Constituição Federal, Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com
seus bens;
[4] STF, ADI 6.341, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgado em 15.04.2020.
[5] Vide: https://www.youtube.com/watch?v=g6tfa_xqHeQ
[6] Constituição Federal, Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
[7] MAGALHÃES, Esther C. Piragibe e MAGALHÃES, Marcelo C. Piragibe. Dicionário Jurídico
Piragibe, 9ª edição,Lumen Juris Editora, 2007, Rio de Janeiro, p. 386.
[8] https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/desobediencia-civil.htm
Totalmente à margem destes problemas, gostei de ler e saber...
ResponderExcluirA nossa demovracia definiu -- quem não toma AstraZeneca, vai para o fim da lista...
Que tudo aconteça do melhor modo possível... Beijos, Alexandre.
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Bom dia, cara Majo Dutra!
ResponderExcluirFico feliz que gostaste do artigo! Realmente estamos em tempos difíceis, pois a população não sabe em quem acreditar e qual o comando seguir...
Grande abraço!