Alexandre Luso de
Carvalho
A
violência doméstica, principalmente contra a mulher, continua apresentando
índices preocupantes e crescentes, mesmo com legislação específica (Lei Maria
da Penha – Lei nº 11.340/2006), com os esforços das autoridades, campanhas da imprensa
e ações da sociedade civil organizada (vide no link indicado a matéria do
Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM[1]).
Na batalha contra esse aumento da violência doméstica, observou-se o início da mudança de mentalidade com campanhas como “EM BRIGA DE MARIDO E MULHER DEVEMOS, SIM, METER A COLHER”, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde[2], dentre tantas outras similares, ou seja, terceiros devem, sim, intervir quando se depararem com tais casos. É aí que, também, entram os papéis do síndico e dos demais condôminos.
Importante frisar, antes de continuar a abordagem sobre o tema, que a violência doméstica não se resume à violência contra a mulher, mas também a todos os que habitam o lar (ou o que deveria ser o lar), o que inclui crianças, idosos, doentes e, dependendo da situação, até mesmo os homens, conforme observado por Eudes Quintino de Oliveira Júnior[3], apesar de mais raro.
Com isso, para avançar nas políticas de combate à violência doméstica iniciaram-se ações incentivando a intervenção de quem habita ou convive próximo à vítima, no sentido de evitarem agressões por meio da informação às autoridades competentes quando da agressão ou iminente ameaça dessa ocorrer. Dentre elas, vale mencionar:
a) o Projeto de Lei nº 2.510/2020, de autoria do Senador Luiz do Carmo (MDB/GO) e atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, que (sic) "Altera a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 (Lei do Condomínio), a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para estabelecer o dever de condôminos, locatários, possuidores e síndicos informarem às autoridades competentes os casos de violência doméstica e familiar de que tenham conhecimento no âmbito do condomínio, e para incluir na tipificação do crime de omissão de socorro os casos de violência doméstica e familiar" (Grifado);
b) Lei nº 23.643/2020, do Estado de Minas Gerais, que (sic) “Dispõe sobre a comunicação a órgãos de segurança pública de ocorrência, ou indício de ocorrência, de violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente ou idoso nos condomínios residenciais localizados no Estado, durante o estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19”;
c) Lei nº 10.720/2020, do Estado do Rio Grande do Norte, que (sic) “Dispõe sobre a comunicação pelos condomínios residenciais aos órgãos de segurança pública, sobre a ocorrência ou indícios de violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente ou idoso, em seus interiores”;
d) Lei
nº 15.549/2020, do Estado do Rio Grande do Sul, que (sic) “Dispõe
sobre comunicação aos órgãos de segurança sobre eventual ocorrência ou indício
de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes,
idosos e pessoas com deficiência, em condomínios residenciais do Estado do Rio
Grande do Sul”, salientando, o que estabelece em seu artigo 1º:
“Art. 1º Os condomínios residenciais,
localizados no Estado do Rio Grande do Sul, POR MEIO DE SEUS SÍNDICOS E/OU
ADMINISTRADORES DEVIDAMENTE CONSTITUÍDOS, deverão
encaminhar comunicação à Polícia Civil, quando houver, em suas unidades
condominiais ou nas áreas comuns, a ocorrência ou indício de violência
doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas
com deficiência, sem prejuízo da comunicação à Brigada Militar, quando for
preciso fazer cessar a violência, através do telefone 190.” (Grifado)
Portanto,
quando as leis passaram a determinar que o síndico e condôminos comuniquem os casos de
violência doméstica, verifica-se o fortalecimento dessa nova filosofia, que
vai no sentido contrário ao que ocorre hoje em dia: assistir, mas não se
envolver. Todavia, é importante
ressaltar que quando há violência doméstica o “não se envolver”, o “se calar”
passará a ser entendido como omissão de socorro, conforme disposto no artigo
135 do Código Penal:
Art. 135 - Deixar de prestar assistência,
quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada,
ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou
não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Com
isso, nos Estados da Federação que já sancionaram leis nesse sentido, o síndico
e/ou outros condôminos, após criteriosa avaliação - que dependendo da situação terá que ser rápida - a partir de indícios de estar
havendo violência doméstica (gritos, barulhos típicos de brigas, pedidos de
socorro, etc.), têm o DEVER LEGAL de contatar as
autoridades nos seguintes casos:
a)
ocorrer há tempo a violência doméstica;
b) ocorrer o iminente risco de violência doméstica;
c) estar a violência em pleno curso.
Assim,
a partir dessas informações a autoridade competente, seja Ministério Público ou
autoridade policial atuará dentro de suas atribuições e limites legais, tendo o
poder/dever de trafegar em qualquer instalação do condomínio, podendo,
inclusive, promover a entrada forçada (arrombamento) no apartamento da vítima para evitar ou
interromper qualquer agressão que essa esteja sofrendo.
Por fim, vale destacar que sempre que o síndico e/ou o condômino agir em observância dessas leis, o próprio dever que lhes é imposto, também lhes resguardam diante de qualquer retaliação do condômino agressor, tanto em relação às pessoas, como em relação ao condomínio.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Brasil teve 648 casos de feminicídio no primeiro semestre de
2020 (https://ibdfam.org.br/index.php/noticias/7853/Brasil+teve+648+casos+de+feminic%c3%addio+no+primeiro+semestre+de+2020).
[2] https://Brasil teve 648
casos de feminicídio no primeiro semestre de
2020cnts.org.br/noticias/em-briga-de-marido-e-mulher-devemos-sim-meter-a-colher/
[3] Medidas
protetivas em favor do homem na Lei Maria da Penha (https://migalhas.uol.com.br/depeso/304823/medidas-protetivas-em-favor-do-homem-na-lei-maria-da-penha)
Uma violência que aumenta a cada dia e cujos resultados estampam os noticiários, em vista de sua gravidade. Infelizmente, em condomínios, nem sempre se percebe quando alguém está sendo vítima dela. Fico feliz com a existência da legislação e anseio
ResponderExcluirpor ver seus resultados, face aos deveres por ela impostos. Excelente postagem, Alexandre! Abraço.
Boa noite, Marilene!
ResponderExcluirInfelizmente aumenta a cada e em 2020 asseverou esse crescimento e, portanto, deve ser incessante o combate, inclusive, com a criação de leis e seu devido e rigoroso cumprimento.
Grande abraço!!
Penso que há muito que temos leis semelhantes, talvez não expressamente dirigidas aos condomínios...
ResponderExcluirA miséria, o desemprego e o isolamento vieram agravar este flagelo social.
Em confinamento total, eles compram as bebidas nos supermercados e embriagam-se em casa...
Uma das facetas mais sórdidas e lamentáveis da miséria humana...
Dias bons e serenos. Beijinho, Alexandre.
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Bom dia, caríssima Majo Dutra.
ResponderExcluirSem dúvida que sempre houve possibilidade de condôminos intervirem nos casos de violência doméstica. Bastava seguir o que determina o próprio Código Penal sobre a omissão de socorro. Todavia, isso ainda poderia ser objeto de interpretação a ponto de desestimular a informação acerca da violência doméstica.
O que vejo é que essa nova maneira de combater a violência doméstica deixou mais claro e estimulou a comunicação de vizinhos e síndicos nesses casos.
E realmente, a pandemia asseverou o que já era complexo e absolutamente lastimável.
Grande abraço!