Alexandre Luso de Carvalho
A compra de imóveis na planta é uma boa alternativa para os compradores adquirirem os imóveis em valores mais em conta do que se já estivessem prontos. Todavia, há um problema recorrente em quase todos os empreendimentos – dos populares aos de alto padrão –, qual seja: o atraso na entrega da obra. E isso ocorre com quase todas as construtoras.
Com isso, não raro os compradores desistem do negócio, buscando a resolução do contrato e a devolução de parte do que foi pago. Aí começa outro problema. Nos contratos entre as construtoras/incorporadoras – geralmente de adesão, ou seja, sem possibilidade de discussão das cláusulas –, vê-se que o consumidor sai em desvantagem, pois as cláusulas estabelecem que o adquirente perderá a maior parte do que já pagou (por vezes, é prevista a devolução de somente 10% da quantia paga).
Assim,
em razão desse “combo” de práticas abusivas pelas construtoras (contrato desigual
mais atraso na entrega da obra) o consumidor, sempre em desvantagem, passou a
ter como única alternativa a busca do Poder Judiciário, que decidia, em geral o
seguinte:
a) adoção do Código de
Defesa do Consumidor para discutir o contrato e, com isso, a interpretação das
cláusulas de modo mais favorável ao adquirente do imóvel, bem como a inversão
do ônus da prova, isto é, o dever de provar que os fatos ocorreram de forma
como determina a lei é da construtora/incorporadora;
b) multa pelo atraso na
entrega ou se o adquirente optasse pela rescisão, a devolução era feita no
percentual que poderia chegar a 100% (cem por cento) do valor pago, conforme
entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1];
c) danos materiais e
morais, se assim comprovados fossem.
Essa
situação em nada mudou, isto é, a necessidade de buscar o Poder Judiciário
continua para resolver tais casos. Entretanto, há de se atentar a algumas modificações
substanciais promovidas pela Lei nº 13.786/2018 na legislação que rege as
incorporações imobiliárias (Lei nº 4.591/1964[2]), na
qual passou a estabelecer, quanto a entrega dos imóveis, o seguinte:
a) se estiver expresso no
contrato, o imóvel pode ser entregue até 180 (cento e oitenta) dias após a data
estipulada para a sua conclusão, sem que
isso gere qualquer penalidade ao incorporador e tampouco dê causa ao adquirente
para rescindir o contrato (artigo 43-A);
b) “Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.” (artigo 43-A, parágrafo primeiro);
c) sendo o imóvel entregue
com o atraso superior aos 180 dias e não sendo o caso de resolução do contrato,
será devido ao adquirente adimplente (em dia com os pagamentos) a indenização
de 1% (um por cento) do valor pago para cada mês de atraso mais a correção
monetária estipulada no contrato (artigo 43-A, parágrafo segundo);
d) “A multa prevista no § 2º deste artigo, referente a mora no
cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá ser cumulada com a multa
estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da inexecução total da obrigação”
(artigo 43-A, parágrafo terceiro).
Tais modificações, apesar de regularem a resolução do contrato e a devolução integral do que foi pago e o prazo para tal, mas que os tribunais já decidiam em favor do consumidor – destacando que os contratos muitas vezes estabeleciam a devolução parcial e ainda no final da obra – o novo dispositivo legal trouxe um inegável prejuízo ao consumidor: uma “permissão” para livremente atrasar a entrega do imóvel em seis (06) meses sem qualquer punição ao incorporador.
Essa “permissão” legal traz um sério problema, pois deixa sem proteção o consumidor, quando em decorrência desse atraso, ocorrer danos materiais (com pagamento de aluguel, por exemplo) ou danos morais (a família ficar acomodada em situação precária). Ou seja, as demandas judiciais em razão dos atrasos na entrega do imóvel, a meu ver, com o tempo, continuarão a fazer parte da rotina do Poder Judiciário.
Portanto,
quando ocorrer o atraso na entrega da obra, é fundamental uma análise do contrato
e de toda a situação que envolve a situação do consumidor e de sua família,
pois mesmo com o novo dispositivo legal – benéfico ao incorporador – várias
outras questões podem ser objeto de discussão.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] STJ, REsp 745079 RJ 2005/0068119-2, 4ª
Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, julgado em06.11.2007, publicado no DJ
em 10.12.2007).
[2] Lei nº 4.591/1964, Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador. § 1º. Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei. § 2º Na hipótese de a entrega do imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato. § 3º A multa prevista no § 2º deste artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da inexecução total da obrigação.