31 de janeiro de 2021

A EQUIPARAÇÃO SALARIAL E ALGUNS DE SEUS ASPECTOS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Um dos pontos que muitas vezes é motivo de questionamentos diz respeito ao direito de equiparação salarial entre funcionários do mesmo setor de uma mesma empresa ou instituição, que desempenham a mesma atividade, mas que têm salários diferentes. E isso frequentemente ocorre.

Assim, primeiramente vale destacar os requisitos que a CLT (artigo 461[1]) estabelece para a equiparação salarial:

 

a) idêntica função entre os funcionários;

b) serviço prestado para o mesmo empregador e mesmo estabelecimento;

c) igual produtividade;

d) mesma perfeição técnica;

e) a diferença entre os funcionários no emprego não pode ser superior a quatro anos e a diferença na função, no mesmo empregador, não pode ser superior a dois anos.

 

Entretanto, o próprio artigo 461 estabelece a exceção aos critérios para a equiparação salarial, qual seja: “(...) quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público” (parágrafo 1º).

Assim, a partir do momento em que o empregador estabelecer um quadro de carreira (PCS – Plano de Carreira e Salários), as promoções poderão ocorrer por merecimento e por antiguidade ou por qualquer um desses critérios, isoladamente (CLT, artigo 461, parágrafo 3º[2]), devendo, no entanto, obedecer a tais requisitos, sob pena de não o fazendo, poder ser condenado no pedido de equiparação salarial.

Já em relação ao pedido de equiparação salarial, quando este já se encontra judicializado, isto é, quando já há processo trabalhista, além da prova dos requisitos já mencionados, cumpre salientar três aspectos estabelecidos no artigo 461 da CLT:

 

a) O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial” (parágrafo 4º);

b) A equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria” (parágrafo 5º);

c) No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social” (parágrafo 6º).

 

 Portanto, quando o empregador observa todos os requisitos de implementação do quadro de carreira, com seus critérios de promoção bem definidos, fiscaliza as atividades no sentido de impedir que um empregado exerça as atividades de cargo de nível técnico e salarial superior e, principalmente, realize as promoções conforme estabelecidas (por antiguidade e merecimentos), a possibilidade de condenação em pedido de equiparação salarial fica absolutamente minimizada, senão nula - o que significa redução de prejuízos -, uma vez que os direitos do empregado estarão sendo observados.

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] CLT, Art. 461.  Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. § 1o  Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos. § 2o  Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público.

[2] CLT, art. 461 (...). § 3o  No caso do § 2o deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional.


24 de janeiro de 2021

A RELAÇÃO ENTRE CARGO DE CONFIANÇA E AS HORAS EXTRAS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Em grande parte das ações trabalhistas, o tema horas extras se faz presente dentre os pedidos, sendo, muitas vezes, a maior parte do valor pleiteado pelo empregado e, consequentemente, das condenações.

Todavia, há algumas exceções quanto ao direito à percepção de valores referentes às horas extras, sendo uma delas os empregados ocupantes de cargo de confiança.

O cargo de confiança, numa conceituação mais simples, é o preenchido por empregado depositário de especial confiança, por parte do empregador, para cargo de hierarquia superior dentro da empresa. Um exemplo clássico é o de gerência. Conforme lecionam MAXIMILIANUS CLÁUDIO AMÉRICO FÜHRER e MAXIMILIANO ROBERTO ERNESTO FÜHRER,O empregado passa a ter amplo poder de deliberação, substituindo o próprio empregador e representando a empresa nas relações externas. Não está subordinado a horário e não tem estabilidade no cargo; sua constituição ao cargo anterior não constitui ilegalidade[1]”.

Entretanto, o que causa dúvida, por vezes, são quais os requisitos caracterizadores do cargo de confiança e como funciona a hora extra para esses casos. Tais requisitos estão dispostos na CLT, artigo 62, inciso II e parágrafo único:

 

Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

I – (...)

II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.

Parágrafo único - O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).

 

Ou seja, o legislador atribuiu dois pressupostos essenciais à caracterização do Cargo de Confiança:

a) possuir encargos de gestão, ou seja, a possibilidade de dar ordens, admitir, demitir, punir, etc.;

b) gratificação de função no montante de no mínimo 40% sobre o salário do cargo efetivo.

 

Outra característica é a inexistência do controle de horário, o que leva à inexigibilidade do pagamento de horas extras. Saliente-se: se fosse exigido controle da jornada de trabalho, estaria comprometida a essência do cargo de confiança já que cercearia a autonomia, inerente à função, descaracterizando, assim, o cargo de confiança.

Com isso, caso, se verifique um cargo de gerência, por exemplo, onde não exista a gratificação de 40% e haja controle de horário, certamente serão devidos valores referentes ao horário extraordinário laborado, conforme amplo entendimento jurisprudencial, já há muitos anos sedimentado:

 

"HORAS EXTRAS. GERENTE DE ESTABELECIMENTO. FUNÇÃO DE CONFIANÇA NÃO CARACTERIZADA. Se a função da reclamante não se enquadra na exceção tipificada no art. 62, inciso II, da CLT, diante da ausência de poderes de mando ou gestão, o fato de ocupar o cargo de gerente de estabelecimento, por si só, não caracteriza a existência do alegado cargo de confiança." (TRT-10, RO 3374/2001, 3ª Turma Relª Juíza Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro, DJU 18.01.2002)

 

"CARACTERIZAÇÃO DE CARGO DE CONFIANÇA. Para caracterizar a fidúcia intrínseca ao art. 62, II, da CLT, é imperioso que seja comprovado que o empregado esteja investido em poderes de mando em gestão, que denotem autonomia e o coloquem em posição de destaque, apto a tomar decisões que interfiram no destino do próprio empreendimento. Além disso, deve ter padrão salarial diferenciado, acrescido de, pelo menos, 40% em relação ao cargo efetivo. Extraindo-se do conjunto probatório que as atividades desenvolvidas pelo Reclamante não tinham o condão de enquadrá-lo como exercente de cargo de confiança, deve ser mantida a condenação de pagamento das horas extras laboradas." (TRT-3,RO nº 0011207-70.2019.5.03.0147, 8ª Turma, Rel. Des. Sercio da Silva Peçanha, julgado em 10.09.2020).

 

Ou seja, o que caracteriza o cargo de confiança não é propriamente a nomenclatura (diretor, gerente, subgerente, etc.), mas sim as características acima elencadas (poderes de gestão, gratificação e inexistência de controle de horário).

No entanto, é importante atentar para o fato de que alguns autores diferenciam a direção administrativa (cargo de confiança) da direção técnica de determinado setor, esta última não sendo de confiança e, portanto, submetida ao controle de horário e com direito ao recebimento dos valores referentes às horas extras.

Outro aspecto importante é que, apesar de não ser mais uma obrigação legal, o cargo de confiança mediante mandato, para o empregador é necessário que a investidura em tal cargo seja registrada, bem como adotadas uma série de medidas e rotinas a serem indicadas por advogados, contadores e administradores, no sentido de não se ter margem a um futuro pedido em ação trabalhista por falta de cumprimento de norma trabalhista e/ou de seu adequado registro.

Por fim, a observância e cumprimento diário dos requisitos acima elencados, além de consistir no cumprimento da lei e no respeito aos direitos dos trabalhadores, constitui em proteção à própria empresa, uma vez que evitará ou diminuirá o risco de condenação trabalhista quanto ao pleito de horas extras por quem ocupa cargo de confiança.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


Fonte da imagem



[1] FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo e FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Resumo de Direito do Trabalho, Malheiros Editores, 7ª edição, 2001, São Paulo. p. 53


17 de janeiro de 2021

LIMITES QUE SE DEVE RESPEITAR EM REUNIÃO CONDOMINIAL


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I - INTRODUÇÃO

 

 Esse não é um assunto novo. Longe disso! Todavia, por mais abordado que tal tema seja, vê-se que, em muitos condomínios, o comportamento de alguns condôminos trafega entre a falta de educação, passando pela arrogância e, em alguns casos, chega aos ilícitos civil e criminal.

  

II – ILÍCITOS COMETIDOS EM REUNIÕES

 

Os comportamentos ilícitos em reuniões de condomínio acontecem, muitas vezes, porque muitos condôminos entendem que a Assembleia (Ordinária ou Extraordinária), como órgão condominial, é geradora de efeitos jurídicos somente no que diz respeito às deliberações que constam na pauta (ordem do dia) e que, no restante do ato de reunião, o caráter informal prevalece e, portanto, podem dizer o que vier à sua mente e da forma como bem entenderem. Grande e perigoso equívoco.

A formalidade dos atos da assembleia condominial, saliente-se, inicia em sua convocação (Código Civil, artigo 1.350[1]) e só termina quando esta é registrada para que produza seus efeitos jurídicos.

Com isso, todas as manifestações realizadas pelos participantes da reunião, sejam elas por escrito ou verbais, têm consequências jurídicas que, dependendo, podem ocasionar consequências judiciais. Vejamos alguns exemplos:


a) MANIFESTAÇÕES POR ESCRITO: 

a.1. Dossiês, tanto elaborados por órgãos do Condomínio (Síndico, Conselho e Assembleia Geral) como elaborados por qualquer condômino sobre atos desses órgãos ou sobre outro condômino, funcionário ou prestador de serviços: se baseados em dados ou imagens falsas ou alterados, com conteúdo que omita a totalidade ou parte da verdade ou até um ilícito que sabidamente não foi cometido, ter-se-á os crime de falsidade ideológica (Código Penal, artigo 299[2]), calúnia (Código Penal, artigo 138[3]) e difamação (Código Penal, artigo 139[4]); 


a.2. Ocorrências policiais com imputações de crimes que não foram cometidos por determinada pessoa e/ou que sabidamente não existiram; aqui temos a denunciação caluniosa (Código Penal, artigo 339[5]) e a falsa comunicação de crime (Código Penal, artigo 340[6]),

 

 b) MANIFESTAÇÕES VERBAIS: essas são bem mais comuns, uma vez que debates acalorados quase sempre ocorrem pelos mais variados motivos (inconformidade com as propostas, decisões, grupos de oposição, etc.). Aqui, o que mais se verifica, além do equivocado sentimento de que "uns são mais donos que outros" e a falta de educação, são os crimes de calúnia e difamação;

 

c) AGRESSÕES FÍSICAS: essas são bem mais incomuns, raras eu diria, mas já se tem notícias de divergências terem saído do controle, acabando no crime de lesão corporal (Código Penal, artigo 129[7]); e que, dependendo do episódio pode ter como dano colateral o crime de dano ao patrimônio privado (Código Penal, artigo 163[8]).

 

Assim, ocorrendo tais ilícitos, o ofendido, seu representante ou qualquer outro participante da reunião pode fazer constar na ata da assembleia as ofensas e acusações falsas e, caso tenha documentos, solicitar uma cópia destes – que deverá ser fornecida – para que sejam utilizadas como prova em ações criminais e cíveis, esta última com caráter indenizatório, conforme estabelece o Código Civil (artigos 186[9] e 927[10]), bem como o amplo entendimento jurisprudencial:

 

"RESPONSABILIDADE CIVIL. OFENSAS VERBAS. ACUSAÇÃO DE DESVIO DE DINHEIRO DAS CONTAS DO CONDOMÍNIO. DANO MORAL. PROVA. A responsabilidade civil baseada no art. 186 do CC pressupõe a demonstração dos requisitos legais: ação ou omissão voluntária ou culposa, ilicitude, nexo de causalidade e dano. A ausência de quaisquer desses elementos afasta o dever de indenizar. A atribuição de responsabilidade civil deve estar baseada em elementos seguros e demonstrados nos autos. A violação do direito da personalidade, mediante agressão verbal, consistente na acusação de desvio de dinheiro das contas do condomínio perante terceiros, motiva a reparação do dano moral. O dano moral deve ser estabelecido com razoabilidade, de modo a servir de lenitivo ao sofrimento da vítima. Quantum mantido. Apelação não provida." (TJRS, Apelação Cível nº 70083632414, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Marcelo Cezar Muller, julgado em 05.03.2020). (Grifado)

  

III - CONCLUSÃO

  

Nas reuniões de condomínio – e nos demais atos da vida –, ater-se ao democrático debate de ideias (criticando e propondo), mantendo a postura educada e não acusando sem provas, não consiste somente em uma questão de se ter ou não educação e caráter, mas também de uma questão legal.

Assim, se os condôminos tiverem o entendimento de que se está participando de um ato formal com repercussões jurídicas e que se deve ter total atenção ao que acontece e ao que se diz, tanto para prevenir, como para se portar quando agredidos, provavelmente aqueles que pensam que tudo podem falar e fazer passem a refletir antes, pois, dependendo da maneira como agem, além de poder sair bem caro, pode também gerar um incômodo que não precisariam “comprar”.

Por isso, o autocontrole é fundamental nessas reuniões  nas quais, interesses patrimoniais e egos se fundem e podem gerar consequências muito prejudiciais a todos. Aliás, a necessidade de autocontrole numa vida em sociedade é tão antiga que a própria Bíblia muito bem ensina: “Todos tropeçamos de muitas maneiras. Se alguém não tropeça ao falar, tal homem é perfeito, sendo também capaz de dominar todo o seu corpo” (Tiago 3:2).

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] Código Civil, art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.

[2] Código Penal, art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

[3] Código Penal, art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

[4] Código Penal, art. 139. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

[5] Código Penal, art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente:

[6] Código Penal, art. 340. Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado:

[7] Código Penal, art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

[8] Código Penal, art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

[9] Código Civil, art. 186.  Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

[10] Código Civil, art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.


12 de janeiro de 2021

É LEGAL A INTERVENÇÃO DO ESTADO NOS CONDOMÍNIOS POR CAUSA DA PANDEMIA?


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Nesses tempos de pandemia por Covid-19, quase semanalmente os Estados e/ou municípios publicam decretos determinando o que pode ficar aberto e o que deve ficar fechado. Dentre os objetos desses decretos, estão as áreas comuns dos condomínios residenciais.

 Por causa dessa intervenção do Poder Público nos condomínios, muitas vezes vemos a indignação de parte dos moradores, dizendo: “(...) mas as áreas comuns fazem parte da minha propriedade! E o respeito à propriedade privada? O Estado não pode mandar na minha casa!” Mais uma vez digo: não é bem assim.

 No Direito Administrativo, verifica-se que o domínio ou uso do proprietário sobre seu bem não é absoluto, devendo ser observado o PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE PRIVADO, sobre o qual destaco a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[1]:

 

“O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência.” (Grifado)

 

Ligado a tal princípio, no Direito Constitucional, há algumas limitações ao direito de propriedade, dentre as quais destaco as RESTRIÇÕES, que se relacionam à faculdade de fruição (condicionando o uso do bem), conforme leciona o ilustre jurista José Afonso da Silva[2].

Com isso, quando há interesse público, é cabível ao Poder Público intervir no uso da propriedade privada, obedecendo aos princípios do Direito Administrativo, dentre as quais saliento:

 

a) Princípio da Legalidade: se refere à Administração Pública só poder agir em conformidade com a lei;

 

b) Princípio da Razoabilidade: na lição do já citado Celso Antônio Bandeira de Mello “Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá que obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.[3]”;

 

c) Princípio da Proporcionalidade: os atos administrativos não podem ultrapassar a finalidade do interesse público a que estão atreladas;

 

Assim, resumidamente, em razão do interesse público, em especial do momento em que vivemos – a necessidade imperiosa da contenção da pandemia de Covid-19 – sobrepor-se aos interesses privados, o Poder Público, seguindo, principalmente, esses princípios acima citados tem o direito/dever de intervir temporariamente no uso da propriedade privada, podendo suspender ou condicionar total ou parcialmente esse uso enquanto entender que há perigo para a coletividade.

 Com isso, vê-se que muitos argumentos indignados de condôminos quando a Administração Pública intervém no uso das áreas comuns dos condomínios se fundam mais (e quase somente) em aspectos político-ideológicos do que em aspectos jurídicos (técnicos), o que pode levar o síndico, se não estiver atento e firme, ao descumprimento da lei e às consequentes penalizações pessoais (do síndico), bem como do próprio condomínio.

 Portanto, para finalizar, é importante que o síndico não ceda às reclamações dos condôminos, quando não fundamentadas juridicamente e, por outro lado, que os moradores entendam o período excepcional em que vivemos e auxiliem no cumprimento das determinações das autoridades.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30ª edição. Malheiros Editores. São Paulo, 2012, p. 99.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14ª edição. Malheiros Editores. São Paulo, 1997. P.271.

[3] Op. Cit. p.111.


3 de janeiro de 2021

OS PERIGOS DE SER FIADOR E AVALISTA


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Raras são as pessoas que não passaram pela constrangedora situação de receber o pedido de ser fiador ou avalista de um parente ou amigo. Todavia, muitas vezes quem recebe esse pedido fica inseguro para dizer “desculpe, mas não posso” ou aceitar tal responsabilidade ciente de todas as suas consequências.

Assim, adiante tratarei, de forma resumida sobre alguns perigos da fiança e do aval, no sentido de auxiliar a uma reflexão para que o “eleito” possa tomar uma decisão mais consciente se será ou não fiador ou avalista.

  

II – DA FIANÇA

 

A fiança está compreendida no Código Civil, entre os artigos 818 a 839) e numa conceituação bem simples, pode se dizer que é a obrigação assumida por terceiro (fiador), estranho à obrigação originária, que garante o pagamento ao credor em caso de inadimplemento por parte do devedor (afiançado).

Há várias características dessa espécie de garantia e que são importantes de serem conhecidas previamente a aceitação ou não. Entretanto, o objeto deste capítulo são as consequências da fiança quando o devedor não cumpre com sua obrigação e a responsabilidade passa a ser, também, do fiador. Assim, cabe salientar, resumidamente, alguns aspectos:

 

a) a responsabilidade é subsidiária, ou seja, o fiador pode requerer o chamado benefício de ordem para que os bens do devedor, que estejam situados no mesmo município, sejam executados em primeiro lugar para o pagamento da dívida, devendo, assim, nomeá-los (Código Civil, artigo 827, parágrafo único[1]). Todavia, o benefício de ordem não acontece nos casos previstos no artigo 828, incisos I, II e III do Código Civil:

 a.1. se o fiador renunciou expressamente tal benefício;

 a.2. se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;

 a.3. se o devedor for insolvente, ou falido.

 

b) O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor” (Código Civil, artigo 835);

 

c) A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança” (Código Civil, artigo 836);

 

d) o bem de família do fiador pode ser penhorado em caso de fiança concedida em contrato de locação (exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/1990[2]).


Portanto, antes da concessão da fiança, por ser esta geradora de consequências severas ao fiador e que pode leva-lo a perda de parte do patrimônio, inclusive a desastrosa perda do próprio imóvel em que reside, é fundamental a avaliação criteriosa das condições financeiras do afiançado para saber se este pode cumprir com a sua obrigação, pois iniciado processo judicial, além da temerosa perda patrimonial que pode ocorrer, para promover a sua defesa, o fiador terá despesas com advogado e custas judiciais.

  

III – DO AVAL

 

O aval está compreendido no Código Civil entre os artigos 897 a 900, sendo que se trata de garantia prestada por terceiro para o pagamento de título de crédito (nota promissória, letra de câmbio, duplicata, cheque, entre outros).

Diferente da fiança, cumpre destacar que não há benefício de ordem, ou seja, o avalista é responsável solidário ao devedor e seus bens podem ser executados de modo imediato, mesmo que o emitente/devedor possua bens passíveis de execução.

Abaixo, seguem alguns aspectos sobre o aval no que diz respeito à responsabilidade do avalista:

 

a) O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar; na falta de indicação, ao emitente ou devedor final” (Código Civil, artigo 899);


b)O aval posterior ao vencimento produz os mesmos efeitos do anteriormente dado” (Código Civil, artigo 900);


c) Fica validamente desonerado o devedor que paga título de crédito ao legítimo portador, no vencimento, sem oposição, salvo se agiu de má-fé” (Código Civil, artigo 901);


d) no processo de execução, os avalistas terão penhorados os bens elencados no artigo 835 do Código de Processo Civil[3], destacando-se os seguintes:

 

d.1. valores constantes em contas bancárias podem ser bloqueados, exceto os constantes em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos (Código de Processo Civil, artigo 833, inciso X[4]);

d.2. os bens móveis e semoventes (animais);

d.3. os bens imóveis, excetuando o bem de família (imóvel no qual a família do avalista reside).

 

Portanto, verifica-se, também, que o aval traz um risco patrimonial sério ao avalista, tendo em vista a responsabilidade solidária. Assim, como a fiança, há de ser feita ampla análise de quem será prestado o aval, no sentido de saber se este terá condições de pagar o valor constante no título executivo.

 

IV – CONCLUSÃO

 

A partir do que foi dito acima, a conclusão, apesar de um tanto dura e antipática, parece ser bastante óbvia: seja parente ou amigo, se houver dúvida quanto às condições de quem pede a fiança ou aval em cumprir com sua obrigação, não preste a fiança; não preste o aval, pois é o patrimônio do fiador e do avalista, que muitas vezes levou uma vida inteira de trabalho e sacrifício para construir, é que responderá por uma obrigação que sequer sua é.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

  

alexandre_luso@yahoo.com.br


Fonte da imagem



[1] Código Civil, Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor. Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.

[2] Lei nº 8.009/1990, Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

[3] Código de Processo Civil, Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II - títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado; III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; IV - veículos de via terrestre; V - bens imóveis; VI - bens móveis em geral; VII - semoventes; VIII - navios e aeronaves; IX - ações e quotas de sociedades simples e empresárias; X - percentual do faturamento de empresa devedora; XI - pedras e metais preciosos; XII - direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia; XIII - outros direitos.

[4] Código de Processo Civil, Art. 833. São impenhoráveis: (...) X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;