Alexandre Luso de
Carvalho
I - INTRODUÇÃO
Não
é novidade que as relações de consumo frequentemente são resolvidas pelo Poder
Judiciário, uma vez que ainda faz parte da cultura brasileira a deficiência nas
práticas produtivas, comerciais e nas prestações de serviços, tanto em seus objetos principais, como na falta de informações claras e completas e de suportes eficazes aos consumidores.
Infelizmente,
sequer a médio prazo vislumbro mudança nessa realidade, já que a cada ano o
Poder Judiciário é “inundado” por ações referentes às relações de consumo. E é
a partir disso que abordo, neste artigo, um aspecto fundamental quando essa
relação de consumo resulta em processo judicial: a prova daquilo que se alega.
II – DA PROVA PELO CONSUMIDOR
Quanto
ao consumidor, parte mais vulnerável da relação de consumo, apesar de o Código de
Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso VIII[1], estabelecer
a inversão do ônus da prova, ou seja, a obrigação de provar se houve ou não
lesão a qualquer direito do consumidor passa desse para o produtor/comerciante/empresa
prestadora de serviços. Todavia, tal inversão não é automática. Ela ocorre após
a análise do juiz, que verificará:
a) se a narrativa do
consumidor se mostra confiável (verossímil);
b) se o consumidor, pela
característica da relação de consumo, objeto do caso a ser julgado, não tiver a
possibilidade de provar a lesão ao seu direito (hipossuficiência de provar o
alegado).
Caso
o juiz não verifique a existência de ao menos um desses requisitos acima, daí
será observada a regra do Código de Processo Civil, que em seu artigo 373,
inciso I[2]
determina o ônus da prova a quem fizer a alegação.
Portanto,
é prudente que o consumidor, mesmo havendo a grande possibilidade de ser
beneficiado com a inversão do ônus da prova, adote certas práticas no sentido
de facilitar a prova da lesão aos seus direitos. Vejamos algumas dessas
práticas a serem adotadas:
a) guardar o encarte com
as ofertas – se em caso de oferta pela internet,
salvar ou imprimir a página – para que seja vendido exatamente aquilo que foi
anunciado;
b) nunca se desfazer da
nota ou cupom fiscal até que finde o prazo para troca e/ou garantia do produto
ou serviço, bem como qualquer outro documento ou declaração vinculada à relação
de consumo, por mais inútil que pareça;
c) em caso de problemas
no produto ou serviço e necessidade de suporte:
c.1. via call
center: anotar o protocolo com a data, horário e nome atendente, bem
como do pedido e da solução prometida. Caso a empresa não forneça número de
protocolo – algumas não fornecem – solicitar a gravação da conversa ou gravar a
conversa é uma alternativa. As ligações devem ser feitas quantas vezes for
necessário até que se resolva o problema ou se conclua que a solução é através
do Poder Judiciário;
c.2. em caso de atendimento
via site
ou Whatsapp, salvar a página e/ou fazer um print screen das telas de atendimento para provar tal solicitação;
c.3. em caso de atendimento presencial (na loja ou
empresa), jamais deixar qualquer comprovante original de compra no local. Se
houver qualquer negativa de troca, num primeiro momento, voltar ao estabelecimento
com uma testemunha.
Com
tais cautelas, se houver problemas na aquisição de produtos ou de empresas prestadoras
de serviços, a prova em Juízo acerca do desrespeito ao direito do consumidor
ficará mais evidente e facilitará a decisão para a consequente reparação.
Importante
deixar claro ao consumidor sobre um aspecto fundamental e que pode gerar uma
expectativa, nem sempre é satisfeita quando do ajuizamento de ações
judiciais: nem todo o descumprimento das
obrigações decorrentes das relações de consumo são passíveis de indenização por
dano moral. Por vezes, só haverá a condenação da empresa ao cumprimento dessa obrigação
contratual ou ao dano material. Assim, a possibilidade dos danos material e/ou moral é verificada caso a caso pelo Poder Judiciário, mas cabendo ao advogado esclarecer sobre a
real possibilidade de êxito em cada um dos pleitos.
III – DA PROVA PELA EMPRESA
Sendo
a empresa a parte mais poderosa da relação de consumo, cabe a ela adotar
práticas cotidianas de respeito ao consumidor. Essas práticas, saliente-se, servem
para resguardar a própria empresa, uma vez que sua responsabilidade pelos
prejuízos causados é objetiva, isto é, independe de culpa, conforme estabelece
o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 14[3].
Em razão dessa responsabilidade objetiva que propicia, na maioria dos casos, a
inversão do ônus da prova, entendo ser imprescindível que a empresa tome as
seguintes providências, sempre sob a perspectiva jurídica (Código de Defesa do
Consumidor e entendimento dos Tribunais):
a)
elaboração de protocolos de ações
internas, abrangendo todos os setores e etapas de produção, venda ou prestação
de serviços;
b) treinamento da equipe
de funcionários, no sentido de observarem quais os deveres da empresa diante do
consumidor;
c) informações claras aos
consumidores acerca das políticas da empresa quanto às relações de consumo;
d) criar um canal
eficiente de suporte ao consumidor no qual fique provado que o atendimento realmente buscou tirar as dúvidas e solucionar
qualquer problema ocorrido, e não apenas atendeu o cliente de maneira
superficial e evasiva. Esse suporte, saliente-se, independe do tamanho da
empresa.
Com
tais práticas, mesmo com a inversão do ônus da prova fica mais fácil de a
empresa:
a) provar que tomou todas
as providências para não causar lesão aos direitos do consumidor;
b) provar que, no caso
específico, não é a responsável pelo fato (defeito do produto/serviço),
conforme estabelece o Código de Processo Civil (artigo 373, inciso II[4]);
c) se não conseguir a
isenção total da responsabilidade, ao menos ficará provado que não houve má-fé
e/ou omissão da empresa, o que pode influenciar na sentença.
III - CONCLUSÃO
Para
concluir, sobre as provas a serem realizadas por ambas as partes da relação de
consumo quanto aos seus direitos, o
que verificamos é que a palavra de ordem é PREVENÇÃO: a empresa deve prevenir-se através de
medidas que não causem lesão ao consumidor e provar que suas ações obedecem ao Código
de Defesa do Consumidor e as boas práticas de consumo. Já o consumidor, deve adotar as cautelas e
medidas para pleitear, sempre de forma fundamentada e alicerçada,
extrajudicialmente e/ou judicialmente seus direitos.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Código de Defesa do Consumidor,
Art. 6º São direitos básicos do
consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive
com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a
critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente,
segundo as regras ordinárias de experiências;
[2] Código de Processo Civil, Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao
fato constitutivo de seu direito;
[3] Código
de Defesa do Consumidor, art. 14. O fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[4] Código de Processo Civil. Art. 373. O ônus da prova incumbe: (...) II - ao
réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do
direito do autor.
Oi, Alexandre, excelente artigo sobre uma das coisas que nos tiram a paz e a alegria de ter comprado alguma coisa. Existe, sim, a desonestidade de alguns comerciantes ou dos prestadores de serviços. Não é a regra, mas existe muito. Aconteceu conosco, com aquela compra da geladeira, ganhamos a causa e nunca mais voltamos à loja, uma loja bem conhecida, até. Sim, dá uma mão de obra recorrer a justiça, mas é preciso. Mas o consumidor tem seu direito e isso deve ser respeitado. Um dos fatores é que se compra a coisa limpa, sem danos, funcionando e estamos com a razão. Ninguém vai a uma loja comprar algo danificado. Temos de usar sempre de nossos direitos e jamais esmorecer diante dos inúmeros argumentos que eles nos apresentam. É a única maneira de colocar ordem e honestidade nas transações.
ResponderExcluirBeijo, meu filho!
Oi mãe, bom dia!
ExcluirQue bom que gostou do artigo! Pois é, infelizmente a desonestidade de alguns faz com que ajamos de modo desconfiado com todos. E um exemplo é o "caso da geladeira".
Enfim, enquanto essa for a cultura brasileira, seremos consumidores beligerantes.
Beijo!
Alexandre,
ResponderExcluirSou fã de seus pais,
como já deve saber.
Aprecio vir aqui e aprender
especialmente sobre
nossos direitos.
Bjins de renovação de esperança.
CatiahoAlc.
Blogs
https://reflexosespelhandoespalhandoamigos.blogspot.com
https://frasesemreflexos.blogspot.com
https://soempalavras.blogspot.com
https://comentariosporaicoisatal.blogspot.com
Bom dia!
ResponderExcluirMuito obrigado pela atenção despendida ao ler o artigo! Fico feliz que ele é útil!
Fico feliz, também, quanto a seres fã dos meus pais! Também sou!
Desejo que tenhas um ótimo resto de semana!
Grande abraço!!
Tan sólo en dos ocasiones he acudido a la oficina del Consumidor y quedé satisfecha de sus gestiones y fueron reconocidas las razones de mi demanda.
ResponderExcluirCara Antonia.
ExcluirEsta diferencia de filosofía que han alcanzado los países más desarrollados se ha traducido en diversos sectores de la sociedad.
Abrazo!
Bom dia, Alexandre
ResponderExcluirÉ sempre um prazer lê-lo, ao mesmo tempo que se adquirem/renovam conhecimentos.
Embora em Portugal e Brasil as leis possam diferir, em muitos pontos são coincidentes.
No caso de reclamações encontramos de tudo: empresas que aceitam bem as reclamações (acham que o cliente tem sempre razão) mas também há muitas... "retorcidas" que só funcionam "à lei da bala" 😁
Um verdadeiro paraíso sob esse aspecto eram os States... (digo eram porque presentemente não sei como estão as coisas, não vou lá há 3 anos...).
Tive um prazer muito grande em vê-lo na minha "CASA". Obrigada.
Na próxima semana vou ausentar-me de novo ( É a 2ª.fase das minhas férias, desta vez com o meu filho. Ao contrário da 1ª.parte desta vez iremos para o centro/norte, onde as paisagens são deslumbrantes).
Continuação de boa semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Boa noite, Mariazita!
ResponderExcluirQue bom que gostaste do artigo!
Quando as empresas entenderem que para manter um cliente não é necessário bajulá-lo, mas sim, tratá-lo com respeito e observar os seus direitos, haverá, nesse tipo de relação, uma maior harmonia.
Sempre é uma satisfação visitar o teu blog!
Uma ótima segunda fase de férias!
Grande abraço!!
Hola Alexandre. Fue genial leer su reseña, que me ayudó a conocer mejor los derechos de los consumidores y productores. De esta revisión, entendemos el procedimiento si los consumidores experimentan insatisfacción con las compras.
ResponderExcluirFeliz fin de semana.
Saludos desde Indonesia.
Caro Himawan Sant, buenas noches!
ExcluirMuchas gracias por tus palabras! Me alegra saber que lo que escribo, incluso hasta ahora, puede ser útil.
Saludos desde Porto Alegre/RS/Brasil
Essas pendências só aumentam, realmente. Na maioria das vezes, é o cliente a parte lesada rss. Esses cuidados que mencionou e que constituirão elementos de prova, nem sempre são adotados, impedindo um devido ressarcimento. Muito boa a postagem.
ResponderExcluirBoa tarde, Marilene.
ResponderExcluirPois é, o problema da prova é que a população ainda tem um hábito de informalidade em muitas de suas relações de consumo. Isso dificulta a defesa de seus próprios direitos. Mas, tendo em vista ao que ocorria no passado, já nota-se uma boa evolução.
Obrigado pelo elogio e pela leitura.
Um abraço e bom final de semana!