17 de janeiro de 2021

LIMITES QUE SE DEVE RESPEITAR EM REUNIÃO CONDOMINIAL


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I - INTRODUÇÃO

 

 Esse não é um assunto novo. Longe disso! Todavia, por mais abordado que tal tema seja, vê-se que, em muitos condomínios, o comportamento de alguns condôminos trafega entre a falta de educação, passando pela arrogância e, em alguns casos, chega aos ilícitos civil e criminal.

  

II – ILÍCITOS COMETIDOS EM REUNIÕES

 

Os comportamentos ilícitos em reuniões de condomínio acontecem, muitas vezes, porque muitos condôminos entendem que a Assembleia (Ordinária ou Extraordinária), como órgão condominial, é geradora de efeitos jurídicos somente no que diz respeito às deliberações que constam na pauta (ordem do dia) e que, no restante do ato de reunião, o caráter informal prevalece e, portanto, podem dizer o que vier à sua mente e da forma como bem entenderem. Grande e perigoso equívoco.

A formalidade dos atos da assembleia condominial, saliente-se, inicia em sua convocação (Código Civil, artigo 1.350[1]) e só termina quando esta é registrada para que produza seus efeitos jurídicos.

Com isso, todas as manifestações realizadas pelos participantes da reunião, sejam elas por escrito ou verbais, têm consequências jurídicas que, dependendo, podem ocasionar consequências judiciais. Vejamos alguns exemplos:


a) MANIFESTAÇÕES POR ESCRITO: 

a.1. Dossiês, tanto elaborados por órgãos do Condomínio (Síndico, Conselho e Assembleia Geral) como elaborados por qualquer condômino sobre atos desses órgãos ou sobre outro condômino, funcionário ou prestador de serviços: se baseados em dados ou imagens falsas ou alterados, com conteúdo que omita a totalidade ou parte da verdade ou até um ilícito que sabidamente não foi cometido, ter-se-á os crime de falsidade ideológica (Código Penal, artigo 299[2]), calúnia (Código Penal, artigo 138[3]) e difamação (Código Penal, artigo 139[4]); 


a.2. Ocorrências policiais com imputações de crimes que não foram cometidos por determinada pessoa e/ou que sabidamente não existiram; aqui temos a denunciação caluniosa (Código Penal, artigo 339[5]) e a falsa comunicação de crime (Código Penal, artigo 340[6]),

 

 b) MANIFESTAÇÕES VERBAIS: essas são bem mais comuns, uma vez que debates acalorados quase sempre ocorrem pelos mais variados motivos (inconformidade com as propostas, decisões, grupos de oposição, etc.). Aqui, o que mais se verifica, além do equivocado sentimento de que "uns são mais donos que outros" e a falta de educação, são os crimes de calúnia e difamação;

 

c) AGRESSÕES FÍSICAS: essas são bem mais incomuns, raras eu diria, mas já se tem notícias de divergências terem saído do controle, acabando no crime de lesão corporal (Código Penal, artigo 129[7]); e que, dependendo do episódio pode ter como dano colateral o crime de dano ao patrimônio privado (Código Penal, artigo 163[8]).

 

Assim, ocorrendo tais ilícitos, o ofendido, seu representante ou qualquer outro participante da reunião pode fazer constar na ata da assembleia as ofensas e acusações falsas e, caso tenha documentos, solicitar uma cópia destes – que deverá ser fornecida – para que sejam utilizadas como prova em ações criminais e cíveis, esta última com caráter indenizatório, conforme estabelece o Código Civil (artigos 186[9] e 927[10]), bem como o amplo entendimento jurisprudencial:

 

"RESPONSABILIDADE CIVIL. OFENSAS VERBAS. ACUSAÇÃO DE DESVIO DE DINHEIRO DAS CONTAS DO CONDOMÍNIO. DANO MORAL. PROVA. A responsabilidade civil baseada no art. 186 do CC pressupõe a demonstração dos requisitos legais: ação ou omissão voluntária ou culposa, ilicitude, nexo de causalidade e dano. A ausência de quaisquer desses elementos afasta o dever de indenizar. A atribuição de responsabilidade civil deve estar baseada em elementos seguros e demonstrados nos autos. A violação do direito da personalidade, mediante agressão verbal, consistente na acusação de desvio de dinheiro das contas do condomínio perante terceiros, motiva a reparação do dano moral. O dano moral deve ser estabelecido com razoabilidade, de modo a servir de lenitivo ao sofrimento da vítima. Quantum mantido. Apelação não provida." (TJRS, Apelação Cível nº 70083632414, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Marcelo Cezar Muller, julgado em 05.03.2020). (Grifado)

  

III - CONCLUSÃO

  

Nas reuniões de condomínio – e nos demais atos da vida –, ater-se ao democrático debate de ideias (criticando e propondo), mantendo a postura educada e não acusando sem provas, não consiste somente em uma questão de se ter ou não educação e caráter, mas também de uma questão legal.

Assim, se os condôminos tiverem o entendimento de que se está participando de um ato formal com repercussões jurídicas e que se deve ter total atenção ao que acontece e ao que se diz, tanto para prevenir, como para se portar quando agredidos, provavelmente aqueles que pensam que tudo podem falar e fazer passem a refletir antes, pois, dependendo da maneira como agem, além de poder sair bem caro, pode também gerar um incômodo que não precisariam “comprar”.

Por isso, o autocontrole é fundamental nessas reuniões  nas quais, interesses patrimoniais e egos se fundem e podem gerar consequências muito prejudiciais a todos. Aliás, a necessidade de autocontrole numa vida em sociedade é tão antiga que a própria Bíblia muito bem ensina: “Todos tropeçamos de muitas maneiras. Se alguém não tropeça ao falar, tal homem é perfeito, sendo também capaz de dominar todo o seu corpo” (Tiago 3:2).

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] Código Civil, art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.

[2] Código Penal, art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

[3] Código Penal, art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

[4] Código Penal, art. 139. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

[5] Código Penal, art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente:

[6] Código Penal, art. 340. Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado:

[7] Código Penal, art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

[8] Código Penal, art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

[9] Código Civil, art. 186.  Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

[10] Código Civil, art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.


4 comentários:

  1. Parabéns pela postagem, Alexandre, tanto pelos aspectos legais invocados quanto por suas considerações finais. Confesso que só compareço a uma reunião de condomínio em casos excepcionais rss. Abraço.

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  2. Bom dia, Marilene.

    Que bom que gostaste da postagem. Reuniões de condomínio, sem dúvida, na vida condominial ainda se apresentam como momentos em que o autocontrole e empatia são colocados à prova, mas que muitas vezes caem nas armadilhas do próprio ego e acabam, além de cometendo ilícitos, gerando problemas para si mesmas.

    Abraço!

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  3. Normas que deveriam ser distribuídas pelos participantes, talvez se evitasse que essas reuniões sejam tão detestáveis...

    Dias bons e agradáveis, Alexandre. Beijos
    ~~~~~~

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  4. Boa tarde, cara Majo Dutra.

    Sem dúvida!! Que a razão sempre prevaleça!

    Abraço!

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