12 de setembro de 2021

CUIDADO: PODE NÃO SER “MIMIMI”, MAS UM ILÍCITO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Uma das características de qualquer sociedade é a constante transformação comportamental nos mais variados aspectos. Dentre essas mudanças ocorridas, uma delas diz respeito à forma de relacionar-se com as pessoas, com os grupos sociais, étnicos ou raciais, com os grupos políticos, com os segmentos profissionais, religiosos, dentre outros; sendo estabelecidos novos conceitos e limites no tratamento, bem como a não aceitação de certas piadas, “brincadeiras” ou antigas formas de tratamento. 

Obviamente, quando há mudanças no comportamento social, há uma divisão entre quem defende esse novo momento e outra parcela que se opõe a essa transformação, que no Brasil, atualmente costuma-se dizer que esse novo modo de se relacionar, esse novo cuidado no tratamento é “muito mimimi” ou “coisa de gente mimizenta”. 

Apesar dessa resistência à mudança de comportamento, o sistema jurídico brasileiro (legislação, doutrina e jurisprudência) tem adotado uma postura ainda mais firme sobre atos discriminatórios que ocorrem por meio de ofensas e/ou por meio de supostas “brincadeiras” ou piadas. E essa postura, aliás, que se verifica nos julgamentos pelo Poder Judiciário, sejam em ações trabalhistas, cíveis e penais. Um exemplo disso é o julgado do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26/DF[1], que equiparou as ofensas aos homossexuais, transgêneros e demais membros da comunidade LGBTI + aos crimes raciais.

É claro que para a configuração do ilícito de discriminação há de levar-se em conta uma série de aspectos, como, por exemplo, o local, o contexto do que é dito, o grau de relacionamento entre as pessoas, dentre outros. Um exemplo disso são os shows de stand up comedy: não se pode tomar como ofensa as piadas num show de humor e tampouco cerceá-las, pois além de realmente ser um exagero, seria como se voltássemos aos tempos da censura. Entretanto, há uma linha tênue entre essa liberdade artística e a ofensa. E essa avaliação, assim como todas as outras, é feita caso a caso, em razão de sua subjetividade e das provas existentes, o que é fundamental. 

Com isso, é fundamental atentar-se que quando se fazem “brincadeiras” ou se exteriorizam opiniões que podem configurar uma discriminação e, portanto, uma ofensa à personalidade, – direito protegido pela Constituição Federal –, considerar isso um “mimimi” é arriscar-se a ser processado, tendo em vista a mudança de entendimento sobre tal comportamento e suas repercussões jurídicas (trabalhistas, cíveis e criminais). Portanto, na dúvida, pense muito antes de dizer algo que possa soar discriminatório; se persistir a dúvida, mantenha-se em silêncio; silêncio esse que muitas vezes vale ouro, pois não gera estragos para quem fala e quem escuta.

 

 Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br




[1] STF, ADO 26/DF, Plenário, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 13.06.2019.

7 comentários:

  1. Caro Alexandre,
    Li atentamente este texto e, realmente, as intolerâncias sejam religiosas, politicas, étnicas, ou de gêneros, são motivadas devido ao desrespeito aos direitos fundamentais das pessoas, de poder manter suas opiniões e crenças dentro de um contexto social igualitário.
    Podemos considerar como atos intolerantes, as ofensas insultuosas recebidas também na Web, vindas de pessoas que se camuflam atrás de “avatares”.
    Entender o que motiva a intolerância e como ela apareceu na sociedade, é o caminho correto de extirpamos esta “bolha da irracionalidade” dos nossos dias.
    Porém, nobre amigo, crer que somente leis e noções de razão e sabedoria são capazes de suscitar bons valores aos intransigentes sociais, é beber da “enganosa água da utopia”.
    Abraços e boa semana!!!

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  2. Caríssimo, Douglas, bom dia! Como vai o amigo?

    Primeiramente, fico feliz que continues a ler minhas postagens. Meu caro, concordo com o que observaste! Realmente as leis e entendimentos jurisprudenciais não susictam os bons valores aos intransigentes sociais. Todavia, como elas decorrem dessa mudança de valores, quando há resistência à tais mudanças são essas leis e o Poder Judiciário que servem de freio à continuidade de comportamentos que passaram a ser reprováveis pela própria sociedade.

    Portanto, creio que é um conjunto de fatores que pode nos levar a uma certa evolução.

    Forte abraço!!

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  3. Nunca tinha pensado na dificuldade em fazer cumprir a lei, distinguindo o 'mimimi' de ofensa real...
    Como sempre, gostei muito de o ler, Alexandre. Beijinho.
    ~~~~~~~

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    1. Caríssima Majo Dutra, há quanto tempo!!

      Que bom que gostaste do artigo! A dificuldade inicial, entendo ser comportamental, ou seja, parece que perdemos a temperânça e, portanto, o senso de avaliação: viramos uma sociedade (mundial) de extremos.

      Assim, entendo ser absolutamente necessário que os meios institucionais coloquem um freio no extremismo, principalmente quando os alvos do desrespeito e discriminações são as parcelas mais frágeis da população. Todavia, sempre há de se cuidar para que essa proteção não seja utilizada de forma inadequada.

      Grande abraço!

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  4. A Majo alertou-me, conheço virtualmente os pais, e aqui estou a visitar.
    Ambos juristas, sabemos que o abuso do direito é sempre punível.
    Difícil de estabelecer, mas sempre punível.
    Não só pela sociedade mas também pela lei.
    A intolerância, seja ela qual for, será na maioria das vezes o supremo acto de abuso de direito(s).
    Um abraço desde Macau

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  5. Caro Pedro Coimbra, que satisfação um leitor de tão longe!!

    A Majo é uma leitora muita querida e com frequência me brinda com seus comentários.

    Quanto aos meus pais, fico contente que eles tenham amigos de terras tão distantes, feitos por meio do que eles escrevem.

    Já em relação ao abuso do direito, concordo plenamente com o que disseste. Quando usamos a liberdade de expressão de forma abusiva a causar danos aos outros, é sinal de que os limites morais estabelecidos pela sociedade não foram suficientes para fazer o agressor entender a necessidade de respeito aos demais; sendo necessária a imposição das sanções legais.

    Grande abraço, aqui de Porto Alegre.

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