30 de agosto de 2020

A PROVA NA RELAÇÃO DE CONSUMO





Alexandre Luso de Carvalho


I - INTRODUÇÃO

Não é novidade que as relações de consumo frequentemente são resolvidas pelo Poder Judiciário, uma vez que ainda faz parte da cultura brasileira a deficiência nas práticas produtivas, comerciais e nas prestações de serviços, tanto em seus objetos principais, como na falta de informações claras e completas e de suportes eficazes aos consumidores.

Infelizmente, sequer a médio prazo vislumbro mudança nessa realidade, já que a cada ano o Poder Judiciário é “inundado” por ações referentes às relações de consumo. E é a partir disso que abordo, neste artigo, um aspecto fundamental quando essa relação de consumo resulta em processo judicial: a prova daquilo que se alega.


II – DA PROVA PELO CONSUMIDOR

Quanto ao consumidor, parte mais vulnerável da relação de consumo, apesar de o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso VIII[1], estabelecer a inversão do ônus da prova, ou seja, a obrigação de provar se houve ou não lesão a qualquer direito do consumidor passa desse para o produtor/comerciante/empresa prestadora de serviços. Todavia, tal inversão não é automática. Ela ocorre após a análise do juiz, que verificará:

a) se a narrativa do consumidor se mostra confiável (verossímil);

b) se o consumidor, pela característica da relação de consumo, objeto do caso a ser julgado, não tiver a possibilidade de provar a lesão ao seu direito (hipossuficiência de provar o alegado).

Caso o juiz não verifique a existência de ao menos um desses requisitos acima, daí será observada a regra do Código de Processo Civil, que em seu artigo 373, inciso I[2] determina o ônus da prova a quem fizer a alegação.

Portanto, é prudente que o consumidor, mesmo havendo a grande possibilidade de ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, adote certas práticas no sentido de facilitar a prova da lesão aos seus direitos. Vejamos algumas dessas práticas a serem adotadas:

a) guardar o encarte com as ofertas – se em caso de oferta pela internet, salvar ou imprimir a página – para que seja vendido exatamente aquilo que foi anunciado;

b) nunca se desfazer da nota ou cupom fiscal até que finde o prazo para troca e/ou garantia do produto ou serviço, bem como qualquer outro documento ou declaração vinculada à relação de consumo, por mais inútil que pareça;

c) em caso de problemas no produto ou serviço e necessidade de suporte:

c.1. via call center: anotar o protocolo com a data, horário e nome atendente, bem como do pedido e da solução prometida. Caso a empresa não forneça número de protocolo – algumas não fornecem – solicitar a gravação da conversa ou gravar a conversa é uma alternativa. As ligações devem ser feitas quantas vezes for necessário até que se resolva o problema ou se conclua que a solução é através do Poder Judiciário;

c.2. em caso de atendimento via site ou Whatsapp, salvar a página e/ou fazer um print screen das telas de atendimento para provar tal solicitação;

c.3. em caso de atendimento presencial (na loja ou empresa), jamais deixar qualquer comprovante original de compra no local. Se houver qualquer negativa de troca, num primeiro momento, voltar ao estabelecimento com uma testemunha.
  
Com tais cautelas, se houver problemas na aquisição de produtos ou de empresas prestadoras de serviços, a prova em Juízo acerca do desrespeito ao direito do consumidor ficará mais evidente e facilitará a decisão para a consequente reparação.

Importante deixar claro ao consumidor sobre um aspecto fundamental e que pode gerar uma expectativa, nem sempre é satisfeita quando do ajuizamento de ações judiciais: nem todo o descumprimento das obrigações decorrentes das relações de consumo são passíveis de indenização por dano moral. Por vezes, só haverá a condenação da empresa ao cumprimento dessa obrigação contratual ou ao dano material. Assim, a possibilidade dos danos material e/ou moral é verificada caso a caso pelo Poder Judiciário, mas cabendo ao advogado esclarecer sobre a real possibilidade de êxito em cada um dos pleitos.


III – DA PROVA PELA EMPRESA

Sendo a empresa a parte mais poderosa da relação de consumo, cabe a ela adotar práticas cotidianas de respeito ao consumidor. Essas práticas, saliente-se, servem para resguardar a própria empresa, uma vez que sua responsabilidade pelos prejuízos causados é objetiva, isto é, independe de culpa, conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 14[3].

Em razão dessa responsabilidade objetiva que propicia, na maioria dos casos, a inversão do ônus da prova, entendo ser imprescindível que a empresa tome as seguintes providências, sempre sob a perspectiva jurídica (Código de Defesa do Consumidor e entendimento dos Tribunais):

a)   elaboração de protocolos de ações internas, abrangendo todos os setores e etapas de produção, venda ou prestação de serviços;

b) treinamento da equipe de funcionários, no sentido de observarem quais os deveres da empresa diante do consumidor;

c) informações claras aos consumidores acerca das políticas da empresa quanto às relações de consumo;

d) criar um canal eficiente de suporte ao consumidor no qual fique provado que o atendimento realmente buscou tirar as dúvidas e solucionar qualquer problema ocorrido, e não apenas atendeu o cliente de maneira superficial e evasiva. Esse suporte, saliente-se, independe do tamanho da empresa.

Com tais práticas, mesmo com a inversão do ônus da prova fica mais fácil de a empresa:

a) provar que tomou todas as providências para não causar lesão aos direitos do consumidor;

b) provar que, no caso específico, não é a responsável pelo fato (defeito do produto/serviço), conforme estabelece o Código de Processo Civil (artigo 373, inciso II[4]);

c) se não conseguir a isenção total da responsabilidade, ao menos ficará provado que não houve má-fé e/ou omissão da empresa, o que pode influenciar na sentença.


III - CONCLUSÃO

Para concluir, sobre as provas a serem realizadas por ambas as partes da relação de consumo quanto aos seus direitos, o que verificamos é que a palavra de ordem é PREVENÇÃO: a empresa deve prevenir-se através de medidas que não causem lesão ao consumidor e provar que suas ações obedecem ao Código de Defesa do Consumidor e as boas práticas de consumo. Já o consumidor, deve adotar as cautelas e medidas para pleitear, sempre de forma fundamentada e alicerçada, extrajudicialmente e/ou judicialmente seus direitos.


Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808



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[1] Código de Defesa do Consumidor, Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

[2] Código de Processo Civil, Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

[3] Código de Defesa do Consumidor, art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

[4] Código de Processo Civil. Art. 373. O ônus da prova incumbe: (...) II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

23 de agosto de 2020

LEITURA POR ESTIMATIVA EM CONTAS DURANTE A PANDEMIA






Alexandre Luso de Carvalho

Durante a pandemia em que vivemos, tem sido frequente, e até fácil de se entender e aceitar, que em alguns casos, as empresas prestadoras de serviço de energia elétrica, gás, água, dentre outras que necessitem da leitura dos consumos mensais nos locais em que esses ocorram, no sentido de preservarem seus funcionários que realizam essas tarefas, fizessem a cobrança pelo consumo por meio de cálculo estimativo e não por leitura local.

Tal método de aferição de consumo, frise-se, pode ser feito pelo período de até três meses consecutivos, mas deve (ou deveria) ser previamente comunicado ao consumidor e contendo o máximo de informações, seguindo o que estabelece os princípios contidos no Código de Defesa do Consumidor.

A partir desse dever de ampla informação por parte das empresas prestadoras de serviços, particularmente, entendo que nessas comunicações prévias seria necessário constar:

a) em qual o período ocorrerá a leitura por estimativa;

b) quais os critérios do cálculo de consumo por estimativa e qual a sua fórmula para chegar ao valor cobrado;

c) se há forma especial de pagamento em razão da leitura por estimativa e quais as opções oferecidas, detalhando-a.

Todavia, muitas vezes, o que se verifica é que além de as empresas não fazerem questão de informar de forma completa e de fácil compreensão – deixam dúvidas ao consumidor e dificultam que este verifique se a estimativa confere ou é a mais próxima da realidade –, não disponibilizam canais de contato realmente eficientes para atender os seus clientes, uma vez que seus atendentes têm somente as evasivas respostas contidas nos manuais.

Outro aspecto que se deve prestar atenção é na média histórica dos últimos doze (12) meses. Ou seja, se apesar da pandemia, nesse ano de 2020 os hábitos de consumo se mantiveram iguais ao mesmo período de 2019, a estimativa de consumo deste ano não pode ter uma grande variação – e  isso, pelo visto, as empresas podem estar desconsiderando. Se tal hipótese ocorrer, há algo a ser investigado quanto ao equipamento de medição do consumidor e quanto ao cálculo da prestadora de serviços. Entretanto, é importante salientar: deve ser verificado se houve aumento exagerado de consumo em relação a 2019 (se os hábitos não mudaram) e não do valor da conta, pois, tivemos reajustes nos valores no período de doze (12) meses.

A partir disso, caso se verifique uma estimativa de consumo excessivo devem ser tomadas todas as medidas administrativas junto às empresas prestadoras de serviços e suas agências reguladoras, bem como junto ao PROCON, no sentido de serem sanadas as dúvidas e discrepâncias entre a realidade do consumo e o cálculo estimativo da empresa.

Não obtendo êxito nessas medidas extrajudiciais, caso se tenha provas ou fortes indícios de que houve cobrança excessiva em razão de cálculo não condizente com a realidade do consumo, ainda é possível buscar o Poder Judiciário para que seja feito o refaturamento das contas e os valores pagos a maior sejam devolvidos, lembrando que, segundo estabelece o Código de Defesa do Consumidor (art. 42, parágrafo único[1]), a devolução é em dobro.

Portanto, resumindo:

a) as empresas prestadoras de serviço devem prestar todas as informações ao consumidor (antes, durante e depois da cobrança por estimativa);

b) o consumidor deve ficar atento às contas para que não lhe seja cobrado nada além do que consumiu ou, no caso de cálculo por estimativa, nada além do que seria razoável cobrar, a partir da média histórica, sempre levando em conta se os hábitos de consumo mudaram ou não em razão da pandemia e o quanto mudaram;

c) se a estimativa do consumo estiver correta, o consumidor deve buscar uma forma diferenciada e sem ônus adicionais para o pagamento, uma vez que a cobrança e seu valor, geralmente acumulada do período de três (03) meses, foge à normalidade do contrato inicial;

d) se a estimativa e a cobrança estiverem excessivas, primeiramente, o consumidor deve buscar o ressarcimento no âmbito administrativo, não esquecendo de fazer prova de tudo o que foi pedido, bem como dos atendimentos. Caso não tenha êxito, o pleito deve ser feito perante o Poder Judiciário, se entender que entre os custos do processo e o valor a ser devolvido, o resultado financeiro lhe é benéfico, ressaltando que há possibilidade de mais de um consumidor ingressarem juntos na mesma ação judicial;


Alexandre Luso de Carvalho
OAB/RS nº 44.808



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[1] Código de Defesa do Consumidor. Art. 42. (...). Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

15 de agosto de 2020

A PENSÃO DE ALIMENTOS DURANTE A PANDEMIA





Alexandre Luso de Carvalho



A pensão de alimentos, por si só, já é um tema delicado, pois envolve as necessidades materiais de quem recebe os alimentos (alimentando), a possibilidade de quem fornece os alimentos (alimentante) e, não raro, o descumprimento dessa obrigação, acarretando as ações de execução de alimentos e todas as suas consequências legais.

Porém, em 2020, um ingrediente novo surgiu nessa já, por vezes, tempestuosa relação: a pandemia de Covid-19 e uma de suas óbvias consequências econômicas, qual seja, o empobrecimento da população.

Ocorre, que apesar desse empobrecimento da população e da dificuldade/impossibilidade de se cumprir com suas obrigações financeiras, não há dispositivo legal e tampouco entendimento jurisprudencial que suspenda a obrigação de prestar alimentos em razão da pandemia. Portanto, em caso de não pagamento da pensão de alimentos, o alimentante (devedor) continuará sujeito à:

a) prisão civil, em regime fechado, de um (01) a três (03) meses, a ser cumprido em separado dos presos comuns;

b) expropriação de seus bens.

Importante salientar que antes da prisão civil e/ou da expropriação de bens é oportunizado ao devedor justificar – provando – a sua impossibilidade de cumprir com a obrigação alimentícia. Todavia, se não conseguir estará sujeito às punições já mencionadas acima.

No entanto, diante da excepcional condição em que nos encontramos, quanto a prisão civil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento ocorrido em 25.03.2020, estendeu a todos presos por pensão alimentícia do Brasil, o cumprimento da pena em prisão domiciliar[1], seguindo a Recomendação nº 62, de 17.03.2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que e válida até setembro 2020, conforme transcrição abaixo:

Art. 6º. Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.

Aqui, vale frisar que apesar dessa recomendação do CNJ (de prisão domiciliar) – que norteia as decisões dos tribunais – também há casos de suspensão das execuções de prisões civis por falta de pagamento de pensão de alimentos. Ou seja, não há um “terreno firme a se pisar” sobre tal tema, uma vez que é algo extremamente novo.

Destaque-se que, conforme estabelece o Código de Processo Civil[2], mesmo com o cumprimento da pena de prisão, a dívida alimentícia persiste referente aos meses vencidos e vincendos.

Já no que diz respeito à expropriação de bens, o processo prosseguirá, observando que determinados atos que envolvam o cumprimento pessoal pelos servidores do Poder Judiciário estarão condicionados às definições de cada Tribunal e ao prudente arbítrio do Magistrado, caso a caso, levando em conta, também, os protocolos sanitários do Estado ou Município.

Entretanto, diante dessa série de recomendações, resoluções e entendimentos jurisprudenciais precocemente inovadores, há necessidade de tanto o alimentando (quem recebe os alimentos) como o alimentante (que fornece os alimentos) estarem sempre atentos aos direitos e deveres decorrentes desta obrigação. O que é absolutamente certo, ressalte-se, é que os alimentos não podem deixar de serem pagos.

  
Alexandre Luso de Carvalho
OAB/RS nº 44.808



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[1] Fonte: site do STJ (link 1)

[2] CPC, art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 5º O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas.

10 de agosto de 2020

O AUXÍLIO AO SETOR AÉREO E SUAS REPERCUSSÕES AO CONSUMIDOR






Alexandre Luso de Carvalho


Foi sancionada em 05.08.2020 o projeto de lei, originário da Medida Provisória nº 925/2020, que dispõe sobre providências e medidas emergenciais para auxílio ao setor da aviação civil em razão da pandemia da Covid-19. É a Lei nº 14.034/2020.

Essa lei estabelece alguns pontos em relação aos contratos de concessão de aeroportos (art. 2º) com o Governo Federal, mas em sua maioria, mesmo que temporariamente, altera a relação entre empresas aéreas e o consumidor final. Vejamos o que mais me chamou a atenção nessas alterações:

a)   Em caso de CANCELAMENTO DO VOO, o consumidor terá direito:

a.1. ao reembolso do valor da passagem aérea por cancelamento de voo entre 19.03.2020 a 31.12.2020, que será realizado pelo transportador no prazo de 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado, atualizado com base no INPC e, quando cabível, a prestação de assistência material, nos termos da regulamentação vigente (artigo 3º);

a.2. a optar em “receber crédito de valor maior ou igual ao da passagem aérea, a ser utilizado, em nome próprio ou de terceiro, para a aquisição de produtos ou serviços oferecidos pelo transportador, em até 18 (dezoito) meses, contados de seu recebimento”(parágrafo 1º do artigo 3º);

a.3. sempre que possível, como alternativa ao reembolso, as opções de reacomodação em outro voo, próprio ou de terceiro, e de remarcação da passagem aérea, sem ônus, mantidas as condições aplicáveis ao serviço contratado” (parágrafo 2º do artigo 3º);

a.4. a receber o crédito da passagem no prazo de 7 (sete) dias, contado da solicitação pelo passageiro (parágrafo 4º do artigo 3º);

a.5.Em caso de cancelamento do voo, o transportador, por solicitação do consumidor, deve adotar as providências necessárias perante a instituição emissora do cartão de crédito ou de outros instrumentos de pagamento utilizados para aquisição do bilhete de passagem, com vistas à imediata interrupção da cobrança de eventuais parcelas que ainda não tenham sido debitadas, sem prejuízo da restituição de valores já pagos (...)” (parágrafo 8º do artigo 3º);

a.6. O reembolso dos valores referentes às tarifas aeroportuárias ou de outros valores devidos a entes governamentais, pagos pelo adquirente da passagem e arrecadados por intermédio do transportador, deverá ser realizado em até 7 (sete) dias, contados da solicitação, salvo se, por opção do consumidor, a restituição for feita mediante crédito, o qual poderá ser utilizado na forma do § 1º deste artigo(parágrafo 9º do artigo 3º).


b)  Em caso de DESISTÊNCIA DO VOO pelo consumidor, entre 19.03.2020 a 31.12.2020:

b.1. o consumidor poderá receber reembolso no prazo de 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado, atualizado pelo INPC, sujeito ao pagamento de eventuais penalidades contratuais;

b.2. o consumidor pode, também, optar por receber o crédito de valor correspondente ao da passagem aérea, isento de quaisquer penalidades contratuais, o qual poderá ser utilizado na forma do parágrafo 1º do artigo 3º (parágrafo 3º do artigo 3º);

b.3. o disposto no parágrafo 3º[1] do artigo 3º não se aplica ao consumidor que desistir da passagem aérea adquirida com antecedência igual ou superior a 7 (sete) dias à data de embarque, desde que o faça no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, contado do recebimento do comprovante de aquisição do bilhete de passagem, caso em que prevalecerá o disposto nas condições gerais aplicáveis ao transporte aéreo regular de passageiros, doméstico e internacional, estabelecidas em ato normativo da autoridade de aviação civil (parágrafo 6º do artigo 3º);


Importante destacar, também, que as hipóteses mencionadas acima, aplicam-se também em duas situações muito comuns de acontecer, previstas nos artigos 230 e 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica[2] (parágrafo 5º do artigo 3º), quais sejam:

a) atraso da partida por mais de quatro horas;

b)  quando o transporte sofrer interrupção ou atraso em aeroporto de escala por período superior a quatro horas, qualquer que seja o motivo;

Outro aspecto importante quanto ao reembolso ou ao recebimento do crédito, reacomodação ou à remarcação “independe do meio de pagamento utilizado para a compra da passagem, que pode ter sido efetuada em pecúnia, crédito, pontos ou milhas” (parágrafo 7º do artigo 3º).

Além das alterações acima mencionada, a Lei nº 14.034/2020 alterou vários dispositivos do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86), passando, no que diz respeito às relações de consumo, a começar pela inclusão do artigo 251-A, que estabelece o seguinte:

Art. 251-A. A indenização por dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga.

Esse artigo 251-A, condiciona a indenização por dano extrapatrimonial (dano moral) por falha na prestação do serviço à prova feita pelo consumidor. Tal alteração é muito significativa quanto aos processos envolvendo as relações de consumo e, uma vez que a responsabilidade do transportador é objetiva, isto é, independe da existência de culpa e o dano moral é presumido (in re ipsa), bastando provar a existência do fato lesivo ao direito do consumidor (relação de causa e efeito), conforme pode ser visto pela jurisprudência:

RECURSO INOMINADO. TRANSPORTE AÉREO. ATRASO DE VOO. PERDA DA CONEXÃO. AUSÊNCIA DE REACOMODAÇÃO DOS PASSAGEIROS EM OUTRO VOO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL CONFIGURADO IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. JUROS DEMORA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO, POR SE TRATAR DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
(TJMT, RI nº 10017040320198110028, Turma Recursal Única, Rel. Juiz Gonçalo Antunes de Barros Neto, julgado em 16.07.2020)


APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TRANSPORTE AÉREO NACIONAL DE PASSAGEIRO. ATRASO DO VOO EM APROXIMADAMENTE 13 (TREZE) HORAS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA RÉ. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM DEBEATUR. A especial circunstância da Autora ter sido vítima de falha na prestação dos serviços contratados no que tange ao atraso do voo em aproximadamente 13 (treze) horas, implica na necessidade ser atendida a pretensão de fixação do valor indenizatório em R$15.000,00 (quinze mil reais), por força dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Sentença reformada. Recurso provido.
(TJSP, AC nº 10200826520198260003, 38º Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Eduardo Siqueira, julgado em 26.05.2020)


Portanto, a meu ver, o que se verifica no artigo 251-A do Código Brasileiro de Aeronáutica é uma lesão aos direitos do consumidor, dificultando sua busca por reparações à rotineira má-prestação de serviços das empresas aéreas, até porque afronta de modo explícito vários princípios estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor.

Ainda sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica, outra alteração chamou-me atenção, dessa vez benéfica ao consumidor. Foi a inclusão do parágrafo 4º, do artigo 256, que assim dispõe:

Art. 256. O transportador responde pelo dano decorrente:
§ 1° O transportador não será responsável:
(...)
II - no caso do inciso II do caput deste artigo, se comprovar que, por motivo de caso fortuito ou de força maior, foi impossível adotar medidas necessárias, suficientes e adequadas para evitar o dano.
(...)
§ 4º A previsão constante do inciso II do § 1º deste artigo não desobriga o transportador de oferecer assistência material ao passageiro, bem como de oferecer as alternativas de reembolso do valor pago pela passagem e por eventuais serviços acessórios ao contrato de transporte, de reacomodação ou de reexecução do serviço por outra modalidade de transporte, inclusive nas hipóteses de atraso e de interrupção do voo por período superior a 4 (quatro) horas de que tratam os arts. 230 e 231 desta Lei.


Isto é, apesar de não ser responsabilizado pelo atraso em caso fortuito ou de força maior – e de impossível solução – a lei não desobrigou as empresas aéreas de minimizar os danos com o atraso no voo.

Outras alterações na mencionada lei foram promovidas, mas sem maiores impactos nos direitos dos consumidores e se mostraram bastante razoáveis, não merecendo uma análise específica, como foram feitas nos artigos 251-A e 256, parágrafo 4º.

Com isso, no louvável sentido de auxiliar o setor aéreo, que sofre de maneira muito severa com a pandemia de Covid-19, o Governo Federal, por meio da a Lei nº 14.034/2020, a meu ver errou, no entanto, ao suprimir direitos importantes do consumidor – parte mais frágil da relação com as empresas aéreas, mesmo que isso contrarie o próprio Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, em razão de estarmos diante de dispositivos que se mostram antagônicos sobre um determinado aspecto (necessidade da prova da lesão ao direito), em caso de desrespeito ao direito do consumidor, há de analisar-se o caso e a documentação – que deve sempre ser guardada pelo consumidor, até pela insegurança legal promovida pela Lei nº 14.034/2020 – para buscar-se o devido ressarcimento, se for o caso.

Alexandre Luso de Carvalho
OAB/RS nº 44.808





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[1] Lei nº 14.034/2020. Art. 3º (...) § 3º.  O consumidor que desistir de voo com data de início no período entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020 poderá optar por receber reembolso, na forma e no prazo previstos no caput deste artigo, sujeito ao pagamento de eventuais penalidades contratuais, ou por obter crédito de valor correspondente ao da passagem aérea, sem incidência de quaisquer penalidades contratuais, o qual poderá ser utilizado na forma do § 1º deste artigo.

[2] Código Brasileiro de Aeronáutica:

Art. 230. Em caso de atraso da partida por mais de quatro horas, a transportador providenciará o embarque do passageiro, em voo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituirá, de imediato, se o passageiro o preferir, o valor do bilhete de passagem.

Art. 231. Quando o transporte sofrer interrupção ou atraso em aeroporto de escala por período superior a quatro horas, qualquer que seja o motivo, o passageiro poderá optar pelo endosso do bilhete de passagem ou pela imediata devolução do preço.

1 de agosto de 2020

ALGUNS PAGAMENTOS LEGAIS SUSPENSOS DURANTE A PANDEMIA







Alexandre Luso de Carvalho


Conforme foi dito no artigo passado (Pagamentos de Financiamentos Durante a Pandemia), postado em 26.07.2020, em razão dos impactos econômicos causados pela pandemia de coronavírus, foi necessária a adoção de várias medidas para minimizar os prejuízos às pessoas físicas e jurídicas.

Dentre tais medidas, é importante salientar a suspensão de pagamentos das mais diversas obrigações legais. Aqui, enumero alguns:

a)   para as PESSOAS JURÍDICAS[1], uma série de pagamentos foram suspensos :

a.1. adiamento da contribuição patronal junto ao INSS[2], COFINS, PIS e PASEP;

a.2. adiamento da Declaração de Débitos e Créditos Tributários e Federais (DCTF) do 15º dia útil de abril, maio e junho para o 15º dia útil de julho;

a.3. parcelamento, em até 12 vezes, de multas administrativas aplicadas a fornecedores do Governo Federal, conforme Instrução Normativa nº 43[3];

a.4. suspensão da cobrança do IOF por 180 dias para empréstimos. A medida acabaria em junho, mas foi prorrogada por mais 90 dias, isto é, até 02.10.2020;

a.5. em especial, para as micro e pequenas empresas: o adiamento por seis meses, da parte federal do Simples Nacional (os pagamentos de abril, maio e junho passaram para outubro, novembro e dezembro); por três meses da parte estadual do Simples  Nacional. Já os pagamentos do ICMS pertencentes aos estados e ISS dos municípios, de abril, maio e junho; passaram para julho, agosto e setembro. Por fim, as micro e pequenas empresas não serão excluídas do Simples Nacional em 2020;

a.5. para os microempreendedores individuais (MEI): o adiamento das parcelas dos tributos do Simples Nacional por seis meses (os pagamentos de abril maio e junho passaram para outubro, novembro e dezembro), tanto para a parte federal, como o INSS (estadual) e ISS (municipal). Também, os microempreendedores individuais inadimplentes não serão excluídos do Simples Nacional em 2020 (vide Resolução 154 do Comitê Gestor do Simples Nacional[4]).


b)  para as PESSOAS FÍSICAS: para as pessoas físicas, também, uma série de medidas foram adotadas:

b.1. suspensão da IOF por 180 dias para empréstimos. A medida acabaria em junho, mas foi prorrogada por mais 90 dias, isto é, até 02.10.2020;

b.2. suspensão, até 31.07.2020, de procedimentos de cobrança e intimação pela Receita Federal;

b.3. suspensão das prestações dos programas de parcelamentos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), com vencimentos em maio, junho e julho de 2020;

Importante, também, é que devido às especificidades de cada pessoa física e de cada pessoa jurídica, bem como às atualizações legislativas que ocorrerão por ainda estarem em tramitação, faz-se necessária a análise detalhada de cada caso no sentido de saber se há possibilidade de o interessado estar incluso em alguns dessas suspensões e como devem fazê-lo.


 Alexandre Luso de Carvalho
OAB/RS nº 44.808



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[1] Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br (link 1)

[2] Portarias 139/2020 e 245/2020 do Ministério da Economia;

[3] Fonte: www.in.gov.br (link 2)

[4] Fonte: www.in.gov.br (link 3)