18 de julho de 2020

O DIREITO DE “IR E VIR” DURANTE A PANDEMIA




                   Alexandre Luso de Carvalho

Volta e meia assistimos nos noticiários ou nas redes sociais as pessoas bradando que seu direito constitucional de “ir e vir” está sendo violado pelas autoridades, em razão das medidas de restrições sanitárias, principalmente nas cidades em que foram adotados o lockdown.

Está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

Os direitos de “ir e vir” e de “ficar”, saliente-se, já vêm de outras Constituições, que, conforme ensinamento do jurista SAMPAIO DÓRIA, tal princípio significa que (sic) “podem todos locomover-se livremente nas ruas, nas praças, nos lugares públicos, sem temor de serem privados de sua liberdade de locomoção”[1].

Entretanto, assim como o regramento constitucional preserva o direito individual do cidadão, este é limitado por outros direitos e garantias fundamentais previstos na própria Constituição – Princípio da Convivência da Liberdades Públicas – que dentre eles, destaco o direito à saúde, conforme disposto no artigo 6º da Constituição Federal[2], constante no Capítulo dos “Direitos Sociais” (Capítulo II, do Título II), a serem promovidos pelo Estado, no sentido de proteger a população e em especial as camadas mais vulneráveis.

Assim, tentando simplificar, ainda mais em se tratando de Direito Constitucional, a partir do momento em que o Estado tem a obrigação de promover políticas e ações para proteger os direitos sociais da população, pode-se, então, fazer uma leitura mais clara e correta acerca das medidas que estão sendo tomadas, por meio dos decretos estaduais e municipais, no sentido de estabelecerem regras de restrições sanitárias, uma vez que a infraestrutura hospitalar pública e privada não estavam (e não estão) preparadas para a pandemia do coronavírus.

Importante aqui salientar que as ações tomadas pelos estados e municípios só iniciaram a partir da decretação do estado de calamidade pública, por meio do Decreto Legislativo nº 06, de 20.03.2020, pelo Congresso Nacional, e que permite uma série de medidas em caráter excepcional. Medidas excepcionais, mas que não afrontam os dispositivos constitucionais, diga-se.

Todavia, já escutei comentários informais, tentando aproximar as medidas de restrições sanitárias das semelhantes às de um “estado de defesa” ou “estado de sítio” e que, portanto, teriam sido impostas de forma abusiva por prefeitos e governadores, pois, afrontariam as garantias constitucionais individuais. O equívoco de tal linha de raciocínio é evidente, uma vez que as próprias conceituações legais deixam bem claras as diferenças entre essas medidas. Veja-se:

a)   Situação de Emergência: é a situação anormal, causada por desastres, implicando danos e prejuízos que comprometam PARCIALMENTE a capacidade de resposta do ente público atingido (Decreto nº 7.257/2010[3], artigo 2º, inciso III);

b)  Estado de Calamidade Pública: é a situação anormal, causada por desastres, implicando danos e prejuízos que comprometam SUBSTANCIALMENTE a capacidade de resposta do ente público atingido (Decreto nº 7.257/2010, artigo 2º, inciso IV);

c)   Estado de Defesa: é a medida tomada pelo Presidente da República, por meio de decreto, “para preservar ou restabelecer, em locais restritos ou determinados, a ordem pública e paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza” (Constituição Federal, artigo, 136[4]);

d)  Estado de Sítio[5]: é a medida tomada pelo Presidente da República, por meio de decreto, mediante autorização do Congresso Nacional, nos casos de:

d.1. "comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa";

d.2. "declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira";

                          Assim, sobre as restrições causadas pelo coronavírus no direito de “ir e vir”, ou melhor dizendo, de acesso da população a certos locais, destaco o entendimento de RODRIGO BRANDÃO, Professor de Direito Constitucional da UERJ e Procurador do Município do Rio de Janeiro, em seu artigo “Coronavírus, estado de exceção sanitária e restrições a direitos fundamentais[6]:

"Desse modo, a crise do coronavírus não implica a suspensão da aplicação do Direito, mas maior tolerância à restrição de determinados princípios jurídicos desde que tais medidas sejam autorizadas pela ordem jurídica brasileira e se revelem absolutamente necessárias à restauração da normalidade"

 Com isso, quando ouvirmos alguém vociferar que seu direito constitucional de “ir e vir” está sendo violado porque não pode ter acesso a um parque, por exemplo, há de se ter cautela com tal irresignação, pois é necessário verificarmos os demais princípios constitucionais envolvidos, principalmente os coletivos para vermos se ações que os entes estatais adotam, encontram amparo legal, em especial no dever de assim agirem para a defesa da população. Portanto, no momento, não vejo nenhuma agressão aos direitos individuais do cidadão, previstos na Constituição Federal.


Alexandre Luso de Carvalho
OAB/RS nº 44.808





Referências bibliográficas e legislativas

[1] SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto, Direito Constitucional: comentários à Constituição de 1946, 2ª edição, vol. IV, São Paulo, 1960, p. 651

[2] CF/88, Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[3] Decreto nº 7.257/2010: Regulamenta a Medida Provisória no 494/2010, para dispor sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil - SINDEC, sobre o reconhecimento de situação de emergência e estado de calamidade pública, sobre as transferências de recursos para ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e reconstrução nas áreas atingidas por desastre, e dá outras providências.

[4] CF/88, Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

[5] CF/88, Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

            





6 comentários:

  1. Oi, Alexandre,
    Temos o direito de ir e vir quando esse direito não atinge outras pessoas sem proteção. A vontade das autoridades públicas (Presidente da República, os governadores dos Estados e os prefeitos municipais), vêm em favor do povo brasileiro, pois se faz necessário o isolamento social para evitar a propagação do coronavírus. No meu entender essas autoridades agiram com correção, tendo em vista que se trata de um caso excepcional. Essa pandemia é novidade para todas as pessoas que vivem no Brasil (e no mundo). Devemos ajudar as autoridades a manterem a quarentena até que venha remédio eficaz para o tratamento da doença e, principalmente, uma vacina para imunizar a população.
    Gostei muito, Beijo, filho!

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  2. Oi mãe. Bom dia!

    Que bom que gostaste do artigo. Realmente, o direito individual de "ir e vir" deve ser relativizado em razão de todos os direitos coletivos e, nesse caso, o direito à saúde, cuja promoção é um DEVER do Estado.

    Beijo!

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  3. Este artigo jurídico diz bem da responsabilidade e do espírito solidário do advogado ao abordar a perda temporária da liberdade de locomoção durante o tempo em que os brasileiros devem obedecer as regras editadas pelas autoridades, tanto da União como dos Estados e dos Municípios, para que todos fiquem atentos às restrições durante o período da pandemia, regras que são pela excepcionalidade em razão do Covid-19.
    Parabéns Alexandre pelo excelente trabalho.
    Um abraço.

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  4. Oi pai.

    Pois é. São regras excepcionais para um momento excepcional e que, portanto, devem assim serem analisadas. O problema é que esse tipo de leitura não está sendo feita.

    Que bom que gostaste do artigo.

    Abraço!

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  5. Costuma-se dizer e, com muita assertividade, que a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros e isso acontece também com esse nosso direito de" ir e vir " . Temos todo o direito de fazer o que quisermos com a nossa vida, mas, temos de ter em conta a vida dos outros, por isso , a nossa liberdade nunca é total. Se o nosso " ir e vir " está prejudicando a SAÚDE, a harmonia, a segurança na sociedade onde estamos inseridos, claro, que devemos ser " travados " pelas autoridades, usando os meios que acharem mais eficazes para o caso. É impressionante a forma como as pessoas abusam e " brincam " com este problema tão grave; aqui em Portugal os casos têm aumentado, pois estamos no verão e as pessoas saiem muito mais, mas São poucas as que usam máscara e se distanciam uma das outras; vê-se grupos bem juntinhos em mesas de café, nas esplanadas, conversando, rindo , mas sem usar máscara; ainda não entenderam que o maior contagio é pela respiração e o descuido de um, por exemplo com um espirro, pode contaminar todos os outros. Enfim, Alexandre, é muito dificil lidar com o ser humano. Um beijinho, Amigo e obrigada pelo tema.
    Emilia

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  6. Bom dia (aqui no Brasil), Emília.

    Pois é, o ser humano é parecido, também nesse sentido, no Brasil, em Portugal, nos Estados Unidos, etc.: num primeiro momento preocupa-se enormemente com a coletividade, mas após um tempo, pensa em seu bem-estar individual. Por isso que os regramentos impõe o bem coletivo sobre o bem individual.

    Muito obrigado por prestigiar o blog!

    Grande abraço!

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