Alexandre Luso de
Carvalho
I – INTRODUÇÃO
Quase
todos, hoje em dia, utilizam-se de redes sociais para manifestar-se
sobre os mais variados assuntos (vida pessoal, profissional, esportes, política,
religião, problemas sociais, etc.), bem como comunicar-se individualmente e em
grupos (profissionais, familiares, associativos, condominiais, dentre outros).
Ocorre
que, como com qualquer meio de comunicação, são necessários cuidados no que se
posta nas redes sociais, quanto à forma e, principalmente, quanto ao conteúdo, pois,
contrariamente ao que muitas pessoas pensam, a internet não é uma espécie de
“terra de ninguém” e, portanto, livre de penalidade em casos de
postagens ofensivas a pessoas, coletividades, instituições, crenças religiosas,
gêneros, preferências políticas, esportivas, etc., conforme abordado abaixo,
de modo bastante resumido.
II – REPERCUSSÕES PENAIS
Em
muitas ocasiões, vê-se em postagens – principalmente em tempos de polarização em
diversos aspectos da vida social –, a falta de discernimento quanto à sua forma
e ao seu conteúdo, o que muitas vezes extrapola ao direito constitucional de
liberdade de expressão (Constituição Federal, artigo 5º, incisos IV e IX) e
adentra em vários ilícitos penais, como, por exemplo:
a) Calúnia:
imputação
falsa de fato definido como crime, cometendo calúnia, também, quem propala ou
divulga. (Código Penal, artigo 138);
b) Difamação: imputação
de fato ofensivo à reputação de alguém. (Código Penal, artigo 139);
c)
Injúria:
ofensa
à dignidade e ao decoro (Código Penal, artigo 140);
d) Injúria Racial: ofensa
à dignidade e ao decoro com a “utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição
de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. Nesses casos há o aumento de pena
(Código Penal, artigo 140, parágrafo 3º);
e)
Ameaça:
tal
crime pode ser por meio de gestos, palavras ou outros meios (Código Penal,
artigo 147) e é
muito comum a sua incidência, principalmente por meio de perfis falsos;
f)
Racismo:
prática e incitação à discriminação ou preconceito de raça,
cor, etnia, religião ou procedência nacional. É diferente da injúria racial
(Lei nº 7.716/1989, artigo 20);
g)
Homofobia
e Transfobia: o mesmo crime previsto no artigo
20 da Lei nº 7.716/1989 (racismo) foi aplicado para a discriminação por
orientação sexual ou identidade de gênero pelo Supremo Tribunal Federal na Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26;
h) Estelionato: é
manter alguém em erro para obter para si ou para terceiro vantagem por meio
fraudulento (Código Penal, artigo 171);
i) Charlatanismo: informar
e/ou anunciar cura por meio secreto ou infalível (Código Penal, artigo 283);
j)
Incitação
ao Crime: “incitar publicamente a prática de crime” (Código
Penal, artigo 286). Tal
crime, frise-se, pode ser cometido contra pessoas, autoridades, entes estatais,
Poderes do Estado, empresas e instituições (públicas e privadas), etc.;
k) Apologia
de Crime ou Criminoso: fazer publicamente apologia (defesa) de fato criminoso ou
de autor de crime (Código Penal, artigo 287). É
diferente da incitação ao crime, pois naquele, o crime diz respeito a um tipo
penal e nesse, diz respeito a um fato criminoso que já ocorreu e/ou ao seu
autor;
l) Instigar
(“Apologia”) o Uso de Drogas: no texto legal (Lei nº 11.343/2006,
artigo 33, parágrafo 2º) a
expressão utilizada foi instigar,
mas “apologia” ficou mais popular.
Saliente-se que essa instigação (ou apologia) não necessita, para configurar o
ilícito, ter a finalidade lucrativa de quem o comete;
m) Exercício Ilegal da Profissão: tal
ilícito, previsto no artigo 47 do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei
das Contravenções Penais) é visto, por vezes, quando alguém passa a atuar
utilizando as redes sociais em atividade profissional para a qual não está
habilitado.
II – REPERCUSSÕES CIVIS
II.1. Nas Relações Civis
Geralmente,
para não dizer sempre, as consequências penais de uma postagem feita de maneira
insensata trazem consigo repercussões civis, como estabelece o artigo 186 do
Código Civil, que assim dispõe:
Art. 186. Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Frise-se:
o dano a que se refere o artigo 186, acima transcrito, pode ter natureza
material e/ou moral, o que acarreta o dever de quem violou tal direito de
terceiro a indenizá-lo, conforme estabelece o artigo 927 do mesmo Código Civil:
Art. 927. Aquele
que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.
Importante
destacar, conforme bem abordado pelo Desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, na Apelação Cível nº 70074914839, do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que (sic) “(...) a liberdade de expressão deve ser garantida
a qualquer cidadão. Contudo, tal princípio não é absoluto, de modo que deve ser
permeado por outros também previstos no texto constitucional”.
Assim, uma reclamação, manifestação ou debate sobre um assunto que passe do
limite da saudável troca de ideias e adentre na ofensa pessoal ou tentativa de
abalar a imagem de seu interlocutor ou de terceiros, é passível de condenação
judicial, conforme verifica-se pelo entendimento jurisprudencial:
"RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS
MORAIS. OFENSAS PESSOAIS. MANIFESTAÇÃO EM REDE SOCIAL. FACEBOOK. Descontentamento com
serviço prestado. Manifestação que excedeu a mera expressão de
descontentamento, ingressando na seara da ofensa à honra e à imagem. Recurso
exclusivo da parte autora, visando à majoração da
indenização. Permanência da postagem no ambiente virtual por cerca de uma hora.
Quantum indenizatório mantido, por estar adequado ao caso concreto. Critérios
de proporcionalidade e razoabilidade. Sentença mantida. Recurso improvido." (TJRS, Recurso Cível, Nº
71009672163, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: José
Ricardo de Bem Sanhudo, Julgado em: 27-10-2020). (Grifado).
"RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE
REPARAÇÃO POR DANO MORAL. COMENTÁRIOS OFENSIVOS EM REDE DE COMUNICAÇÃO
(APLICATIVO WHATSAPP). ATO ILÍCITO. RESPONSABILIDADE DA OFENSORA. DANO MORAL
CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A responsabilidade por danos morais decorre da proteção a
direito da personalidade, inerente a toda pessoa humana. Trata-se de aspecto de
ordem interna cuja violação é capaz de afetar seu estado psicológico, seja pelo
sentimento de humilhação ou qualquer outro constrangimento capaz de repercutir
na esfera da sua honra subjetiva ou objetiva. Os comentários realizados pela Reclamada, em um grupo de whatsapp, que
denotam ofensas a honra, intimidade e imagem da Autora gera direito à
indenização por dano moral." (TJMT, Recurso Inominado nº
80102417720168110025, Turma Recursal Única, Rel. Valmir Alaércio dos Santos,
julgado em 16.11.2017). (Grifado).
II.2. Nas Relações de Consumo
No
que diz respeito às relações de consumo, em razão do uso das redes sociais para
práticas comerciais (anúncios, negociação, concretização do negócio e pós-venda)
terem crescido muito, ainda mais em tempos de pandemia, e cuja tendência é um
crescimento ainda maior, o primeiro
aspecto a ser observado é o da publicidade, em relação ao qual destaco o
disposto nos artigos 30, 31, 35, incisos I, II e III, 36, 37 e 38 do Código de
Defesa do Consumidor:
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente
precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a
produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer
veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços
devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua
portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição,
preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como
sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar
cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá,
alternativamente e à sua livre escolha:
I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da
oferta, apresentação ou publicidade;
II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia
eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.
Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma
que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou
serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os
dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação
de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro
modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da
natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e
quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de
qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição,
se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita
valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de
forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por
omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da
informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.
Portanto,
a partir do momento em que um fornecedor de produtos ou serviços realiza a
publicidade por meio das redes sociais, ele fica obrigado a observar todos os
demais princípios e obrigações decorrentes da relação de consumo.
III – REPERCUSSÕES TRABALHISTAS
Já
em relação às repercussões trabalhistas, há algum tempo, as comunicações
corporativas ocorrem também por grupos de Whatsapp e aplicativos semelhantes
– prática que foi potencializado pela pandemia de Covid-19 que obrigou o
trabalho em home office –, o que,
embora, por um lado, tenha trazido agilidade e economia nas comunicações; por
outro, passou a exigir mais atenção atenção por parte dos empregadores e dos
empregados. Vejamos algumas delas:
a)
pelos EMPREGADORES: se
não houver uma contundente e clara orientação de sua equipe:
a.1. a incidência de comportamento de prepostos seus, principalmente os
de cargo de chefia, que podem ensejar uma acusação de assédio moral,
acarretando um sério prejuízo;
a.2. ordens que podem
acarretar o pleito de horas extras, bem como acúmulo ou desvio de função, com
todas as suas repercussões;
b) pelos
EMPREGADOS: para evitarem advertências
ou quaisquer outras penalidades, devem ser treinados para utilizarem os
aplicativos:
b.1.
somente
com a finalidade profissional e durante o horário determinado para a empresa;
b.2. apresentarem uma
postura adequada quanto a forma de comunicação.
Assim,
ao se adotarem esses cuidados e outras práticas preventivas que dependerão da
característica de como as atividades são desempenhadas (atividade externa, home office, presencial, mista, etc.),
os aplicativos de comunicação só acrescentarão nas rotinas das empresas e
tomadores de serviços.
IV – CONCLUSÃO
Para finalizar, destaque-se um aspecto
extremamente importante, óbvio até, mas sobre o qual muitas pessoas parecem não
ter o discernimento necessário nessa época em que os dedos são mais rápidos que o cérebro: um
comentário ou manifestação pública em rede social há de começar por uma
primeira análise: o que se vai postar é crime, é ilícito civil, é
descumprimento de norma trabalhista? Na dúvida, não vá adiante, pois as
repercussões jurídicas podem ser graves e os custos disso não serão baixos.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
alexandre_luso@yahoo.com.br
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