27 de dezembro de 2020

A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E ALGUNS BREVES APONTAMENTOS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

A obrigação alimentar é um dos temas mais espinhosos que vejo, a começar por toda a gama de sentimentos que envolve e toda a sua repercussão nos relacionamentos de pais e filhos.

O Código Civil, entre os artigos 1.694 a 1.710, e a Lei nº 5.78/68 tratam sobre a obrigação alimentar (em que casos são devidos, quem deve, quem tem direito, dentre outros aspectos), salientando o seguinte:

 

a)   A QUEM SÃO DEVIDOS E QUEM DEVE PRESTAR OS ALIMENTOS: os parentes, cônjuges ou companheiros; destacando, quanto aos parentes que os alimentos:

 

a.1. são recíprocos entre pais e filhos, extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação  nos mais próximos em grau, uns em falta de outros;

 

a.2. na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos (filhos do mesmo pai e mesma mãe) como unilaterais (ou do mesmo pai ou da mesma mãe), ou seja, não há distinção entre irmãos quanto a obrigação alimentar;

 

b)  EM QUE CASOS SÃO DEVIDOS OS ALIMENTOS: os alimentos podem ser pleiteados quando não há, por parte de quem os solicita, condições de, pelo seu próprio trabalho, sustentar-se, observando o seguinte:

 

b.1. os alimentos são devidos somente nos valores indispensáveis para custear as necessidades básicas (alimentação, moradia, saúde, transporte, vestuário e educação, observando-se, aqui, quando se trata de pensão de ascendente para descendente menor de idade, pode ser incluído o lazer como custo na pensão);

 

b.2. o juiz observará, quando arbitrar o valor dos alimentos, a possibilidade do alimentante e a necessidade do alimentando;

 

b.3. o juiz poderá (e quase sempre o faz) determinar alimentos provisórios em valor que entender adequado, a partir do que for provado quanto à capacidade de financeira do Alimentante na petição inicial ou na audiência de conciliação;

 

c)   QUANDO OS ALIMENTOS SÃO DEVIDOS AOS FILHOS:

 

c.1. quando os pais forem separados (tanto em caso de casamento, como de união estável), estes contribuirão na proporção de seus recursos;

 

c.2. os pais não podem renunciar à pensão de alimentos destinadas aos filhos por esse ser um direito indisponível;

 

c.3. atingir a maioridade ou formar-se em curso profissionalizante ou curso superior não significa que automaticamente a obrigação de prestar alimentos cessará;

 

d)  QUANDO OS ALIMENTOS SÃO DEVIDOS AO EX-CÔNJUGE OU COMPANHEIRO(A): apesar que na maioria dos casais ambos têm atividade remunerada e, portanto, ser cada vez menos comum a pensão de alimentos prestada nesses casos, estabelece o Código Civil, ainda, uma série de hipóteses:

 

d.1.Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694” (artigo 1.703);

 

d.2.Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial”; (artigo 1.704);

 

d.3.Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência” (artigo 1.704, parágrafo único);

 

d.4.Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos” (artigo 1.708);

 

d.5.Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor” (artigo 1.708, parágrafo único);

 

d.6.O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio” (artigo 1.709);

 

e)   QUANDO SE MODIFICA O VALOR DOS ALIMENTOS PRESTADOS OU CESSA A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR: antes de listar tais hipóteses, é fundamental salientar que em nenhum caso essa obrigação se modifica ou cessa de modo automático, mas sim por meio das ações próprias estabelecidas no artigo 1.699 do Código Civil. A partir disso, quando se verificar que houve mudança na situação financeira de quem supre (o Alimentante) e/ou de quem recebe (Alimentando), podem ser ajuizadas as seguintes ações, lembrando que é necessário observar o princípio de que a prova incumbe a quem alega[1]:

 

e.1. ação de exoneração de alimentos: quando se pretende que o Devedor não mais preste o alimentos ao Credor, em razão, por exemplo, deste estar trabalhando e não mais necessitar da prestação alimentícia para seu sustento;

 

e.2. ação de redução de alimentos: quando há intenção de o Devedor reduzir a pensão de alimentos em razão da modificação de sua situação financeira – o desemprego é um causa frequente – ou de melhora na situação financeira do Credor ou redução de suas necessidades;

 

e.3. ação de majoração de alimentos: quando se verifica uma melhora na condição financeira do Devedor dos alimentos (uma promoção, por exemplo) ou uma necessidade extraordinária do Credor dos alimentos (tratamento médico a longo prazo, por exemplo).

 

 Assim, para concluir, obviamente que os pontos abordados neste artigo são breves noções para que o público não acostumado às leis e à sistemática jurídica acerca de tudo o que ocorre quanto à obrigação alimentar, uma vez que as peculiaridades de cada unidade familiar obrigam a estudos específicos e aprofundados de cada caso, a partir do momento em que se procura um advogado até as decisões das Instâncias Superiores do Poder Judiciário.

 

 Alexandre Luso de Carvalho

                        OAB/RS nº 44.808


alexandre_luso@yahoo.com.br


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[1] Código de Processo Civil, Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;


21 de dezembro de 2020

ALGUNS ASPECTOS SOBRE A PENHORA DE BENS NA EXECUÇÃO POR DÍVIDA


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Esse é um tema que sempre desperta sentimentos antagônicos, tanto pelo devedor como pelo credor. Quando há processo judicial, pelo devedor, muitas vezes se ouve: “E agora, vão tomar a minha casa? Vão pegar o meu dinheiro da conta?” Já pelo credor é comum ouvir: “Mas a lei protege os que estão errados! E, nós, ficamos no prejuízo?” A primeira resposta a ser dita pelo advogado é “Calma! Não é bem assim...

  

II – DOS BENS IMPENHORÁVEIS

 

Primeiramente, cabe destacar que, dentre os bens impenhoráveis, um mereceu por sua óbvia importância, por parte do legislador, uma atenção especial: o BEM DE FAMÍLIA, isto é, “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam (...)” (artigo 1º da Lei nº 8.009/1990[1]) e conforme também estabelecido pelo artigo 1.711 do Código Civil:

 

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.”

 

Antes de elencar os bens penhoráveis, o Código de Processo Civil, em seu artigo 833, elenca quais são os bens impenhoráveis, são eles:

 

a) os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução (exemplo: um imóvel que detém a cláusula de inalienabilidade, conforme estabelece o artigo 1.911 do Código Civil[2], implica a impenhorabilidade do bem);

 

b) os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

 

c) os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

 

d) os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, excetuando em casos de prestação alimentícia, bem como as importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais;

 

e) os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;

 

f) o seguro de vida;

 

g) os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

 

h) a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

 

i) os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

 

j) a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

 

k) os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;

 

l) os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.

  

Ou seja, excetuando os recursos públicos de fundo partidários, os valores e bens impenhoráveis foram elencados na lei, a meu ver, numa clara intenção de proteger o que é considerado essencial para a manutenção do devedor e/ou de sua família em que pese esteja em débito.

 Aliás, sobre a proteção desses bens elencados no artigo 833 do Código de Processo Civil, vale destacar a Súmula 486 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre penhora do imóvel que não é destinado à moradia do devedor – impenhorável –, mas que é alugado para servir de fonte de renda:

 

“Súmula. 486. É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.”

 

Todavia, cumpre destacar que a impenhorabilidade sobre os bens não cabe quando a execução da dívida é relativa ao próprio bem (condomínio e IPTU, por exemplo), inclusive àquela contraída para a aquisição deste, conforme disposto no artigo 833, parágrafo 1º do Código de Processo Civil[3].

 

II – DOS BENS PENHORÁVEIS

 

Na execução de dívidas, tanto realizada diretamente em ação de execução, em ação monitória ou em ação ordinária, esta última na fase de cumprimento de sentença – em casos de ações de cobrança, de indenizações ou outras que estabeleçam obrigações pecuniárias –, quando não há o pagamento do débito de forma espontânea pelo devedor, a penhora de valores e bens segue a seguinte ordem estabelecida pelo Código de Processo Civil (artigo 835):

 

a)   dinheiro em espécie ou depositado (em conta corrente ou em aplicação financeira), sendo esta prioritária dentre os outros bens;

 

b) títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;

     

c) títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

 

d) veículos de via terrestre;

 

e) bens imóveis;

 

f) bens móveis em geral;

 

g) semoventes (animais);

 

h) navios e aeronaves;

 

i) ações e quotas de sociedades simples e empresárias;

 

j) percentual do faturamento de empresa devedora;

 

k) pedras e metais preciosos;


l) direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;

 

m) outros direitos (patrimoniais).

  

Sendo assim, os procedimentos para se realizar a constrição do valor e/ou bem são basicamente os seguintes:

 

a) Sisbajud (versão mais atualizada do sistema BacenJud): sistema eletrônico de comunicação entre o Poder Judiciário e o Banco Central do Brasil em que são bloqueados valores existentes em todas as contas sob o CPF ou CNPJ do devedor;

 

b)  RenaJud: sistema eletrônico de comunicação entre o Poder Judiciário e o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), possibilitando a efetivação de ordens judiciais de restrição de veículos cadastrados no Registro Nacional de Veículos Automotores (RENAVAM) sob o CPF ou CNPJ do devedor, em tempo real;

 

c)   Penhora realizada pelo Oficial de Justiça: quando, após nomeação de bens a serem penhorados nos autos do processo, o Magistrado determina que o oficial de justiça vá ao local indicado e realize a penhora dos bens, valores, direitos ou créditos, lavrando um Auto de Penhora e, após, certificando-o no processo de execução;

 

d)  Penhora realizada por meio de ofício: um exemplo de penhora realizada por ofício é quando há penhora no rosto dos autos, ou seja, são penhorados créditos do devedor noutro processo no qual ele seja credor.

 

III – CONCLUSÃO

 

Sabe-se que a execução das dívidas, em razão de todos os recursos processuais existentes, é algo tortuoso e que, muitas vezes, torna-se algo desanimador e traz ao Poder Judiciário e ao próprio conjunto de leis um descrédito, principalmente por parte do credor.

Todavia, o que se pretendeu neste artigo, mesmo que de modo muito resumido, foi explicar algo que tanto o credor como o devedor devem ter em mente: é o equilíbrio que a lei estabeleceu no sentido de que as dívidas sejam pagas, mas que o pagamento de tais dívidas não cause o desamparo de famílias, como a perda de residência ou meio de sustento.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

  

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] Lei nº 8.009/1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família.

[2] Código Civil, art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

[3] Código de Processo Civil, art. 833. São impenhoráveis. (...). § 1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.


13 de dezembro de 2020

A RESPONSABILIDADE LEGAL DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE POR APLICATIVO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Apesar de não serem uma novidade, as empresas de transporte de passageiros por aplicativo ainda geram algumas dúvidas entre seus clientes no que diz respeito à responsabilidade legal por eventuais danos ocorridos durante as viagens. Tais dúvidas são causadas pelo fato dessas empresas terem seus motoristas na condição de “parceiros”, e não de empregados e, com isso, buscarem, também, eximir-se de responsabilidades perante esses passageiros.

Todavia, quaisquer que sejam as discussões acerca da natureza da relação entre a empresa de aplicativo e o motorista, elas não atingem o passageiro, pois, em qualquer que seja o caso, ele sempre será o consumidor, tendo em vista as seguintes características típicas das relações de consumo, contidas no próprio Código de Defesa do Consumidor:

 

a) o consumidor é o que utiliza o serviço como destinatário final (artigo 2º[1]);

b) o fornecedor é toda pessoa física ou jurídica que, mediante remuneração, presta serviços (artigo 3º, caput e parágrafo 2º[2])

 

Salientem-se outros aspectos que caracterizam a natureza consumerista entre as empresas de transporte por aplicativo e os passageiros:


a)   se o passageiro não aceitar as condições de uso do aplicativo, não terá os serviços disponíveis, ou seja, é um contrato de adesão;

b) a empresa de aplicativo é remunerada para fornecer o produto (a plataforma digital oferece uma série de produtos/serviços);

c)  há penalidades impostas ao passageiro, inclusive (multa pecuniária por desistência da corrida e descadastramento do aplicativo por mau comportamento).

 

Com isso, a responsabilidade das empresas de transporte de passageiros por aplicativo perante o consumidor segue todos os princípios e determinações estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor, dentre os quais destaco, nesse caso específico:

 

a)   a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços” (artigo 6º, inciso IV);

b)  a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (artigo 6º, inciso VIII);

c)   O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos” (artigo 14). Aqui, é o que se chama de responsabilidade objetiva.

  

Aliás, a caracterização como relação de consumo é fundamental, principalmente, para que seja estabelecida a RESPONSABILIDADE OBJETIVA, acima mencionada, pois esse é um elemento de indiscutível importância na busca de reparação dos danos materiais e/ou morais sofridos pelo passageiro, uma vez que, com isso, não se necessita para receber a indenização a prova de culpa do motorista, mas somente a prova de causa e efeito.

Assim, conforme já dito, tendo em vista, ainda, algumas discussões acerca da natureza da relação entre o motorista e a empresa de transporte por aplicativo – se é trabalhista, de parceria (economia compartilhada) ou de consumo, pelo fato de o motorista usar a plataforma digital para trabalhar – de uma coisa pode-se ter certeza absoluta: a relação do passageiro para com tais empresas é sim de relação de consumo, e é por esse viés que os passageiros devem conhecer quais são seus direitos e deveres, em especial quanto ao seu aspecto cível.

 

 Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

  

alexandre_luso@yahoo.com.br





[1] Código de Defesa do Consumidor. Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

[2] Código de Defesa do Consumidor. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (...) § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.


6 de dezembro de 2020

AS POSTAGENS EM REDES SOCIAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Quase todos, hoje em dia, utilizam-se de redes sociais para manifestar-se sobre os mais variados assuntos (vida pessoal, profissional, esportes, política, religião, problemas sociais, etc.), bem como comunicar-se individualmente e em grupos (profissionais, familiares, associativos, condominiais, dentre outros).

Ocorre que, como com qualquer meio de comunicação, são necessários cuidados no que se posta nas redes sociais, quanto à forma e, principalmente, quanto ao conteúdo, pois, contrariamente ao que muitas pessoas pensam, a internet não é uma espécie de “terra de ninguém” e, portanto, livre de penalidade em casos de postagens ofensivas a pessoas, coletividades, instituições, crenças religiosas, gêneros, preferências políticas, esportivas, etc., conforme abordado abaixo, de modo bastante resumido.

 

II – REPERCUSSÕES PENAIS

 

Em muitas ocasiões, vê-se em postagens – principalmente em tempos de polarização em diversos aspectos da vida social –, a falta de discernimento quanto à sua forma e ao seu conteúdo, o que muitas vezes extrapola ao direito constitucional de liberdade de expressão (Constituição Federal, artigo 5º, incisos IV e IX[1]) e adentra em vários ilícitos penais, como, por exemplo:

a)  Calúnia: imputação falsa de fato definido como crime, cometendo calúnia, também, quem propala ou divulga. (Código Penal, artigo 138[2]); 

b)  Difamação: imputação de fato ofensivo à reputação de alguém. (Código Penal, artigo 139[3]); 

c)   Injúria: ofensa à dignidade e ao decoro (Código Penal, artigo 140[4]); 

d) Injúria Racial: ofensa à dignidade e ao decoro com a “utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. Nesses casos há o aumento de pena (Código Penal, artigo 140, parágrafo 3º[5]); 

e)   Ameaça: tal crime pode ser por meio de gestos, palavras ou outros meios (Código Penal, artigo 147[6]) e é muito comum a sua incidência, principalmente por meio de perfis falsos; 

f)   Racismo: prática e incitação à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. É diferente da injúria racial (Lei nº 7.716/1989, artigo 20[7]); 

g)   Homofobia e Transfobia: o mesmo crime previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/1989 (racismo) foi aplicado para a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26[8]; 

h)  Estelionato: é manter alguém em erro para obter para si ou para terceiro vantagem por meio fraudulento (Código Penal, artigo 171[9]); 

i)  Charlatanismo: informar e/ou anunciar cura por meio secreto ou infalível (Código Penal, artigo 283[10]); 

j)    Incitação ao Crime: “incitar publicamente a prática de crime” (Código Penal, artigo 286[11]). Tal crime, frise-se, pode ser cometido contra pessoas, autoridades, entes estatais, Poderes do Estado, empresas e instituições (públicas e privadas), etc.; 

k) Apologia de Crime ou Criminoso: fazer publicamente apologia (defesa) de fato criminoso ou de autor de crime (Código Penal, artigo 287[12]). É diferente da incitação ao crime, pois naquele, o crime diz respeito a um tipo penal e nesse, diz respeito a um fato criminoso que já ocorreu e/ou ao seu autor; 

l)  Instigar (“Apologia”) o Uso de Drogas: no texto legal (Lei nº 11.343/2006, artigo 33, parágrafo 2º[13]) a expressão utilizada foi instigar, mas “apologia” ficou mais popular. Saliente-se que essa instigação (ou apologia) não necessita, para configurar o ilícito, ter a finalidade lucrativa de quem o comete; 

m) Exercício Ilegal da Profissão: tal ilícito, previsto no artigo 47 do Decreto-Lei nº 3.688/1941[14] (Lei das Contravenções Penais) é visto, por vezes, quando alguém passa a atuar utilizando as redes sociais em atividade profissional para a qual não está habilitado.

 

II – REPERCUSSÕES CIVIS

 

II.1. Nas Relações Civis

 

Geralmente, para não dizer sempre, as consequências penais de uma postagem feita de maneira insensata trazem consigo repercussões civis, como estabelece o artigo 186 do Código Civil, que assim dispõe:

 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

Frise-se: o dano a que se refere o artigo 186, acima transcrito, pode ter natureza material e/ou moral, o que acarreta o dever de quem violou tal direito de terceiro a indenizá-lo, conforme estabelece o artigo 927 do mesmo Código Civil:

 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

  

Importante destacar, conforme bem abordado pelo Desembargador , do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que (sic) “(...) a liberdade de expressão deve ser garantida a qualquer cidadão. Contudo, tal princípio não é absoluto, de modo que deve ser permeado por outros também previstos no texto constitucional[15]”. Assim, uma reclamação, manifestação ou debate sobre um assunto que passe do limite da saudável troca de ideias e adentre na ofensa pessoal ou tentativa de abalar a imagem de seu interlocutor ou de terceiros, é passível de condenação judicial, conforme verifica-se pelo entendimento jurisprudencial:

 

"RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. OFENSAS PESSOAIS. MANIFESTAÇÃO EM REDE SOCIAL. FACEBOOK. Descontentamento com serviço prestado. Manifestação que excedeu a mera expressão de descontentamento, ingressando na seara da ofensa à honra e à imagem. Recurso exclusivo da parte autora, visando à majoração da indenização. Permanência da postagem no ambiente virtual por cerca de uma hora. Quantum indenizatório mantido, por estar adequado ao caso concreto. Critérios de proporcionalidade e razoabilidade. Sentença mantida. Recurso improvido." (TJRS, Recurso Cível, Nº 71009672163, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: José Ricardo de Bem Sanhudo, Julgado em: 27-10-2020). (Grifado).

  

"RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL. COMENTÁRIOS OFENSIVOS EM REDE DE COMUNICAÇÃO (APLICATIVO WHATSAPP). ATO ILÍCITO. RESPONSABILIDADE DA OFENSORA. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A responsabilidade por danos morais decorre da proteção a direito da personalidade, inerente a toda pessoa humana. Trata-se de aspecto de ordem interna cuja violação é capaz de afetar seu estado psicológico, seja pelo sentimento de humilhação ou qualquer outro constrangimento capaz de repercutir na esfera da sua honra subjetiva ou objetiva. Os comentários realizados pela Reclamada, em um grupo de whatsapp, que denotam ofensas a honra, intimidade e imagem da Autora gera direito à indenização por dano moral." (TJMT, Recurso Inominado nº 80102417720168110025, Turma Recursal Única, Rel. Valmir Alaércio dos Santos, julgado em 16.11.2017). (Grifado).

  

II.2. Nas Relações de Consumo

 

No que diz respeito às relações de consumo, em razão do uso das redes sociais para práticas comerciais (anúncios, negociação, concretização do negócio e pós-venda) terem crescido muito, ainda mais em tempos de pandemia, e cuja tendência é um crescimento ainda maior, o primeiro aspecto a ser observado é o da publicidade, em relação ao qual destaco o disposto nos artigos 30, 31, 35, incisos I, II e III, 36, 37 e 38 do Código de Defesa do Consumidor:

 

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

 

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

 

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

 I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; 

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; 

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

 

Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. 

Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.

 

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

 § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. 

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. 

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

 

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

  

Portanto, a partir do momento em que um fornecedor de produtos ou serviços realiza a publicidade por meio das redes sociais, ele fica obrigado a observar todos os demais princípios e obrigações decorrentes da relação de consumo.

  

III – REPERCUSSÕES TRABALHISTAS

  

Já em relação às repercussões trabalhistas, há algum tempo, as comunicações corporativas ocorrem também por grupos de Whatsapp e aplicativos semelhantes – prática que foi potencializado pela pandemia de Covid-19 que obrigou o trabalho em home office –, o que, embora, por um lado, tenha trazido agilidade e economia nas comunicações; por outro, passou a exigir mais atenção atenção por parte dos empregadores e dos empregados. Vejamos algumas delas:

 

a)   pelos EMPREGADORES: se não houver uma contundente e clara orientação de sua equipe:

 a.1. a incidência de comportamento de prepostos seus, principalmente os de cargo de chefia, que podem ensejar uma acusação de assédio moral, acarretando um sério prejuízo; 

a.2. ordens que podem acarretar o pleito de horas extras, bem como acúmulo ou desvio de função, com todas as suas repercussões;

 

b)  pelos EMPREGADOS: para evitarem advertências ou quaisquer outras penalidades, devem ser treinados para utilizarem os aplicativos: 

b.1. somente com a finalidade profissional e durante o horário determinado para a empresa; 

b.2. apresentarem uma postura adequada quanto a forma de comunicação.

 

Assim, ao se adotarem esses cuidados e outras práticas preventivas que dependerão da característica de como as atividades são desempenhadas (atividade externa, home office, presencial, mista, etc.), os aplicativos de comunicação só acrescentarão nas rotinas das empresas e tomadores de serviços.

 

IV – CONCLUSÃO

 

Para finalizar, destaque-se um aspecto extremamente importante, óbvio até, mas sobre o qual muitas pessoas parecem não ter o discernimento necessário nessa época em que os dedos são mais rápidos que o cérebro: um comentário ou manifestação pública em rede social há de começar por uma primeira análise: o que se vai postar é crime, é ilícito civil, é descumprimento de norma trabalhista? Na dúvida, não vá adiante, pois as repercussões jurídicas podem ser graves e os custos disso não serão baixos.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

 

alexandre_luso@yahoo.com.br

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[1] Constituição Federal de 1988, artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (...) IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

[2] Código Penal, Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime. (...) Parágrafo 1º Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. 

[3] Código Penal. Art. 139. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação. 

[4] Código Penal. Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. 

[5] Código Penal. Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. (...) § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: 

[6] Código Penal. Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: 

[7] Lei nº 7.716/1989. Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. 

[8] STF, ADO nº 26, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, julgado em 13.06.2019. 

[9] Código Penal. Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: 

[10] Código Penal. Art. 283. Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível. 

[11] Código Penal. Art. 286.  Incitar, publicamente, a prática de crime: 

[12] Código Penal. Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: 

[13] Lei nº 11.343/2006. Artigo 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (...) §Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: 

[14] Decreto-Lei nº 3.688/1941. Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:

[15]