31 de outubro de 2021

O QUE FAZER QUANDO O ESTADO NÃO PRESTA OS SERVIÇOS AOS QUAIS ESTÁ OBRIGADO


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Em seu discurso de posse, na condição de 35º Presidente dos Estados Unidos, em 20.01.1961, John Fitzgerald Kennedy, disse “Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país”. É uma frase que resume muito bem sobre o dever do cidadão para com o seu país. 

Ocorre que a relação cidadão/país é feita de obrigações recíprocas, ou seja, as do cidadão ao país e aos do país para com o cidadão (de forma coletiva ou individual), por meio do Estado e seus entes.

 

II – DOS DEVERES DO ESTADO PARA COM O CIDADÃO

 

A Constituição Federal de 1988 é expressa em diversos de seus dispositivos acerca dos deveres do Estado para com o cidadão. E aqui, leia-se “Estado”, como todos os entes que o compõem: Municípios, Estados e União e cada um dos orgãos a estes subordinados. 

Todavia, historicamente o Estado se mostra incapaz de promover os direitos básicos e fundamentais da população (saúde, educação, segurança) e outros direitos que fazem parte das obrigações estatais (infraestrutura, prestação jurisdicional adequada, assistência social e serviços); direitos esses, aliás que são uma contrapartida dos impostos pagos pela população, diga-se. Dois exemplos disso é o não cumprimento pelo Estado do disposto já no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, que se constitui em um de seus fundamentos, qual seja, “a dignidade da pessoa humana” e no artigo 3º, inciso III, que é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. 

Ou seja, tudo o que o Estado deve fazer e não faz está disposto na Constituição Federal, de modo mais amplo – e que estabelece as diretrizes – e, de modo mais individualizado e detalhado nas leis específicas.

 

III – MEDIDAS A SEREM TOMADAS QUANDO O ESTADO DESCUMPRE SUAS OBRIGAÇÕES

 

Diante da ineficiência do Estado em cumprir suas obrigações para com o povo, a primeira solução que se pensa é a mudança de seus dirigentes por meio do voto. Sem dúvida isso está correto. Mas, essa é a parte política dessa solução. 

No entanto, em muitos casos, não há tempo para aguardar uma mudança política. Nesse caso, o próprio Estado (Poder Público) oferece meios de o cidadão promover essas soluções, seja de modo coletivo, seja de modo individual. Vejamos:


a)   para o Poder Público FAZER: quando o cidadão, de modo individual ou coletivo, busca a prestação de um serviço pelo ente estatal. Exemplos: fornecimento de medicamentos e/ou tratamento médico; vagas em creches e escolas, instalação de sinalização de trânsito em locais de muitos acidentes, etc. Aqui, o procedimento correto é:

 

PRIMEIRO PASSO: buscar a via administrativa (extrajudicial) junto ao órgão estatal competente, documentando a situação e o pedido. Se o pedido for atendido de modo satisfatório – levando em conta o tempo que previsto para a solução –, o problema está resolvido. Caso o tempo para resolução seja demasiado longo (ou não tenha prazo), bem como ocorra a recusa do requerimento, é importante documentar esse pedido e a recusa. Aqui, excetuam-se os casos de extrema urgência como, por exemplo, internações médicas em situações de risco de vida, cujo o pedido judicial pode ser feito diretamente;

 

SEGUNDO PASSO: em caso de recusa do pedido administrativo ou de uma solução sem prazo definido ou com um prazo demasiado longo, o segundo passo é a busca do Poder Judiciário para que ele determine que o Estado preste o serviço a qual constitucionalmente está obrigado a fazê-lo.

 

b)  para o Poder Público INDENIZAR: esse é o caso de o Estado indenizar por algo já ocorrido e que acarretou uma lesão a um cidadão. Isso pode ser decorrente de:

 

b.1. AÇÃO: aquilo que o agente público ou o Estado, em sua estrutura FEZ e que causou lesão ao direito do cidadão. Exemplo: abordagem policial indevida por erro no banco de dados. Dependendo do caso e seus desdobramentos pode gerar o dever indenizar, conforme julgado abaixo: 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA PREJUDICADA. MÉRITO. ERRO DE AGENTE POLICIAL AO ANOTAR VEÍCULO COMO FURTADO/ROUBADO, OCASIONANDO ABORDAGEM POLICIAL INDEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTES. Preliminar prejudicada pelo julgamento do agravo de instrumento nº 70081516205, o qual afastou o alegado cerceamento de defesa, em decisão já transitada em julgado, que torna descabida a rediscussão da matéria, diante da preclusão consumativa. Mérito. A Administração Pública responde objetivamente pelos danos advindos dos atos comissivos realizados pelos agentes públicos no desempenho de suas funções. Caso em que restou demonstrado que a abordagem policial somente ocorreu em razão de o veículo estar assinalado como “furtado/roubado” no banco de dados do sistema policial, resultado do registro indevido da situação de furto/roubo do veículo, por parte da escrivã de polícia. Por mais que a vida em sociedade demande parcela de renúncias por parte do cidadão individualmente considerado, é dever do Estado proceder com o maior cuidado possível ao alimentar o banco de dados da segurança pública. Houve lesão a ser ressarcida pelos danos extrapatrimoniais in re ipsa. Recurso provido. (TJRS, AC nº 70082458746, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Marlene Marlei de Souza, Julgado em 05.11.2020)

  

b.2. OMISSÃO: que é aquilo que o Estado como um todo ou por meio de seus agentes DEIXOU DE FAZER OU NÃO FEZ NO TEMPO ADEQUADO, acarretando lesão ao direito do cidadão. Um exemplo disso, vimos em notícia veiculada nessa semana: 

JUSTIÇA CONDENA ESTADO DO PARANÁ POR NEGLIGÊNCIA DA PM E DETERMINA INDENIZAÇÃO DE R$80 MIL À FAMÍLIA DE VÍTIMA DE FEMINICÍDIO. Polícia recebeu pelo menos nove ligações dos vizinhos denunciando agressões contra a vítima. Equipe policial chegou ao local após quase duas horas e encontrou mulher morta” (fonte: site g1 Paraná[1])

 

Frise-se: tanto nos casos, de pedidos na esfera administrativa, como nos casos a serem analisados na esfera judicial, há de se atentar acerca da necessidade de os pedidos serem corretamente fundamentados e serem acompanhados de provas.

 

IV - CONCLUSÃO

 

Diante de tudo o que foi dito, há de se ter em mente que o Estado não deve ser “mínimo” e nem “máximo”, mas deve atender às necessidades da população, conforme disposto na Constituição Federal e, principalmente, em razão de sermos um país a cada dia mais empobrecido – basta ver que o Brasil, em 15.12.2020, ocupava o 84º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), entre 189 países, sendo que na América do Sul estava atrás do Chile, Argentina, Uruguai, Peru e Colômbia[2]. 

Assim, tendo essa percepção, cabe ao cidadão ficar atento ao que lhe é direito e exercer a sua cidadania sob os aspectos políticos (por meio do voto) e jurídicos (por meio de pedidos administrativos e judiciais).

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2021/10/27/justica-condena-estado-do-parana-por-negligencia-da-pm-e-determina-indenizacao-de-r-80-mil-a-familia-de-vitima-de-feminicidio.ghtml

[2] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-12/brasil-fica-em-84o-lugar-em-ranking-mundial-do-idh


24 de outubro de 2021

A DISCRIMINAÇÃO NA SELEÇÃO PARA CONTRATAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I - INTRODUÇÃO

 

Quem está procurando colocação ou recolocação no mercado de trabalho enfrenta alguns problemas muito comuns: pouco experiência, muita idade, pouca qualificação, excesso de qualificação – por incrível que pareça –, distância do emprego pretendido, etc. E isso, faz parte do mercado e da livre escolha de quem contrata. 

Todavia, há uma escolha que se mostra bem mais complicada, uma vez que trafega numa linha muito tênue entre a livre escolha do empregador e a discriminação: é quando a escolha ou rejeição ao posto de trabalho estão ligados às características pessoais do candidato.

 

II – A DIFERENÇA ENTRE A NECESSIDADE ESPECÍFICA PARA UM CARGO E A DISCRIMINAÇÃO PARA COM O CANDIDATO

 

Um aspecto que sempre deve ser observado no processo seletivo de  contratação está na diferenciação entre o que é a escolha do candidato para uma função que exige características específicas e o que é discriminação. Tomemos como exemplo a categoria dos comissários de bordo da aviação civil:

 

a)   O QUE NÃO É DISCRIMINAÇÃO:


a.1. Quanto às características físicas: escolher um candidato, em razão das dimensões do local em que desempenharão a atividade laboral (aeronave), sendo exigidas aos homens uma altura mínima de 1,65m e máxima de 1,85m; às mulheres uma altura mínima de 1,58m e máxima de 1,80m, bem como não poderem ser obesos, por motivos óbvios; 

a.2. Quanto à apresentação: a exigência de os funcionários estarem sempre alinhados, com o uniforme da empresa, cabelos presos para mulheres e curtos para homens – já que lidam com alimentos, também –, uma vez que isso faz parte das normas de postura que o futuro empregador necessita e exige que seus funcionários tenham;

 

b)  O QUE É DISCRIMINAÇÃO: rejeitar contratar alguém em razão da raça ou etnia, nacionalidade, preferência sexual, religião, gênero (homem ou mulher) condição socioeconômica ou atributos estéticos.

 

No caso de discriminação ao candidato à vaga de emprego estar-se-á desrespeitando o que estabelece a Constituição Federal, em seus artigos 5º, incisos XLI e XLII; e 7º, inciso XXXII, que assim dispõem:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(...)

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; 

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

(...)

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

  

Além da Constituição Federal, a Lei nº 9.029/1995 (que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho) estabelece o seguinte:

 

Art. 1o  É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

 

Como não poderia deixar de ocorrer, a CLT também estabelece a proibição de discriminação na contratação, conforme se vê no artigo 373-A, inciso I:

 

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;

  

Assim, a partir de constatada e comprovada a discriminação, o Poder Judiciário entende ser devida a indenização por dano moral, individual e coletivo, conforme vê-se, ilustrativamente, pelo julgado abaixo:

 

DISCRIMINAÇÃO DE SEXO DA CONTRATAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. Para efeito de dano moral coletivo, o ilícito e seus consectários hão de ser dotados de tal gravidade que impliquem na imediata repulsa social, ultrapassando, portanto, aquela reação decorrente da mera inobservância de determinada norma trabalhista. Destarte, evidenciada a discriminação na contratação por razão de sexo, há submissão da coletividade (grupo, categoria ou classe de pessoas) a uma situação capaz de ensejar a indenização por dano moral coletivo. (TRT-17, RO nº 0001144-61.2015.5.17.00009, 1ª Turma, Rel. Des. José Luiz Serafini, julgado em 29.05.2018).

  

Portanto, o que deve ficar claro é a necessidade de uma correta leitura da situação, tanto por quem está oferecendo a vaga, como pelo candidato, nos seguintes aspectos:

 

a) quem oferece a vaga: deve ser absolutamente claro no anúncio da vaga e na orientação de quem seleciona, no sentido de conduzir o processo e realizar a escolha de acordo com as necessidades específicas para a função, mas sempre observando a lei para que não se cometa qualquer discriminação pessoal ao candidato;

 

b) quem se candidata à vaga: ter a lucidez para diferenciar o que é a necessidade específica para uma função e o que é um ato discriminatório, pois nem toda a recusa é discriminação, mas pode ser decorrente de sua inaptidão técnica ou até física para o cargo, conforme exemplicado.

 

III - CONCLUSÃO

 

Por fim, é importante destacar que os integrantes do mercado de trabalho (empregadores e candidatos ao emprego) sabedores de tais características do processo seletivo, devem observar os requisitos estritamente técnicos para o preenchimento da vaga, pois com tal comportamento diminuir-se-á uma parte das tensões sociais que acabam por resultar inúmeros processos judiciais e prejuízo para todos.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


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17 de outubro de 2021

A “AVENTURA JURÍDICA” OU LIDE TEMERÁRIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

As matérias que compõem o mundo jurídico, em sua grande parte, são passíveis de interpretações diversas. A partir dessa característica todas as causas, inclusive, as que parecem mais simples, requerem um extremo cuidado do advogado em sua análise para que o cliente tenha a informação sobre a real possibilidade de êxito no que está pleiteando e não incorra no que chamamos de “aventura jurídica” ou lide temerária. 

Pode-se dizer, de modo simplificado, que “aventura jurídica” ou lide temerária é a promoção de uma ação judicial buscando um direito sem, entretanto, apresentar:

 

a) o mínimo de provas sobre o que se está alegando. Essa necessidade, inclusive, está presente nas ações trabalhistas e nas ações de relações de consumo, onde há a inversão do ônus da prova;

 

b) a mínima fundamentação jurídica para tal pedido, isto é, o pleito não encontra amparo na lei e/ou no entendimento dos Tribunais (jurisprudência) e doutrina (literatura) jurídica.

 

Importante destacar que não é incomum os insucessos de ações judiciais quando se verificam a ausência dessas duas condições básicas para seguir adiante na busca por um direito perante o Poder Judiciário. 

A partir disso, apesar de a advocacia ser uma profissão de “meio” e não de “fim” (de resultado) - o resultado da ação depende de uma série de fatores, dentre eles o entendimento dos julgadores -, é obrigação do advogado avaliar o caso, a partir do que lhe é apresentado pelo cliente, para evitar ao máximo essa “aventura jurídica”, informando e explicando ao cliente sobre a possibilidade de êxito da ação (mínima, pequena, média, boa ou muito boa). Essa, aliás, é uma obrigação estabelecida no Código de Ética da Advocacia, que assim dispõe em seu artigo 2º, parágrafo único, inciso VII:

 

"Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes. 

Parágrafo único. São deveres do advogado:

(...)

VII – desaconselhar lides temerárias, a partir de um juízo preliminar de viabilidade jurídica;" (Grifado)

 

Importante destacar, também, sobre a lide temerária (“aventura jurídica”), que o advogado não é só obrigado a desaconselhar, ele é responsabilizado, quando em conluio com o cliente, isto é, com o objetivo deliberado de lesar a parte contrária, ajuíza uma ação que não tem provas ou fundamentação jurídica mínimas, estando, pois, fadada ao fracasso.  Sobre tal responsabilização estabelece o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994), em seu artigo 32, parágrafo único:

 

"Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa. 

Parágrafo único - Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria." (Grifado)

 

Essa responsabilização, dependendo das circunstâncias, frise-se, pode ser ampliada ao cliente desse advogado, na chamada litigância de má-fé, disposta no artigo 80, incisos I e III do Código de Processo Civil, combinados com o artigo 81 do mesmo diploma legal:

 

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: 

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

(...)

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

 

Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. 

§ 1º Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. 

§ 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo. 

§ 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.

 

Portanto, uma prévia avaliação feita com critério por parte do advogado, a partir de informações verdadeiras, bem como de toda a documentação existente a ser disponibilizada pelo cliente, possibilitará ao advogado avaliar de maneira mais eficaz acerca viabilidade jurídica do caso e, como isso, diminuir ou até evitar as probabilidades de um prejuízo financeiro ou patrimonial e uma expectativa não atendida em razão de uma causa sem as condições jurídicas exigidas. Lembrando: a “aventura jurídica” é um caminho quase certo ao fracasso, mesmo que se tente de tudo, no decorrer do processo, para se chegar ao fim pretendido.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


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12 de outubro de 2021

A RELAÇÃO ENTRE EMPREGADO DOMÉSTICO E EMPREGADOR


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

I – INTRODUÇÃO

 

Tendo a escravidão no Brasil durado 338 anos, mesmo após a sua abolição – que ocorreu há 133 anos, que para fins históricos é pouco tempo – a nossa sociedade apresentou resquícios do comportamento escravagista, só que a partir de então, entre os patrões e os empregados assalariados, por meio da imposição de um comportamento servil às classes trabalhadoras com menor grau de escolaridade ou menor capacidade de organização. E isso durou décadas.

Tal característica comportamental ficava mais ostensiva ainda nos serviços domésticos. E isso, não se restringia aos negros ou mestiços: os empregados brancos que laboravam em fazendas, os que deixavam a zona rural ou pequenas cidades do interior e migravam para as cidades maiores tinham quase o mesmo tipo de relação, principalmente quando residiam nas casas dos patrões, uma vez que suas jornadas de trabalho iniciavam no momento em que acordavam e só terminavam quando os patrões iam dormir. 

Outro fato que se via com muita frequência era a alegação de que a empregada doméstica era tratada “quase como um membro da família”. Todavia, sabemos que isso não é bem verdade, haja vista as notícias de resgastes feitos pelo Ministério Público do Trabalho (ainda hoje) aos empregados domésticos em situação análoga à escravidão[1]. 

Ou seja, a situação dos empregados domésticos no Brasil era absolutamente desfavorável, no que diz respeito à proteção legal aos seus direitos, conforme frisou a Organização Internacional do Trabalho (OIT):

 

No Brasil, o trabalho doméstico passou por um período longo de invisibilidade e não abordagem por parte das políticas públicas. Ainda hoje é possível identificar a condição de vulnerabilidade desta categoria profissional – que se evidencia nos baixos níveis de rendimento, na alta informalidade, na dificuldade de acesso à educação e à formação profissional, na persistência do trabalho infantil e adolescente e na exposição à violência e acidentes de trabalho[2].

 

II – A EVOLUÇÃO DAS LEIS DIRECIONADAS À CLASSE

 

Apesar da fragilidade de organização dos empregados domésticos e um predominante comportamento de subserviência desses trabalhadores, ainda no início do século XX vê-se o primeiro diploma legal a tratar especificamente do assunto: foi o Decreto nº 16.107/1923[3]. Após, de modo destacado, foi promulgada a Lei nº 5.859/1972 (que dispunha sobre a profissão de empregado doméstico). Entretanto, ainda assim, os empregados domésticos continuaram sendo altamente desfavorecidos em relação às outras classes profissionais. 

Somente a partir do início do século XXI é que se buscou, de fato, tornar mais igualitário os direitos dos empregados domésticos com as demais classes, com a instituição dos seguintes dispositivos legais:

 

a) Decreto nº 3.361/2000: que facultava o recolhimento do FGTS pelo empregador. Ou seja, dependia da boa vontade do patrão; era como um favor, uma caridade ao empregado. Na minha opinião era um “meio direito”;

 

b) Emenda Constitucional nº 72/2013: esse foi um salto que a classe dos empregados domésticos jamais imaginou, isto é, a inclusão da proteção aos seus direitos, como trabalhadores, na Constituição Federal (no parágrafo único do artigo 7º);

 

c) Lei Complementar nº 150/2015: que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico e altera uma série de leis sobre o tema. Esta lei, que trouxe diversas inovações - dentre elas a obrigatoriedade do recolhimento do FGTS - e revogou a Lei nº 5.859/1972;

 

d) Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista): alterou vários dispositivos contidos na CLT, incluindo maiores direitos aos trabalhadores domésticos.

 

A partir disso, os empregados domésticos passaram a ter os mesmos direitos que muitos trabalhadores de outros setores do mercado. 

Importante, no entanto, destacar que essa evolução nas leis não “caiu no colo” dos empregados domésticos, mas foi consequência de sua conscientização e  da maior busca de direitos perante o Poder Judiciário. Foi uma evolução social.

  

III – A NECESSIDADE DE FORMALIZAÇÃO DA RELAÇÃO TRABALHISTA

 

Em razão dessa evolução legal que estabeleceu mais direitos aos trabalhadores domésticos (diaristas, faxineiras, jardineiros, motoristas particulares, babás e cuidadores de idosos e enfermeiros particulares) tornou-se imprescindível a formalização da relação de trabalho e o controle das rotinas entre empregador e empregado. O roteiro básico é o seguinte:

 

a) a ELABORAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO: com todo o detalhamento da prestação de serviços, de acordo com as necessidades do empregador e com o que estabelecem as leis;

 

b) a ANOTAÇÃO NA CARTEIRA DE TRABALHO: constando todas as alterações salariais e contratuais;

 

c) o CONTROLE DA ROTINA: consiste no cumprimento eficaz do que está no contrato de trabalho e principalmente na lei;

 

d) a DOCUMENTAÇÃO DA ROTINA E DOS PAGAMENTOS: documentar toda a rotina da prestação de serviço e pagamentos feitos é parte imprescindível da relação entre empregador e empregado.

 

Adotando tais práticas, não se impedirá de, porventura, o empregado doméstico buscar a Justiça do Trabalho, pleiteando valores, mas certamente diminuir-se-á os prejuízos de uma ação trabalhista. E isso inclui, saliente-se, os pleitos no qual sabidamente o empregado não tenha direito e, portanto, possibilidade real de êxito. Ou seja, diminui a prática da "aventura jurídica".

 

IV - CONCLUSÃO

 

Pelo o que foi exposto, é necessário que o empregador conscientize-se que ele está contratando um trabalhador com os mesmos direitos que os demais e, portanto, a não observância às leis e a informalidade nas rotinas é um comportamento que não encontra mais espaço nas relações trabalhistas e que terá como fim a grande possibilidade de condenações judiciais. 

Assim, é importante, sempre ter-se em mente que apesar de muito pessoal, a relação entre empregador e empregado doméstico é sobretudo, uma relação profissional.

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br



[1] Portal do Ministério Público do Trabalho: https://mpt.mp.br/pgt/noticias/empregada-domestica-e-resgatada-de-trabalho-analogo-a-escravidao-em-sao-jose-dos-campos

[2] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho domésticono Brasil: rumo ao reconhecimento institucional. Escritório do Brasil,Brasília, 2010.

[3] Decreto 16.107/1923. Approva o regulamento de locação dos serviços domésticos