Alexandre Luso de Carvalho
A cobertura de custeio de tratamentos por pelas operadoras de planos de saúde quase sempre geram problemas ao consumidor, por mais que os anúncios e o próprio contrato estabeleçam a “cobertura completa”.
Para piorar, o Superior Tribunal de Justiça julgou, de modo muito infeliz, em 08.06.2022 que o rol da ANS é taxativo, isto é, os tratamentos, mesmo que prescritos pelos médicos e registrados na ANVISA, se não estiverem no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar não seriam custeados pelas operadoras de planos de saúde se existirem outros tratamentos/procedimentos semelhantes constantes no mencionado rol. Ou seja, o lucro das operadoras preponderou sobre a saúde dos pacientes.
Entretanto, em 21.09.2022, foi promulgada a Lei nº 14.454/2022, que alterou a Lei nº 9.656/1988 (sobre planos privados de saúde) e passou a permitir a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar. Um ganho para os consumidores.
Apesar da promulgação da lei, tal tema continuou controvertido, tanto que foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7265, em 04.11.2022, pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde – UNIDAS –, isto é, pelas operadoras de plano de saúde, já que tal a Lei 14.454/2022 as prejudicava, já que se viram obrigadas por lei a custear os tratamentos prescritos pelos médicos, mesmo que fora do rol da ANS.
Assim,
em razão dessa ação, agora, em 18.09.2025, a ação foi julgada parcialmente
procedente pelo Plenário do STF, no seguinte sentido:
“1.
É constitucional a imposição legal de cobertura de tratamentos ou procedimentos
fora do rol da ANS, desde que preenchidos os parâmetros técnicos e jurídicos
fixados nesta decisão.
2. Em caso de tratamento ou procedimento não previsto no rol
da ANS, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de
assistência à saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes
requisitos:
I) prescrição por médico ou odontólogo assistente
habilitado;
II) inexistência de negativa expressa da ANS ou de
pendência de análise em proposta de atualização do rol (PAR);
III) ausência de alternativa terapêutica adequada para a
condição do paciente no rol de procedimentos da ANS;
IV) comprovação de eficácia e segurança do tratamento à
luz da medicina baseada em evidências de alto grau ou ATS, necessariamente
respaldadas por evidências científicas de alto nível; e
V) existência de registro na Anvisa.
3. A ausência de inclusão de procedimento ou tratamento no rol
da ANS impede, como regra geral, a sua concessão judicial, salvo quando
preenchidos os requisitos previstos no item 2, demonstrados na forma do art.
373[1]
do CPC. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do art. 489[2],
§1º, V e VI, e art. 927[3],
III, §1º, do CPC, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de cobertura de
procedimento ou tratamento não incluído no rol, deverá obrigatoriamente:
a) verificar se há prova do prévio requerimento à operadora de
saúde, com a negativa, mora irrazoável ou omissão da operadora na autorização
do tratamento não incorporado ao rol da ANS;
b) analisar o ato administrativo de não incorporação pela ANS à
luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, sem
incursão no mérito técnico-administrativo;
c) aferir a presença dos requisitos previstos no item 2, a
partir de consulta prévia ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário
(NATJUS), sempre que disponível, ou a entes ou pessoas com expertise técnica,
não podendo fundamentar sua decisão apenas em prescrição, relatório ou laudo
médico apresentado pela parte; e
d) em caso de deferimento judicial do pedido, oficiar a ANS
para avaliar a possibilidade de inclusão do tratamento no rol de cobertura
obrigatória.
Tudo
nos termos do voto do Relator, Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente),
vencidos parcialmente os Ministros Flávio Dino, Edson Fachin, Alexandre de
Moraes e Cármen Lúcia, que acompanhavam o Relator julgando constitucional o §
12 do art. 10 da lei e, no tocante ao § 13 do art. 10, julgavam constitucional
o dispositivo, observada a regulamentação técnica da ANS exigida pelo art. 10,
§ 1º, da Lei 9.656/1998. Plenário, 18.9.2025.” (Grifado)
Portanto, pelo que se verifica na decisão transcrita acima, é que apesar da tentativa das operadoras de planos de saúde em reverter totalmente a permissão de cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar estabelecida pela Lei nº 14.454/2022, o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu de vez sobre a matéria, estabelecendo um meio-termo: determinar a cobertura de tratamentos e procedimentos fora do rol da ANS desde que os pacientes (consumidores) cumpram certos requisitos administrativos e judiciais.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS
nº 44.808
[1] Código de Processo Civil,
Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao
fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à
existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades
da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o
encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da
prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo
diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à
parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar
situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou
excessivamente difícil. § 3º A distribuição diversa do
ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o
exercício do direito. § 4º A convenção de que trata o §
3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.