Alexandre Luso de Carvalho
Um
dos assuntos que tem movimentado os noticiários diz respeito às novas regras
para a aquisição de armas e munições pelos colecionadores, caçadores e colecionadores,
os famosos CAC’s.
Todavia,
muito desse debate, não raro marcado pela cólera das partes envolvidas, é
calcado nos comentários de jornalistas e de influenciadores, sendo carente de
informações acerca da cronologia das legislações – principalmente a do Governo
anterior e a do atual –, o que causa uma impressão distorcida acerca do tema.
Tal controvérsia inicia no Governo de Jair Bolsonaro, quando foi publicado o Decreto nº 9.846/2019, que regulamentou a Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento)[1], para dispor sobre o registro, o cadastro e a aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores, sendo, posteriormente, publicado o Decreto nº 10.629/2021, que alterou o anterior em alguns aspectos. Nesses dois decretos estão dispostas uma série de flexibilizações quanto à aquisição, pelos CAC’s, de armas e munições, tanto no que tange aos modelos, como à quantidade de armas e munições com a compra permitidas, incluindo armamentos e munições de uso restrito, como, por exemplo fuzis semiautomáticos, e armas de grosso calibre, conforme vê-se abaixo:
a) arma de fogo de uso permitido - as armas de fogo semiautomáticas ou de repetição que sejam de porte (exemplos: revólveres de calibres 22, 32, 38; pistolas 380 e armas de calibre 12, com a aquisição permitida antes dos mencionados decretos):
b) arma de fogo de uso restrito - as armas de fogo automáticas,
semiautomáticas ou de repetição que sejam: não portáteis; de porte, ou portáteis de alma
raiada (exemplos: pistola .40, pistola 9mm,
revólver .45, pistola .45, revólver .44 Magnum, revolver .357, espingarda
calibre 12 cano serrado e semiautomática, carabinas semiautomáticas .40 ou 9mm
e fuzis semiautomáticos T4), com a
aquisição permitida pelos CAC’s:
Com o advento da campanha presidencial de 2022, uma das bandeiras
de campanha do então candidato Luiz Inácio Lula Silva era a reformulação da
política em relação ao acesso às armas de fogo, dentre eles os CAC’s,
restringindo esse acesso tanto no que diz respeito aos modelos e quantidades de
armas e munições, além de outras medidas, muito sob os argumentos de:
a)
ineficiência do Exército na
fiscalização dessa categoria (em 2022 foram fiscalizados menos de 3% dos CAC’s[2]),
o que leva ao desconhecimento da quantidade de armas em poder dos CAC’s[3];
b) de
que parte do arsenal, em razão da incapacidade de fiscalização estaria sendo
revendida ao crime organizado[4].,
até porque se for bem analisado, houve, em quatro anos de flexibilização, um
aumento muito grande na aquisição de armas sob a alegação de ser destinado aos
CAC’s (entre 2019 e 2022 entraram em circulação no Brasil 1.354.751
armas[5]).
Com isso, já em seu primeiro dia de governo, o atual Presidente
assinou o Decreto nº 11.366/2023, que:
a)
suspendeu os registros
para a aquisição e transferência de armas e de munições de uso restrito por CAC’s;
b) restringiu os
quantitativos de aquisição de armas e de munições de uso permitido, suspendeu a
concessão de novos registros de clubes e de escolas de tiro;
c)
suspendeu a concessão de novos registros de
colecionadores, de atiradores e de caçadores, e instituiu grupo de trabalho
para apresentar nova regulamentação à Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.
Como sequência, em 21.07.2023 foi publicado o Decreto nº 11.615/2023 que (sic) “Regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para estabelecer regras e procedimentos relativos à aquisição, ao registro, à posse, ao porte, ao cadastro e à comercialização nacional de armas de fogo, munições e acessórios, disciplinar as atividades de caça excepcional, de caça de subsistência, de tiro desportivo e de colecionamento de armas de fogo, munições e acessórios, disciplinar o funcionamento das entidades de tiro desportivo e dispor sobre a estruturação do Sistema Nacional de Armas - Sinarm”.
Assim,
num quadro comparativo entre a regulamentação existente no Governo Bolsonaro e
a nova regra, especificamente sobre os
CAC’s, dispõe entre os artigos 30 a 45, fazendo as seguintes modificações[6]:
Ocorre que nesse debate, muitos dizem que se está impedindo o acesso às armas para defesa pessoal do cidadão. Entretanto, há um equívoco em tal afirmação. O que ocorreu foi a adoção de critérios mais rigorosos para tais permissões (aquisição e porte), algo que já se via anteriormente à flexibilização feita pelo Governo anterior. Vejamos o que o Decreto nº 11.615/2023 (do Governo atual) modificou no decreto passado quanto à aquisição de armas para defesa pessoal, por meio do quadro
Assim, para concluir, quando falamos do maior rigor ao acesso à compra de armamentos e munições pelos CAC’s, vale observar: a) tal rigor não significa restringir o direito à autodefesa da população, mas significa tornar mais restrita, aí sim, a aquisição de armas de coleção e/ou tiro desportivo, o que é completamente diferente; b) o cidadão comum não precisa de fuzis semiautomáticos ou armas de grosso calibre e cinco mil munições por ano para proteger-se e tampouco como artigo de coleção ou caça ou tiro desportivo – até porque não existe “tiro olímpico de fuzil”, por exemplo; c) o Exército Brasileiro já se mostrou incapaz de realizar a fiscalização do número de armas e munições nas mãos dos CAC’s, bem como a Polícia Federal, pois o seu efetivo não é suficiente para tal.
Alexandre
Luso de Carvalho
OAB/RS nº 44.808
[1] Lei
nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento): Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de
fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá
outras providências.
[2] Fonte: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/07/14/exclusivo-exercito-fiscalizou-menos-de-3percent-dos-cacs-em-2022-diz-levantamento.ghtml
[3] Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/09/15/exercito-diz-nao-saber-tamanho-do-arsenal-de-cacs-em-cada-cidade-brasileira.htm
[4] Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2022/10/operacoes-da-policia-federal-miram-armas-de-cacs-em-sete-estados-cl9jrbwme00hc01g79vq4iy3n.html
[5] Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2023/02/14/mais-de-um-milhao-de-armas-entrou-em-circulacao-durante-governo-bolsonaro#:~:text=ca%C3%A7adores%20de%20subsist%C3%AAncia.-,Os%20dados%20mostram%20que%20o%20n%C3%BAmero%20de%20armas%20em%20circula%C3%A7%C3%A3o,Em%202020%2C%20268.163%20armas.
[6] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/decreto-sobre-o-controle-de-armas-e-assinado-pelo-presidente-lula