30 de junho de 2024

A SEGURANÇA E A RESPONSABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO EM CASOS DE MAUS TRATOS AOS ALUNOS



Alexandre Luso de Carvalho 

 

I – Introdução 

 

A matrícula de um filho, seja de educação infantil, fundamental, médio e superior, sempre inicia, em resumo, pelas seguintes preocupações: a) reputação acerca da qualidade de ensino; b) estrutura física; c) valor da mensalidade; d) proximidade da residência; e) segurança (externa e interna).

 

II – Dos Fatores de Segurança

 

Acerca do requisito “segurança”, que é tão importante quanto todos os outros – e que se falhar gera uma série de consequências à toda comunidade escolar (alunos, familiares, professores e a própria instituição de ensino) – há de se observar os seguintes fatores:

 

a)  Externo: visa propiciar o máximo possível de proteção contra agentes externos. Muitas vezes é o mais visível aos olhos da comunidade escolar, sendo também, um atrativo aos pais, e diz respeito a: 

a.1. estrutura física e tecnológica da instituição e ensino; 

a.2. efetivo humano especializado para tal; 

a.3. protocolos de segurança para potencializar toda a estrutura de segurança;

 

b)  Interno: visa propiciar a máxima segurança em relação à interação diária entre alunos, professores e funcionários, abrangendo: 

b.1. estrutura física e tecnológica, no sentido de cumprir suas finalidades (vigiar e obter provas de ilícitos), se mostrando presente, mas não interferir ou causar desconforto nas relações interpessoais; 

b.2. escolha criteriosa, precedida de minuciosa pesquisa, dentro dos limites legais, do corpo de funcionários a ser contratado; 

b.3. treinamento específico de professores, monitores e demais funcionários para lidarem e agirem sempre visando proteger os alunos em sua integridade física e psicológica de qualquer espécie de agressão – feitas por crianças, adolescentes e adultos –, o que inclui o bullyng; 

b.4. constantes ações preventivas contra maus tratos aos alunos, seja por meio de campanhas educativas ou ações de vigilância ostensiva, sempre respeitando os limites legais; 

b.5. ações reativas contundentes, por parte das direções das instituições de ensino, quando se descobre qualquer espécie de maus tratos aos alunos. Saliente-se: a pior atitude possível que uma escola ou faculdade pode tomar é “varrer a sujeira para baixo do tapete”, ou seja, não agindo ou agindo parcialmente, isto é, resolvendo o problema somente no âmbito interno, deixando de levar o caso às esferas policial e judicial.

 

Portanto, esses são alguns dos fatores de segurança imprescindíveis no sentido de resguardar a segurança dos alunos – que é o principal –, bem como tornar mais difícil qualquer evento que venha a acarretar a responsabilidade civil das instituições de ensino. E jamais devem ser ignorados em detrimento de outros aspectos mais sedutores da escola ou universidade.

 

III – Da Responsabilidade Civil

 

A responsabilidade civil de qualquer instituição de ensino (pública ou particular) é evidente em casos de maus tratos aos alunos, seja em razão de atos realizados por professores e funcionários, seja por atos realizados por outros alunos; e é determinada a partir das seguintes legislações:

 

a)  Código Civil (de forma geral, isto é, para alunos menores – crianças e adolescentes – como para alunos maiores):


Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

b)  Estatuto da Criança e do Adolescente (específico para o público infantil e adolescente):

 

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. 

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. 

Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los. 

Parágrafo único.  Para os fins desta Lei, considera-se: 

I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:

a)   sofrimento físico; ou

b)   lesão; 

II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:

a)   humilhe; ou

b)   ameace gravemente; ou

c)   ridicularize 

 

c)   Código de Defesa do Consumidor (para os alunos matriculados em instituições particulares): 

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

Com isso, quando as medidas de segurança externas e internas, que são obrigações de todas as instituições de ensino, demonstram falhas que não poderiam ocorrer, tanto em sua prevenção, como em sua reação, há responsabilidade civil e dever de indenizar, conforme amplo entendimento dos tribunais:

 

APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. CONSTRANGIMENTO DE ALUNO DE 3 ANOS DE IDADE FEITO POR DUAS PROFESSORAS EM SALA DE AULA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REDUÇÃO DO QUANTUM. CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. No caso, duas professoras constrangeram o menor de 3 (três) anos depois que este urinou na roupa, ficando exposto aos demais colegas enquanto as docentes zombavam da situação. 2. O valor da indenização deve ser fixado considerando-se a lesão sofrida e o caráter pedagógico e punitivo da medida (binômio reparação/reprimenda), ponderando-se a proporcionalidade e a razoabilidade. Reduzida a condenação da empresa ré ao pagamento de R$ 25.000,00 (vinte cinco mil reais) a título de danos morais. 3. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada somente para reduzir a indenização por dano moral de R$ 45.000,00 para R$ 25.000,00. (TJDF, AC nº 0701535-37.2017.8.07.0007, 5ª Turma Cível, Rel. Robson Barbosa De Azevedo, julgado em 09.10.2019). (Grifado)

 

RECURSO INOMINADO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. BULLYING ESCOLAR. Parte autora que desenvolveu fobia de chuva após tempestade ocorrida durante o período letivo na escola. Piora do quadro clínico após comentários depreciativos por parte dos colegas. Inexistência de prova de que as professoras do reclamante tenham se referido a ele como “bebê chorão”. Comentários que partiram dos demais alunos. Instituição de ensino que não tomou todas as providências para combater a prática do bullying. Alunos praticantes que não foram devidamente repreendidos. Evasão escolar do reclamante. Dever de indenizar. Inação da instituição de ensino que implica aderência da escola à prática de bullying. Danos morais arbitrados em R$ 10.000,00, em consonância com precedente do TJPR. Recurso conhecido e provido. (TJPR, RI nº 0018818-29.2017.8.16.0019, 4ª Turma Recursal, Rel. Juíza Manuela Tallão Benke, julgado em 16.09.2019). (Grifado)

 

IV – Conclusão

 

Assim, a partir dessas considerações, é fundamental que todas as partes envolvidas nas relações estudantis (alunos, familiares e instituições de ensino) fiquem absolutamente atentas ao aspecto “segurança” (externa e interna), no sentido de evitar ao máximo qualquer episódio de maus tratos, pois, sob o ponto de vista do aluno, é um trauma que dinheiro não paga; e sob o ponto de vista da instituição, a condenação gerará um custo desnecessário e, principalmente, um abalo à sua reputação, algo que o dinheiro, também, não paga. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


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16 de junho de 2024

COMO FICAM OS ANIMAIS NA SEPARAÇÃO DO CASAL


Alexandre Luso de Carvalho 

 

I – Introdução 

 

Quando um casal se divorcia ou dissolve a união estável, um dos aspectos que atualmente tem feito parte, tanto nos processos judiciais como nos procedimentos extrajudiciais, é a situação dos animais de estimação, isto é, com quem estes permanecerão e como se dará o custeio de suas despesas. 

Tais questionamentos são decorrentes da evolução nas relações afetivas entre humanos e animais de estimação, que passaram a ser encarados como membros da família – o que de fato são – e não mais meros animais domésticos, meras propriedades (bens semoventes, conforme estabelece o artigo 82 do Código Civil[1]).

 

II – Da Guarda Compartilhada

 

Nos últimos anos o Poder Judiciário tem decidido, quando solicitado, tanto acerca da possibilidade da guarda (ou tutela) compartilhada dos animais e todas as responsabilidades inerentes a tal condição, conforme pode ser visto abaixo, a título exemplificativo:

 

"APELAÇÃO CÍVEL - DIVÓRCIO C/C PARTILHA - PARTILHA DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO - NECESSIDADE - PARTILHA DE BENS MÓVEIS DA RESIDÊNCIA - PROPRIEDADE - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - GUARDA COMPARTILHADA DE CÃES - POSSIBILIDADE - O art. 1.658, do Código Civil prevê que, se tratando de comunhão parcial de bens, necessária a partilha de bens adquiridos na constância da relação conjugal - Os bens eventuais bens que guarnecem a residência em que o casal residia devem ser partilhados, desde que comprovadas suas existência e propriedade - Quanto aos animais de estimação, retrocesso entender que são meros bens materiais ou semoventes. Nos dias atuais, os animais de estimação são considerados membros integrantes da família (família multiespécie) - Certo que, no caso dos autos, denota-se que, antes do casamento, o 1º apelado já detinha de um cachorro, com o advento de outros cães, estes integram de forma social ao cão já existente, sendo cruel a separação dos animais - Ainda, como dito, há uma interação pessoal significativa, dos animais de estimação com os humanos. Assim, no caso dos autos, não há que se falar em partilha, não sendo meros objetos, e sim assegurar a guarda compartilhada ao 1ª apelante." (TJMG, AC nº 10000220328439001, 8ª Câmara Cível Especializada, Rel. Des. Carlos Roberto de Faria, julgado em 02/12/2022). (Grifado)

 

Assim, no que tange à tutela compartilhada dos animais vemos que o entendimento jurisprudencial está em acordo com a evolução do comportamento social e até a legislação de proteção que tem se mostrado mais evoluída, tanto que está em tramitação na Câmara do Deputados, o Projeto de Lei nº 1.806/2023, de autoria do Deputado Alberto Fraga (PL/DF), no sentido de alterar dispositivo do Código Civil para “(...) disciplinar o tratamento dos animais domésticos quando da dissolução da sociedade conjugal, e dá outras providências[2].

 

III – Da Divisão das Despesas

 

No que diz respeito à divisão de despesas dos custos dos animais, apesar de o entendimento ser cada vez maior de que os animais de estimação fazem parte da família, quando o tema é “DESPESAS”, o Poder Judiciário ainda se posiciona de forma mais conservadora – antiquada, diria –, observando o modo como o Código Civil ainda encara os animais de estimação: uma “propriedade”. 

Com isso, quanto a tal tema, ainda há certa divisão nos Tribunais do País, havendo entendimentos de que:

 

a) se há guarda compartilhada do animal, há o dever de divisão despesas, já que se trata de uma “copropriedade” (pela visão do Código Civil) ou de uma tutela compartilhada (pela visão mais avançada);

 

b) se não há divisão de guarda (ou “propriedade”), ou seja, se o animal ficar com um só dos cônjuges, não existe o dever de dividir as despesas.

 

Entretanto, se as partes entrarem em acordo (extrajudicial ou judicial) no sentido de ambos arcarem com as despesas do animal de estimação, mesmo que um só fique com a tutela do animal, tal acordo necessita ser cumprido.

 

IV – Conclusão

 

Para finalizar, o que se vê nesse tema é um exemplo de como a modificação – no caso específico, uma benéfica evolução – do comportamento social acarreta, também, na mudança das decisões do Poder Judiciário e que numa espécie de “efeito dominó” acaba em modificação legislativa (revogação, modificação ou criação de leis). 

Com isso, o que se espera sobre o destino dos animais de estimação quando dos divórcios e dissoluções de uniões estáveis, é que esses não fiquem só nas mãos do bom senso dos cônjuges ou do entendimento (sempre variável) do Poder Judiciário, mas que mudem de status legal, a partir da aprovação do Projeto de Lei nº 1.806/2023 pelo Congresso Nacional, não mais sendo considerados “propriedades”. 

 

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


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[1] Código Civil, Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

2] Fonte: Câmara dos Deputados (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2355801)