24 de janeiro de 2021

A RELAÇÃO ENTRE CARGO DE CONFIANÇA E AS HORAS EXTRAS


 

Alexandre Luso de Carvalho

 

Em grande parte das ações trabalhistas, o tema horas extras se faz presente dentre os pedidos, sendo, muitas vezes, a maior parte do valor pleiteado pelo empregado e, consequentemente, das condenações.

Todavia, há algumas exceções quanto ao direito à percepção de valores referentes às horas extras, sendo uma delas os empregados ocupantes de cargo de confiança.

O cargo de confiança, numa conceituação mais simples, é o preenchido por empregado depositário de especial confiança, por parte do empregador, para cargo de hierarquia superior dentro da empresa. Um exemplo clássico é o de gerência. Conforme lecionam MAXIMILIANUS CLÁUDIO AMÉRICO FÜHRER e MAXIMILIANO ROBERTO ERNESTO FÜHRER,O empregado passa a ter amplo poder de deliberação, substituindo o próprio empregador e representando a empresa nas relações externas. Não está subordinado a horário e não tem estabilidade no cargo; sua constituição ao cargo anterior não constitui ilegalidade[1]”.

Entretanto, o que causa dúvida, por vezes, são quais os requisitos caracterizadores do cargo de confiança e como funciona a hora extra para esses casos. Tais requisitos estão dispostos na CLT, artigo 62, inciso II e parágrafo único:

 

Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

I – (...)

II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.

Parágrafo único - O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).

 

Ou seja, o legislador atribuiu dois pressupostos essenciais à caracterização do Cargo de Confiança:

a) possuir encargos de gestão, ou seja, a possibilidade de dar ordens, admitir, demitir, punir, etc.;

b) gratificação de função no montante de no mínimo 40% sobre o salário do cargo efetivo.

 

Outra característica é a inexistência do controle de horário, o que leva à inexigibilidade do pagamento de horas extras. Saliente-se: se fosse exigido controle da jornada de trabalho, estaria comprometida a essência do cargo de confiança já que cercearia a autonomia, inerente à função, descaracterizando, assim, o cargo de confiança.

Com isso, caso, se verifique um cargo de gerência, por exemplo, onde não exista a gratificação de 40% e haja controle de horário, certamente serão devidos valores referentes ao horário extraordinário laborado, conforme amplo entendimento jurisprudencial, já há muitos anos sedimentado:

 

"HORAS EXTRAS. GERENTE DE ESTABELECIMENTO. FUNÇÃO DE CONFIANÇA NÃO CARACTERIZADA. Se a função da reclamante não se enquadra na exceção tipificada no art. 62, inciso II, da CLT, diante da ausência de poderes de mando ou gestão, o fato de ocupar o cargo de gerente de estabelecimento, por si só, não caracteriza a existência do alegado cargo de confiança." (TRT-10, RO 3374/2001, 3ª Turma Relª Juíza Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro, DJU 18.01.2002)

 

"CARACTERIZAÇÃO DE CARGO DE CONFIANÇA. Para caracterizar a fidúcia intrínseca ao art. 62, II, da CLT, é imperioso que seja comprovado que o empregado esteja investido em poderes de mando em gestão, que denotem autonomia e o coloquem em posição de destaque, apto a tomar decisões que interfiram no destino do próprio empreendimento. Além disso, deve ter padrão salarial diferenciado, acrescido de, pelo menos, 40% em relação ao cargo efetivo. Extraindo-se do conjunto probatório que as atividades desenvolvidas pelo Reclamante não tinham o condão de enquadrá-lo como exercente de cargo de confiança, deve ser mantida a condenação de pagamento das horas extras laboradas." (TRT-3,RO nº 0011207-70.2019.5.03.0147, 8ª Turma, Rel. Des. Sercio da Silva Peçanha, julgado em 10.09.2020).

 

Ou seja, o que caracteriza o cargo de confiança não é propriamente a nomenclatura (diretor, gerente, subgerente, etc.), mas sim as características acima elencadas (poderes de gestão, gratificação e inexistência de controle de horário).

No entanto, é importante atentar para o fato de que alguns autores diferenciam a direção administrativa (cargo de confiança) da direção técnica de determinado setor, esta última não sendo de confiança e, portanto, submetida ao controle de horário e com direito ao recebimento dos valores referentes às horas extras.

Outro aspecto importante é que, apesar de não ser mais uma obrigação legal, o cargo de confiança mediante mandato, para o empregador é necessário que a investidura em tal cargo seja registrada, bem como adotadas uma série de medidas e rotinas a serem indicadas por advogados, contadores e administradores, no sentido de não se ter margem a um futuro pedido em ação trabalhista por falta de cumprimento de norma trabalhista e/ou de seu adequado registro.

Por fim, a observância e cumprimento diário dos requisitos acima elencados, além de consistir no cumprimento da lei e no respeito aos direitos dos trabalhadores, constitui em proteção à própria empresa, uma vez que evitará ou diminuirá o risco de condenação trabalhista quanto ao pleito de horas extras por quem ocupa cargo de confiança.

  

Alexandre Luso de Carvalho

OAB/RS nº 44.808

 

alexandre_luso@yahoo.com.br


Fonte da imagem



[1] FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo e FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Resumo de Direito do Trabalho, Malheiros Editores, 7ª edição, 2001, São Paulo. p. 53


6 comentários:

  1. Gostei de ler e saber, Alexandre...

    Saúde e tudo bom... Beijo
    ~~~~~~~~~

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    1. Boa tarde, caríssima Majo Dutra.

      Que bom que gostaste do artigo! Apesar de ser um tema conhecido, sempre é bom saber de alguns detalhes.

      Abraço!

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  2. Caríssimo amigo Israel.

    Que bom que gostaste do artigo!! Obrigado pela leitura!

    Grande abraço!

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  3. Mais uma excelente postagem, Alexandre! Essa matéria merece um estudo profundo, antes de se ingressar com uma ação trabalhistas, notadamente pelas regras relativas a honorários, hoje em vigor. Grande abraço!

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  4. Bom dia, Marilene.

    Muito obrigado pelo elogio! Sem dúvida, tens toda a razão. Antes da reforma trabalhista de 2017 o ajuizamento de ações trabalhistas era algo, infelizmente, sem muito critério por parte de alguns, tendo em vista que não havia a menor consequência para pedidos infundados. Portanto, hoje em dia, há de se ter o mesmo cuidado e a mesma análise profunda para as ações trabalhistas que se tem para o ajuizamento das causas cíveis.

    Grande abraço e ótima semana!

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